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O som da física, o equilíbrio da natureza e a força da arte movimentam o MAC
Em cartaz no Museu de Arte Contemporânea da USP, exposição Universo Invisível, de Paulo Nenflídio, convida o público a perceber a poética da ciência no espaço
26/02/2021
Por Leila Kiyomura
Um Universo Invisível movimenta o terceiro andar do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. Com visita agendada e protocolos de segurança, o público pode caminhar e respirar na mais importante sede latino-americana de arte moderna e contemporânea.
A exposição de Paulo Nenflídio, inaugurada no dia 20 passado, acessa os sentidos do visitante, questiona a sua presença e traz a essência do MAC como museu-laboratório – a valorização do jovem artista e a abertura para a arte experimental.
Universo Invisível reúne seis obras produzidas especialmente para o espaço do museu e o momento que o planeta atravessa. O artista, graduado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, propõe a integração entre arte, natureza, tecnologia, física. E a ponte entre cultura e ciência, entre o homem e o meio ambiente.
Com a curadoria de Helouise Costa, professora do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da USP, a exposição é um dos três projetos que foram selecionados pelo primeiro edital de exposições temporárias do MAC. “A matéria-prima de Paulo Nenflídio encontra-se nos fenômenos invisíveis da física e da eletrônica que fogem à nossa percepção, embora sejam parte indissociável da nossa vida cotidiana”, explica. “Como bem observou Vilém Flusser, a maioria de nós vive uma vida alienada diante dos aparelhos mais banais que utilizamos. Na verdade, pouco sabemos a respeito dos mecanismos que permitem o funcionamento das coisas que nos cercam. Na contramão dessa atitude, Nenflídio interroga as forças da natureza, promovendo a fusão entre conhecimento científico e experiência artística, mediados por uma boa dose de surpresa e poesia.”
“Inventar é simultaneamente criar e descobrir. E é de criação e descoberta que trata esta exposição.”
A área ocupada por Universo Invisível é cinza. O público caminha e se movimenta para poder olhar as obras. Não são para ser tocadas. Leva instantes para perceber os finos fios que vão desenhando o espaço.
O visitante Ubiracy de Assis, agrônomo, pergunta para a namorada, Glória Alcântara, veterinária: “Será que esqueceram de instalar lâmpadas? Não estou conseguindo ver direito”. E ela argumenta: “Calma. É que estávamos no Parque Ibirapuera correndo sob o sol, e mudamos de ambiente e de luz. Nossos olhos ficaram acostumados a ver tudo com a luz do computador”.
Glória está certa. É preciso reaprender a olhar o mundo, além do cinza da pandemia. As obras foram feitas no confinamento do artista em seu ateliê, em São Bernardo do Campo, cidade onde vive e nasceu em 23 de julho de 1976. “A exposição estava programada para inaugurar em abril de 2020. Com a pandemia, a data de inauguração foi suspensa. Com isso, ganhei mais tempo de produção”, conta Nenflídio. “O maior desafio nesta exposição foi sair da minha zona de conforto. Criar obras que diferem da minha produção anterior. Sem som, sem movimento, sem eletricidade, e principalmente sem interatividade. Pensando nos cuidados com a covid, optei por obras que não podem ser tocadas.”
Cada trabalho foi nascendo para o espaço. “Eu precisei reinventar meu processo de criação e expandir minha linguagem. Creio que não precisamos fazer a mesma coisa sempre. Somos livres pra criar novas identidades.”
A experimentação é o caminho sem volta que Nenflídio decidiu trilhar a partir do MAC. Como bem define a curadora Helouise Costa, é um artista inventor. “A palavra invenção deve ser entendida aqui no sentido amplo que um dia teve no campo da arte, quando os saberes ainda não haviam sido compartimentados em áreas de conhecimento específicas. Inventar é simultaneamente criar e descobrir. E é de criação e descoberta que trata esta exposição.”
“No Experimento de Suspensão nº1, a primeira obra que criei para esta exposição, trabalhei com a força invisível da gravidade. Um sistema composto pela rocha, roldanas e contrapesos que compõem um equilíbrio de forças.”
As seis obras falam do universo que o artista vai tornando visível. Mas que também alinham a sua própria história. Lembra: “Fiz colégio técnico de eletrônica, trabalhei três anos na indústria eletrônica. Em seguida, cursei Artes Plásticas na ECA. Em 2003, começa minha trajetória como artista com a residência da Bolsa Pampulha. Nesse período de um ano residindo em BH, produzi a obra Música dos Ventos, trabalho que depois apresentei como obra de final de curso.”
Com esse trabalho, Paulo Nenflídio recebeu o Prêmio Sérgio Motta de Arte e Tecnologia em 2005. Não parou mais. Produziu uma sequência de obras que surpreendem pela técnica e criatividade. “Construí um teclado de madeira com dez teclas do qual saem cabos com 15 a 20 metros. Na extremidade dos cabos há martelos que são conectados nas estruturas metálicas de um prédio. Quando se toca o teclado, os martelos percutem as estruturas, convertendo o prédio em material sonoro, em parte do instrumento.”
Para o MAC, o inventor poeta criou o Monocórdio 1, uma instalação com corda de piano e pau-marfim. “Neste trabalho, optei por um desenho extremamente minimalista, em que movimento e som são substituídos pela beleza de uma corda esticada, uma reta perfeita e parada no espaço. Dois pontos formando uma reta.”
Nenflídio segue explicando como povoou o seu universo. “No Experimento de Suspensão nº1, a primeira obra que criei para esta exposição, trabalhei com a força invisível da gravidade. Um sistema composto pela rocha, roldanas e contrapesos que compõem um equilíbrio de forças.”
Como o artista conseguiu mostrar uma rocha flutuando no espaço com a leveza de uma folha causa surpresa para o espectador. Ao mesmo tempo em que o conjunto sugere uma experiência científica de física, revela a leveza da arte. “Na natureza, tudo sempre tende ao equilíbrio”, argumenta o artista.
“Paulo Nenflídio reinventou a arte. Tem uma genialidade que toca o visitante aberto a um novo tempo”
Um outro trabalho que intriga é Alinhamento nº1, uma instalação com cinco tripés que possuem agulhas de bússola e são alinhados no sentido das agulhas. “Essa posição torna visível no espaço a linha magnética invisível em u que percorre o planeta”, explica Nenflídio. “Um alinhamento com o eixo norte-sul magnético. Apesar de ser exibida em espaço interno, pode ser considerada land art, pois conecta a obra com o planeta.”
Uma sequência de fios compõe a instalação Intersecção nº2. A sensação é a de ver a partitura de uma sonata de Bach para violino. As cordas estão ali todas esticadas e afinadas. “São planos perfeitamente simétricos, se interseccionam no espaço”, observa Nenflídio. “A intersecção ocorre na nossa imaginação. Ao mesmo tempo, apesar de estática, esta é uma obra cinética, pois leva o público a se movimentar para melhor compreender. Ver a obra em movimento cria desenhos que somente são revelados ao percorrer a instalação.”
Embora o visitante percorra o Universo Invisível aparentemente sem som, os fios, as cordas de um piano sugerem, como outras obras do artista, a arte sonora. Ou o som do silêncio.
Uma senhora de 94 anos, Dulce Avancini, toda vestida de azul, parece se integrar no espaço. Caminha entre as obras, observando tudo. “Paulo Nenflídio reinventou a arte. Tem uma genialidade que toca o visitante aberto a um novo tempo”, opina. “Gosto muito de arte contemporânea. Estou feliz visitando de novo o MAC. Feliz também porque estou vacinada e espero que o planeta possa ter saúde com vacina, música e a natureza preservada.”
A senhora Dulce se senta no banco. E, de repente, o Universo Invisível tem uma soprano cantando uma música que parece um hino:
Céu de Itanhaém
Pontilhado de estrelas
Vislumbra o Cruzeiro do Sul, bem acima da janela
A lua que nasce reflete no rio e nos faz sonhar
O inesperado da canção ecoando no espaço logo junta os visitantes ao redor de dona Dulce. “Opa, não senti que estava cantando alto.” O vigia questiona de quem é a música. E ela responde com orgulho: “É minha. Fiz para a minha cidade.”
Se o artista Paulo Nenflídio estivesse por ali, na tarde de domingo passado, dia 21, ficaria satisfeito por ver o que a sua arte pode propiciar.
A exposição Universo Invisível, de Paulo Nenflídio, com curadoria de Helouise Costa, está em cartaz até 23 de maio, de terça-feira a domingo, das 10 às 21 horas, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Ibirapuera, em São Paulo). Entrada grátis. É preciso agendar a visita antecipadamente por este site. Mais informações estão disponíveis no site do MAC.
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