A Entrevista é um curta-metragem produzido inteiramente por estudantes da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP que vem ganhando prêmios em mostras de cinema Brasil afora. Na obra, acompanhamos a história de Jonas, um jovem negro que deve enfrentar o caos da cidade em sua busca por um novo emprego. O curta foi premiado como melhor filme da Mostra Primeiro Filme no festival paraibano Curta Cuité e recebeu menção honrosa no Favera Festival, em Goiânia.
Em 2023, o curta foi um dos 120 contemplados por bolsas do projeto Meu Olhar – Filmes Curtos Feitos pela Juventude Periférica de São Paulo, que visava capacitar jovens na área do audiovisual e incentivar a produção de curtas que valorizassem a cultura e a criatividade. Selecionado por um júri técnico, em fevereiro deste ano o filme foi lançado no YouTube do Canal Futura e na plataforma de streaming Globoplay. Desde então, ele também integrou a programação da 2ª EducAção, mostra realizada em Curitiba que foca em produções realizadas em ambiente escolar, e do Cine Minhocão 2024, um festival organizado no centro de São Paulo por Antônio Linhares, egresso do curso de Audiovisual da ECA.
A Entrevista tem direção de Gabriel Almeida e produção de Gustavo Lacerda e Ricardo Lousada, todos eles estudantes de Audiovisual na USP. O filme tem em seu elenco estudantes da Escola de Arte Dramática (EAD) e do curso de Artes Cênicas. A reportagem do LAC – Laboratório Agência de Comunicação da ECA conversou com o diretor do curta. A seguir, o Jornal da USP reproduz os principais trechos dessa conversa.
Segundo Gabriel, o curta chama a atenção para a banalização da invisibilidade social e tem como objetivo causar um impacto, “um soco no estômago”, com cenas rápidas e um desfecho inusitado. Além disso, o diretor dá um panorama sobre o processo criativo do curta e a dedicação de todos os membros da equipe, e ressalta a necessidade de pensar no público em primeiro lugar. Então, assim como Jonas faz no início do filme, “respire antes de começar a entrevista” e conheça a obra promissora de um jovem cineasta.
Uma história daquilo que “já foi”
“Ver um filme é muito bom, mas não tem nada mais inspirador do que a vida por si só.”
Gabriel Almeida, estudante da ECA e diretor de A Entrevista
O fio condutor do curta A Entrevista é a invisibilidade, literal, de Jonas, um jovem negro, que passa horas se preparando para uma entrevista cheia de percalços. No filme, Jonas é ignorado pelo ônibus que o levaria à empresa. Atrasado, o jovem chega ao local, mas perde sua chance por conta do “sobrinho do chefe”, personagem que representa os privilégios que Jonas, certamente, não possui. Se fosse possível, diz Gabriel, resumir a entrevista em uma única expressão, seria “já foi”. Afinal, Jonas não teria tirado nada de uma entrevista “com cartas marcadas”, por mais que tentasse. Ou seja, A Entrevista conta uma história que termina, ironicamente, antes que o protagonista perceba que começou.
Em uma reviravolta inesperada para o tom que vinha sendo construído no filme, descobrimos outro motivo para a invisibilidade do protagonista. De acordo com Gabriel, é possível dizer que o curta mistura a invisibilidade social com a sobrenatural, ou mesmo que usa a segunda como uma metáfora para a primeira. O diretor destaca o viés social que é construído junto com a leitura do público sobre o filme. Afinal, o filme falar sobre um tema não evita que o público faça outras leituras, mostrando que o problema está na sociedade. Nesse sentido, o filme provoca o público a se questionar sobre o quão banalizada é a invisibilidade social e por que as coisas seguem assim.
Novas premiações e planos para o futuro
A trajetória do curta, que começou com a seleção para o edital Meu Olhar e com a publicação no Globoplay, não parou por aí, já que A Entrevista vem sendo reconhecido em festivais e mostras pelo País. Segundo Gabriel, “o reconhecimento do público e a troca com outros profissionais” são o que mais enriquece a sua experiência como diretor. Diante do sucesso do filme, Gabriel lembra do apoio que teve no início do projeto.
“Eu sou muito grato a toda a equipe que [nos] apoiou, o Departamento de Cinema aqui da USP, o pessoal do edital que selecionou, mas tem duas pessoas que eu sou muito grato, que é o Gustavo Lacerda e o Ricardo Lousada, porque eles estiveram comigo desde o primeiro roteiro”, diz Gabriel.
Sobre os planos para o futuro, o estudante comenta que A Entrevista ainda tem algum tempo para festivais, mas que já tem outros projetos em mente. Um deles é fazer um documentário sobre a história da EAD, partindo da tradição de servir sopa nos aniversários da escola e de como esse ato se torna um ato de resistência e ligação entre gerações. Em outro roteiro, que também não teve as gravações iniciadas, Gabriel pretende contar a história de uma mulher que encontra no esporte um caminho para superar o luto.
Não se faz cinema sem pensar no público
Para Gabriel, o profissional de cinema deve ter uma visão técnica da obra, sua decupagem, arco narrativo, iluminação etc., mas sem abrir mão de “comprar a história” e se envolver com a obra. Usando o curta-metragem A Entrevista como exemplo, o estudante comenta que a dedicação da equipe foi fundamental para seu sucesso. “Eu não estava pronto para ser diretor”, diz ele, sobre a sua primeira diária.
Conforme a gravação avançava, a equipe teve que lidar com a saída de membros e outros problemas, mas manteve o foco em “fazer aquilo que dava para fazer”. Além disso, Gabriel defende que um bom filme só se faz com uma boa história, isto é, algo que encante as pessoas, e, para fazer isso, é preciso antes “se encantar pela própria história”.
“Acho que história é tudo em um filme […]. Um filme que te encanta é um filme que você está vendo e fica apreensivo, é um filme que sabe te manipular e te fazer pensar ‘nossa, como foi que fizeram isso?’ ”.
Gabriel Almeida, estudante da ECA e diretor de A Entrevista
Para o diretor, a coesão dos acontecimentos do curta é fundamental para o sucesso do filme. Em A Entrevista, cada ação e circunstância implica novas ações e circunstâncias, que não dão espaço para cenas “soltas”, assim, reproduzindo o ritmo acelerado da cidade. Em seu desfecho, contudo, há uma espécie de “escape”, onde o ritmo diminui e o curta para de fazer barulho porque “dentro da cabeça das pessoas está fazendo barulho”.
Por fim, o jovem relembra a importância da seleção para o projeto Meu Olhar na trajetória do filme. Isso porque o foco do projeto era dar oportunidade para as obras de jovens periféricos e, para Gabriel, “[é a partir de] uma pequena oportunidade que o jovem aprende as coisas e descobre contatos, um trabalho, já começa a conseguir outros trabalhos”. Para ele, esse tipo de iniciativa “só traz benefícios para o audiovisual”, além de permitir que o jovem olhe para a área como uma oportunidade de carreira: “vou fazer isso da minha vida e vou viver com dignidade”.
Texto de Weslley Andrade, do LAC – Laboratório Agência de Comunicação