Dez anos. Dez edições. Leituras entre narrativas que libertam, estimulam a reflexão e o pensamento crítico. Livro, revista do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição (Nele), é publicada pela Ateliê Editorial. Em sua nova edição dupla — números 9 e 10 em um único volume — e com 628 páginas, a publicação leva o leitor às Vozes dos Altos Ramos, de Antonio Hélio Cabral — texto que abre a edição — até as contribuições literárias Todas as Palavras, de Marcelino Freire, e o Poder e a Paz, de José de Paula Ramos Jr. Oferece em cada texto um caminho para sair e voltar com novos ares para a realidade. O lançamento será no próximo dia 18 de dezembro (sábado), das 11h às 14 horas, na Livraria Martins Fontes Paulista.
Como bem argumentam os editores Marisa Midori Deaecto e Plinio Martins Filho, professores da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP), os tempos são tenebrosos e demandam muita sabedoria. “É preciso, portanto, celebrar a sabedoria dos livros que se materializam nos desvãos da memória, cujos sons produzem ecos na imaginação, como sugere Hélio Cabral; os livros difíceis, que se concretizam a duras penas, em ambientes de cultura rarefeita, segundo as lembranças pungentes de Luiz Ruffato e de Miguel Sanches Neto; os livros que desbravam o sertão na narrativa épica de Walnice Nogueira Galvão…”
A revista Livro está dividida em seções como “E por falar em leitura…”, “Leituras”, “Dossiê – Editores e Edições”, “Acervo”, “Almanaque”, “Memória”, “Bibliomania”, “Estante Editorial”, “ Debate” e “Letra e Arte”. Neste lançamento comemorativo da revista participam nomes como Ana Mae Barbosa, Antonio Hélio Cabral, Carlos Guilherme Mota, Carlos Nejar, Claudio Giordano, Gustavo Piqueira, Luiz Ruffato e Marco Lucchesi, entre muitos outros.
“Ao redor de Rosa, roda uma grande roda, roda de Titãs e Olímpicos: Machado, Euclides, Barreto, Mário de Andrade, Graciliano, Clarice…”
Em Vozes de Altos Ramos, Antonio Hélio Cabral comenta: “Sonho cair do mais alto galho do jambeiro, árvore de minha infância, caio em pé e descalço…”. Nessa queda, o autor sugere o vagar pelos portais da leitura. “Ao redor de Rosa, roda uma grande roda, roda de Titãs e Olímpicos: Machado, Euclides, Barreto, Mário de Andrade, Graciliano, Clarice, Lúcio Cardoso, Gregório, Cruz e Souza, Augusto dos Anjos, Bandeira. Drummond, Cecília, João Cabral, Hilda, Mário Faustino… rodas gigantes”, observa.
O texto de Carlos Nejar, dedicado a “Plinio Martins, poeta do livro”, dá o título da seção “E por falar em leitura…”. Na primeira frase, assevera: “A leitura não é só um exercício de liberdade – porque ler é deixar sem barreiras o espírito ou lindes no pensamento. Mas é também forma de, estando na palavra, estar com todos.”
A seção “Leituras” reúne textos diversos. O leitor pode optar pelo assunto que mais interessa, mas cada um deles reserva um aprendizado, como A formação das bibliotecas científicas na Hungria dos primórdios da Era Moderna, de István Monok, ou Os mistérios de Paris em Buenos Aires, de Hernán Pas. Não tem como caminhar pelas folhas de Livro sem ler os artigos de Fernando Paixão contando sobre o Rio de Janeiro e os primórdios literários e Ubiratan Machado lembrando Escritores estrangeiros no Brasil durante o Romantismo.
“Salvamos o que restava dele, como se fosse seu último enterro. Eu ainda não havia descoberto que nunca se acaba de enterrar um mestre.”
As mortes de Wilson Martins, artigo de Miguel Sanches Neto, está em “Acervo”. É o único texto desta seção. O escritor e professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa relata a morte do amigo e mestre, um dos grandes críticos literários que o País teve. E o seu vazio diante do último silêncio: “Ao não o encontrar, senti vontade de abandonar o que sobrara ao destino incerto que parentes dão a livros e outras quinquilharias. Mas a condição de discípulo, que aumenta depois da morte do mestre, não me deixou fazer isso. Salvamos o que restava dele, como se fosse seu último enterro. Eu ainda não havia descoberto que nunca se acaba de enterrar um mestre”.
O professor conta a sua história e a do crítico literário Wilson Martins. Uma narrativa tecida com a delicadeza da amizade. “Wilson não teve infância e sempre viveu longe das crianças. Embora gostasse delas – o que era visível pela forma como tratou minha filha – temia o olhar cruel próprio dessa idade.” Observa: “Caminhar pelas palavras é mais difícil do que sobre pedras ou em piso escorregadio. E ele caminhou tanto, por décadas, que todos podiam acusá-lo do que bem entendessem, menos de que não teve força de vontade para cruzar esses milhares e milhares de livros”.
“Massao Ohno era um grande editor, daqueles que pensavam um livro da capa à última página, que viam o trabalho de um autor e não se furtavam em publicá-lo.”
Em “Bibliomania”, o leitor caminha por diversos textos. O escritor, jornalista e editor de Cultura do Jornal da USP, Marcello Rollemberg, faz uma homenagem merecida a Massao Ohno, que define como poeta-editor. Cita uma passagem curiosa quando o jornalista e professor Gutemberg Medeiros questiona Ohno sobre a distribuição dos livros publicados, apesar de serem verdadeiras obras de arte. Medeiros observa: “A coisa mais difícil é encontrar um livro seu.” E o editor responde com semblante tranquilo: “Isto é um equívoco que me persegue há anos. Nunca fui editor. Não sou editor, sou designer gráfico. Vivo disso. Há anos vejo ótimos poetas sem editora. Então eu publico para o poeta apresentar a sua produção impressa nas editoras.”
Rollemberg comenta que nessa resposta a Gutemberg Medeiros “há uma grande verdade e uma contradição”. Argumenta: “A verdade é que sim, Massao Ohno, que morreu em 2010, aos 74 anos, era um grande designer gráfico – seus belíssimos livros que o digam. E justamente aí está a contradição: porque, mais do que um talentoso designer, Massao era um grande editor, daqueles que pensavam um livro da capa à última página, que viam o trabalho de um autor e não se furtavam em publicá-lo.”
No artigo O editor e o livro essencial, Marisa Midori Deaecto, professora da Escola de Comunicações e Artes – ECA USP, inicia o texto com a consideração de Roberto Calasso, que compara o ofício do editor a de um barqueiro ou jardineiro. Calasso considera: “Tanto o barqueiro quanto o jardineiro aludem a algo que preexiste: um jardim ou um viajante a ser transportado. Todo escritor possui em si mesmo um jardim a ser cultivado ou um viajante a ser transportado”.
A Professora Emérita da ECA-USP, Ana Mae Barbosa, em seu artigo Leitura de imagens, na seção “Debate”, indaga: “O que seria de nós se não fosse a arte neste isolamento protetivo contra a pandemia de covid-19? Ouvir música, ver filmes e vídeos, programas de humor, ler, tudo isto é a desprezada cultura que nos embala e cujo prazer depende muito da nossa capacidade de leitura e interpretação”.
Importante destacar que, nesta edição, a revista Livro apresenta as imagens de edições artesanais feitas por Flávia Ribeiro, selecionadas pela artista em conjunto com o curador Henrique P. Xavier. São livros e objetos de arte únicos que Flávia vem realizando desde o final da década de 1970.
Revista Livro, do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição (Nele), 2021. Edição que reúne os números 9 e 10, 628 páginas. Capa e imagens de Flávia Ribeiro. Preço: R$ 124,00 (R$ 62,00 no site da Ateliê Editorial).