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Mulheres artesãs produzindo cerâmicas a partir do barro – Fonte: Artesol
Mulheres artesãs de Minas Gerais são exemplo de empoderamento e empreendedorismo
Estudo realizado na USP busca compreender a produção cerâmica do nordeste mineiro como atividade que atravessa gerações a partir do conhecimento tradicional de mulheres, e que garante o sustento de suas famílias
Indicadores econômicos apontam o Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais (MG), como uma das regiões mais pobres do Brasil. No entanto, o número não corresponde à riqueza cultural produzida por mulheres artesãs no local. “As técnicas de cerâmica não são apenas arte, são uma necessidade material que as famílias tinham de produzir objetos e comercializá-los nas feiras da região”, afirma Carolina Muller Sasse, autora de uma pesquisa de mestrado sobre o tema apresentada no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP.
Intitulado Arte e Trabalho na Cerâmica do Vale do Jequitinhonha, o estudo tem a orientação do professor livre-docente do IEB, Alexandre de Freitas Barbosa, e busca compreender a produção artesanal em cerâmica do Vale do Jequitinhonha. As cerâmicas são feitas, majoritariamente, por mulheres, como estratégia para o crescimento da atividade econômica local e sua inserção em mercados dos centros econômicos do País.
A autora utilizou entrevistas com ceramistas organizadas em associações de artesanato, no povoado de Campo Buriti, localizado no município de Turmalina, em Minas Gerais. Em sua pesquisa, Carolina afirma que “as mulheres ceramistas são protagonistas, da lonjura do sertão de Minas atuam nos grandes mercados de São Paulo e em outros grandes comércios. O barro é a garantia de que possam ficar no próprio chão”.
A partir da década de 1950, suas produções começaram a ganhar destaque no comércio local e passaram a atrair investimentos governamentais. As chamadas “viúvas da seca” são responsáveis por parte da geração de renda no estado mineiro, sendo o artesanato uma atividade fundamental no empoderamento e empreendedorismo feminino.
Carolina Muller Sasse - Foto: Arquivo Pessoal
“O artesanato é marcante no processo de independência e protagonismo das mulheres”, observa Carolina. “Aquelas que fazem parte das associações são membros bem destacados nas comunidades. Por meio do artesanato, elas conseguem êxito para viver com dignidade”, complementa.
A princípio, as mulheres desenvolviam a prática da cerâmica de forma totalmente artesanal, dominando de ponta a ponta as técnicas envolvidas na confecção das peças. Com o passar do tempo, as atividades se tornaram mais rebuscadas e individualizadas, com divisões de trabalho entre homens e mulheres.
Características regionais
Municípios do Vale do Jequitinhonha – Fonte: Plano de Desenvolvimento para o Vale do Jequitinhonha (Fundação João Pinheiro, 2017)
Em seu estudo, Carolina descreve a região: “O Vale do Jequitinhonha, o vale da miséria, o vale da fome, o vale dos migrantes, o vale da seca, o vale das viúvas de maridos vivos, o vale do eucalipto que seca, esturrica a terra. O vale do compartilhamento comunitário do chão, o vale do barro, o vale da artesã, o vale das mulheres fortes, o vale das bonecas, o vale das festas do espírito santo, o vale em que se come bem, o vale em que se faz amigos, o vale que tem… Que tem dignidade, em que não se passa mais fome”.
O Vale do Jequitinhonha está localizado no nordeste de Minas Gerais, formado por 55 municípios, que são organizados nas microrregiões do Alto, Médio e Baixo Jequitinhonha. Juntamente com outras localidades do Brasil, faz parte do Polígono das Secas, território de extrema aridez e secas prolongadas.
O local é marcado por famílias vinculadas a uma severa realidade socioeconômica. Dados do IBGE de 2014 mostram que a região é responsável por 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, isto é, uma parcela ínfima da riqueza mineira. Todavia, com o passar dos anos, as mulheres foram, especialmente, responsáveis por desenvolver uma forma de subsistência por meio do artesanato, com técnicas ancestrais que atravessam gerações.
A partir da década de 1950, o comércio vindo da circulação de peças artesanais se mostrou uma alternativa importante para o fortalecimento econômico da região mineira. “Um dos braços de apoio da geração de renda e do desenvolvimento local foi a circulação do artesanato produzido pelas mulheres no Vale do Jequitinhonha”, conta Carolina.
Os artesanatos ganharam notoriedade e foram apoiados por agências de desenvolvimento regional vinculadas ao governo do Estado de Minas Gerais. As agências promovem a circulação das peças artesanais produzidas, levando-as aos grandes centros urbanos para serem comercializadas, e apoiam financeiramente os artesãos. Entre elas, está a Comissão de Desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha (CODEVALE), um órgão do Estado de Minas Gerais fundado em 1964.
Autonomia feminina
Historicamente, é comum homens do Vale do Jequitinhonha migrarem para outras regiões do País em busca de emprego. Com isso, as mulheres permanecem em suas residências com a responsabilidade de tocar trabalhos domésticos, agrícolas e de fornecer o sustento às suas famílias. “A partir disso, as mulheres artesãs da região recebem algumas alcunhas, como ‘viúvas da seca’ e ‘noivas da seca’”, conta Carolina.
A princípio, as mulheres tinham o objetivo de criar peças utilitárias, como potes e jarras de barro. Por volta da década de 1970, as ceramistas do nordeste mineiro começaram a produzir bonecas, em formato de noivas. “Essa produção não utilitária, que era diferente das cerâmicas, chamou a atenção de pessoas de outras regiões e alavancou as vendas”, explica Carolina.
Já na década de 1990, as mulheres do Vale do Jequitinhonha começaram a buscar meios para, elas mesmas, fazerem ligações com os mercados consumidores. A alternativa foi criar associações entre as ceramistas para promover um apoio mútuo e alcançar grandes varejistas como os presentes no centro de São Paulo.
Durante o desenvolvimento de seu mestrado, Carolina visitou a Associação das Artesãs de Coqueiro Campo (Artesol), que hoje conta com 39 mulheres. “O barro em suas mãos representa, para além de uma atividade central na geração de renda, um tempo de criação, em que as ceramistas podem se fortalecer umas com as outras. Tempo em que aprendem a estar juntas e encontram a força necessária para se sustentarem no afeto, na solidariedade e na criação”, afirmam os organizadores da Artesol.
Moldando a sociedade
Carolina explica que as técnicas de artesanato vêm de gerações ancestrais, mas não estão estagnadas no tempo. “O artesanato não pode ser visto como puro. Ele é uma expressão autêntica e dinâmica que está em constante diálogo com as condições contemporâneas, externas à comunidade”, afirma. “As artesãs não reproduzem somente as técnicas que vêm de inúmeras gerações. Elas criam inovações”, complementa.
Nos dias de hoje, as peças voltaram ao seu aspecto utilitário, mas com um viés decorativo. “Por exemplo, são feitos pratos e jarros que você pode usar para armazenar itens, mas, no geral, essas peças utilitárias ocupam um lugar de decoração na comunidade”, exemplifica Carolina. A autora conta que todas as cores utilizadas nas pinturas das cerâmicas advêm de diferentes tipos de barro.
Além disso, as técnicas de criação das cerâmicas se tornaram mais complexas a partir da dinamização do comércio. As artesãs não costumam mais ir aos barreiros para obter o barro de suas peças. No lugar, elas o compram de varejistas especializados.
A produção também se tornou mais diversificada. Homens e mulheres participam do preparo do barro para moldar as peças, entre outros. “Não se trata mais de uma atividade simples, feita por apenas uma pessoa. Há divisões de trabalho, que geram serviços para mais pessoas”, afirma Carolina.
Mais informações: linaeva@gmail.com
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