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O professor Boris Kossoy e seu novo livro – Foto: Montagem Jornal da USP sobre fotos de Ateliê Editorial/Arquivo pessoal
Livro O Encanto de Narciso explora o universo da fotografia
O professor da USP Boris Kossoy lança obra com reflexões sobre o desafio de viver sob o mundo das imagens
14/08/2020
Por Leila Kiyomura
“Sigo aqui com uma antiga sedução que é a de tentar compreender o mundo, a memória e a história através das imagens. E, também, a outra face dessa sedução: a de tentar compreender o mundo das imagens em si mesmo, em seus códigos, mistérios e ficções. E, naturalmente, em sua história.” (Boris Kossoy, O Encanto de Narciso)
O percurso e a inquietude de um pesquisador e artista apaixonado pela fotografia estão em O Encanto de Narciso – Reflexões sobre a Fotografia, o novo livro de Boris Kossoy. As lições e reflexões do professor que leciona há mais de quatro décadas na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP também estão reunidas nesse lançamento da Ateliê Editorial.
O professor Boris Kossoy, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP – Foto: Arquivo pessoal
“Os conceitos e reflexões foram escritos de pouco em pouco, entre 2010 e 2018. São percepções e formulações que se articulam em torno das diferentes vertentes teóricas que tenho investigado nos últimos anos”, explica Kossoy. “E que sintetizo em seis capítulos: O Sistema e a Essência, Produção e Recepção, A Desmontagem do Constructo, Fotografia e Memória, História da Fotografia e Outras Dimensões da Fotografia.”
Os textos que integram esses capítulos são breves. Alguns, têm apenas um parágrafo e são divididos por temas. “Esses escritos foram pensados sintéticos na sua forma, daí a economia de palavras. Aqui, teoria, história, memória, cultura visual, estética, ficção e poética se entrelaçam numa trama inextricável, refletem meu percurso também como criador de imagens”, justifica o professor.
O leitor tem a liberdade de folhear o livro sem uma leitura linear. Porém, percebe que os temas interagem, se conectam e se completam.
Em suas reflexões, Kossoy conta a história, a poética e a importância da fotografia na sociedade contemporânea. “Quanto mais mergulhamos no estudo das imagens fotográficas, mais nos surpreendemos com o quanto somos dependentes delas. A incursão através do universo teórico da fotografia tem se constituído num fascinante desafio, interminável, é verdade, mas, por isso mesmo, sempre motivador.”
“A ‘leitura’ da imagem fotográfica é um equívoco, porque não ‘lemos’ uma foto, apenas a apreciamos no geral, estacionamos o olhar em um ou outro detalhe.”
Trilhar o caminho do pensamento de Kossoy é explorar um universo de questionamentos sobre a natureza da fotografia e das imagens que nos cercam. Em um dos breves textos, o professor observa que a leitura das fotografias pressupõe um alfabeto visual onde não existem letras, palavras, vocábulos. E conclui: “A ‘leitura’ da imagem fotográfica é um equívoco, porque não ‘lemos’ uma foto, apenas a apreciamos no geral, estacionamos o olhar em um ou outro detalhe que nos chama a atenção, observamos o todo várias vezes, reconhecemos, ou não, certos elementos de seu conteúdo; imaginamos, reagimos de uma forma ou de outra diante da estética que a conforma ou do tipo de informação que nos transmite e, por fim, realizamos em nossa mente uma interpretação que nos é possível, repertório individual de seu conteúdo”.
Em outro capítulo, Kossoy afirma que “toda fotografia é autoral por natureza, registrada e elaborada segundo a forma pessoal de determinado fotógrafo ver, perceber e conceber o mundo”. Ressalta: “Seja profissionalmente, a serviço de um contratante, seja com o intuito de capturar cenas do seu entorno ou de suas predileções temáticas, estéticas ou poéticas, com ou sem uma finalidade especificamente utilitária, a fotografia é sempre resultado de um processo de criação/construção individual e intransferível”.
Capa do livro O Encanto de Narciso – Reflexões sobre a Fotografia, do professor Boris Kossoy, lançado pela Ateliê Editorial – Foto: Divulgação/Ateliê Editorial
O real e o imaginário é outra reflexão pontual na fotografia. Kossoy destaca: “Observamos e compreendemos o objeto na vida real, e sua imagem, no plano do retângulo, a partir do nosso imaginário, da nossa experiência. A interpretação das coisas do mundo e do mundo das imagens se faz diferentemente em cada um de nós. Guardamos em nosso caleidoscópio pessoal o inventário da nossa experiência, patrimônio emocional e cultural acumulado ao longo da vida, que nos faz ser o que somos. É a bagagem imaterial a nutrir nosso imaginário a cada dia”.
“O fim e o começo se encontram. Penso nas selfies e me vem à mente o mito de Narciso, encantado com a sua própria imagem refletida na água."
Sobre o olhar e o repertório do observador, Kossoy sintetiza: “Às vezes levamos muito tempo para ver os detalhes de uma foto. Muitas vezes não vemos tudo o que nela está gravado. Ou então vemos e não compreendemos exatamente o que significam. Outros ainda olham para as imagens e não veem nada. Além disso, as imagens provocam nos espectadores diferentes sensações. Depende sempre de quem recebe o estímulo visual. Lembra Bergson: ‘O olho vê somente o que a mente está preparada para compreender’”.
O último texto justifica o título do livro, O Encanto de Narciso. O autor assinala: “O fim e o começo se encontram. Penso nas selfies e me vem à mente o mito de Narciso, encantado com a sua própria imagem refletida na água. Foi quando tudo começou. Constato que essa autoadoração permaneceu contida ao longo da história até o momento em que a tecnologia proporcionou e uma nova mentalidade incentivou a possibilidade que hoje existe de se mostrar a si mesmo e ao mundo incessantemente. Importa é exibir em rede momentos íntimos de felicidade verdadeira, ou não, para que todos saibam e comentem on-line alguma inutilidade. Narciso guardou sua imagem para si mesmo até a morte, sucumbiu adorando seu reflexo na água. Desapareceram assim Narciso e o seu reflexo”.
O Encanto de Narciso – Reflexões sobre a Fotografia, de Boris Kossoy, 240 páginas, Ateliê Editorial, R$ 68,00.
SAIBA MAIS
Assista no link abaixo ao vídeo A Trajetória de Boris Kossoy, produzido pela TV USP.
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.