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Exposição Tempos Fraturados, em cartaz no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Exposição de longa duração dá início às comemorações pelos 60 anos do MAC
Com cerca de 300 obras do acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP, mostra faz refletir sobre a trajetória da arte nos séculos 20 e 21
Tempos Fraturados é o nome da exposição que dá início às comemorações dos 60 anos do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. Iniciada em 18 de março de 2023, a mostra de longa duração ficará em cartaz durante cinco anos, no sexto e no sétimo andar do museu, e apresenta cerca de 300 obras selecionadas do seu acervo permanente, formado ao longo de seis décadas.
Concebida por seis curadores, Tempos Fraturados proporciona um local de debate sobre questões pertinentes levantadas ao longo dos séculos 20 e 21. A professora e vice-diretora do MAC Marta Borgéa, com as equipes de trabalho de conservação, montagem, manutenção, produção e design do museu, construiu um mobiliário expositivo especial para a exposição.
A implementação de bancos redondos dispostos pelos dois andares é uma inovação pensada para a mostra. “Esses bancos redondos são muito apropriados para espaços de discussão, debate, conversa, receber público, receber grupos para discutir a exposição”, diz a professora Ana Magalhães, diretora do MAC e curadora da mostra.
A exposição se divide em três eixos. No primeiro deles, que trata da institucionalização do museu, são expostas as 13 obras doadas pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos Nelson Rockefeller. O conjunto foi cedido pelo estadunidense em 1946, como incentivo à criação de museus de arte moderna em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Em 1963, as 13 obras foram transferidas do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) para a USP, tornando-se a coleção fundadora do MAC, criado naquele ano. Em Tempos Fraturados, pela primeira vez na história do museu, o conjunto doado por Rockefeller está sendo exposto integralmente e o visitante pode reconhecê-lo através das etiquetas pretas que identificam cada uma das 13 produções artísticas.
Ana conta que havia poucas informações a respeito de algumas dessas obras, embora já incitassem questões históricas e sociais. “Há o caso da presença de um artista estadunidense negro muito importante para o período do Modernismo de Nova York, que era o momento de afirmação dessa cultura negra moderna”, explica, citando como exemplo a obra The Lecture (1946), do pintor Jacob Lawrence. “Nunca tinha sido dada atenção a isso e, ao mesmo tempo, essa é uma obra que propõe muitas questões importantes sobre a diversidade cultural no mundo, as representações afro e as diásporas africanas nas Américas.”
Os demais eixos tratam da arte como experiência coletiva e como experiência subjetiva, levando em conta acontecimentos históricos ocorridos ao longo dos séculos 20 e 21. “A exposição se relaciona com o passado à medida em que trabalhamos com as obras da primeira metade do século 20 e as interpreta à luz dos problemas de hoje”, expõe a curadora.
É o caso de A Negra (1923), de Tarsila do Amaral. A pintura retrata uma mulher negra cujos traços fenotípicos estão repletos de estereótipos. Com o passar dos anos, a obra gerou críticas a seu respeito, sobretudo por ter sido confeccionada por uma mulher branca. Tempos Fraturados compartilha dessa reflexão ao expor, ao redor de A Negra, a arte produzida por artistas negros.
Os seis Emblemas (1989) do baiano Rubim Valentim, por exemplo, são uma forma de exaltar a cultura negra e a religiosidade africana. As serigrafias em cores sobre papel surgem como uma contestação ao trazerem a obra de um artista nascido no mesmo ano em que a Semana de Arte Moderna ocorreu, evento do qual Tarsila do Amaral foi uma das expoentes.
Tempos Fraturados
Os três eixos se entrelaçam em sete agrupamentos, indicados por textos dispostos nas paredes dos andares. São eles: Inconsciente (Não) Livre, Guerra fria, Resistência, Êxodo, Retrato, Apropriação e Violência.
A partir dessa divisão, Tempos Fraturados reflete sobre o passado e o presente ao olhar para a arte com apreço e, ao mesmo tempo, criticidade. O título é inspirado na obra homônima do britânico Eric Hobsbawm (1917-2012), que consiste em uma série de ensaios desenvolvida pelo historiador a partir dos anos 1990 e publicada um ano após a sua morte.
Em Tempos fraturados (2013), Hobsbawm se dedica a analisar e a compreender uma série de transformações políticas e sociais acontecidas desde a Revolução Francesa. Refletindo sobre o papel que a arte exerceu durante a história através do acervo do MAC, o grupo de seis curadores concebeu a exposição. “O título é muito sugestivo, porque nós estamos efetivamente vivendo esses tempos fraturados, em que temos que encontrar um consenso entre essas diferenças do mundo para poder sobreviver”, comenta Ana.
O espaço e o tempo
Logo ao entrar na exposição, no sexto andar, o visitante é arrebatado pela dimensão de Uma Confissão (1971), tela de 160 cmx200 cm de autoria do pintor paraibano João Câmara Filho. À sua frente, uma longa mesa se estende expondo objetos cortantes, que apresentam um aspecto enferrujado, de madeira descascada e outras marcas de uso e do tempo. Documents (2012) é um conjunto que apresenta ferramentas manuais datadas do século 18 ao 21 e foi reunido pelo artista mineiro Thiago Honório a partir de suas visitas a feiras de antiguidades, vendas de garagem e mercados de pulgas.
Mais à frente está a série Trágica (1947), composta de nove serigrafias do fluminense Flávio de Carvalho. Produzidas a partir do uso de carvão sobre papel, elas retratam o processo de morte da mãe do autor e testemunhado pelo próprio. Com linhas fluidas e borradas, é expressa a progressão, quadro a quadro, do esvaecimento da vida.
Com datas que variam entre 1988 e 2009, nove fotografias de Luiz Braga também fazem parte da exposição. Conhecido por registrar cenários amazônicos, Braga traz em sua obra uma diversidade de cores, paisagens e rostos brasileiros, de modo a valorizar o cotidiano e as belezas naturais do País. As fotografias expostas exaltam reflexos a partir de um jogo de luzes e movimentos e aproximam o visitante das obras, visto que este é capaz de “encarar” algumas das pessoas fotografadas.
A relação do público com o Brasil é fortificada ao longo de toda a exposição, e a obra Brasil Nativo Brasil Alienígena (1977) é um dos exemplos a contribuir nesse sentido. Separadas em duas colunas, 18 fotos são contrapostas, paradoxalmente, através das suas próprias similaridades. A artista Anna Bella Geiger coloca o público para refletir ao elaborar releituras de retratos do cotidiano da comunidade indígena Bororo, habitantes do Estado do Mato Grosso, fotografando a sua família e a si mesma.
A exposição de longa duração Tempos Fraturados está em cartaz de terça-feira a domingo, das 10 às 21 horas, no Museu de Arte Contemporânea (Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Ibirapuera, em São Paulo). Entrada gratuita. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 2648-0254 e no site do MAC.
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.