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Imagem cedida pelo pesquisador
Plantas em uma mesma região podem se comportar como se estivessem em “fusos horários diferentes”
O estudo com espécimes de cana-de-açúcar avança no entendimento do relógio biológico das plantas para aprimorar a produtividade agrícola
Pesquisadores descobriram que espécimes de cana-de-açúcar na mesma região podem se comportar como se estivessem em fusos horários diferentes. Na mesma lavoura, algumas plantas percebiam o amanhecer com até duas horas de atraso, e só então passavam a produzir açúcares por meio dos raios solares. Os dados de análise de expressão genética associados à posição das plantas na lavoura mostraram que as canas-de-açúcar “atrasadas” estavam situadas ao oeste da plantação e recebiam a luz solar mais tardiamente. Em distâncias de centímetros, plantas sombreadas pelas vizinhas também apresentaram atraso na percepção da passagem do tempo, o que sugere a capacidade de microambientes de interferir na fisiologia de cultivares.
O estudo faz parte de um projeto do Instituto de Química (IQ) da USP, coordenado pelo professor Carlos Hotta, que busca descrever as propriedades dos relógios biológicos de espécies de cana-de-açúcar, entender suas relações genéticas e comparar com dados agronômicos, para aplicar esse conhecimento na agricultura e aprimorar a produtividade agrícola.
“Fizemos uma revisão na literatura para ver como poderíamos usar o conhecimento sobre os relógios biológicos na agricultura. Compilamos evidências de que, ao se considerar os ritmos das plantas, podemos aumentar a produtividade, a sustentabilidade ou o valor agregado da nossa produção agrícola”, afirma Carlos Hotta em entrevista ao Jornal da USP sobre a revisão publicada no Journal of Experimental Botany. Os novos resultados do projeto foram publicados na revista New Phytologist e o artigo foi selecionado para capa da edição de novembro.
Como as plantas sabem que horas são?
Se para você é novidade que as plantas “veem” as horas, primeiro é preciso saber que elas também enxergam. Através de fotorreceptores – moléculas de pigmentos acopladas a proteínas, como os que possuímos na retina –, os vegetais são capazes de detectar luz pelas folhas e caules e gerar respostas fisiológicas a esse estímulo. A percepção da presença e do comprimento dos raios solares dá a esses organismos a condição da passagem do dia, o que interfere nas suas atividades metabólicas.
Imagem cedida pelo pesquisador
Esse mecanismo interno independente, regulado pela percepção de luz e capaz de coordenar as atividades do organismo a depender das horas é chamado de relógio biológico, ou ciclo circadiano, e está presente na maioria dos seres vivos. Nós humanos, por exemplo, quando enxergamos menos luz e passamos a ter sono, trata-se de um comando no nosso relógio interno de que é hora de dormir, dando ritmo a nós em sincronia com a rotação da Terra. Com as plantas, esse ritmo coordena a fotossíntese, por exemplo, a ponto de antecipar acontecimentos; elas prevêem o amanhecer e se prepararam para esse processo, que utiliza a energia luminosa para produzir açúcares vitais para a sua sobrevivência.
O relógio biológico é essencial para as plantas e, embora não se saiba exatamente como ele funciona, a periodicidade do mecanismo está relacionada à expressão gênica de proteínas, responsáveis por estimular genes diurnos ou noturnos do metabolismo vegetal. Entre os genes circadianos estão o LHY, que é transcrito ao amanhecer e diminui ao anoitecer, período este em que é expresso o TOC1, que retoma o ciclo. Estudos com a Arabidopsis thaliana, planta da família da couve e da mostarda, mostram que essa complexa rede de genes oscilantes pode influenciar na forma como a planta fixa carbono e utiliza água, alterando sua produtividade.
“Fizemos uma revisão na literatura para ver como poderíamos usar o conhecimento sobre os relógios biológicos na agricultura. Compilamos evidências de que, ao se considerar os ritmos das plantas, podemos aumentar a produtividade, a sustentabilidade ou o valor agregado da nossa produção agrícola”, afirma Carlos Hotta em entrevista ao Jornal da USP sobre a revisão publicada no Journal of Experimental Botany.
Com a cana-de-açúcar, experimentos mostraram que mais de 30% dos genes transcritos são regulados pelo ciclo circadiano. Isso motivou os pesquisadores a analisar geneticamente o relógio biológico da cana, também pela sua alta importância agronômica.
Plantas de um grupo com nove meses e outro mais jovem de quatro meses foram colhidas e analisadas a cada duas horas, durante 26 horas. Entre os resultados, o dado de destaque mostrou um atraso no pico de expressão do gene LHY e, consequentemente, de produção de metabólitos nas plantas mais velhas em relação às mais jovens. A hipótese era de que o autosombrenamento das plantas de nove meses gerava o atraso da detecção da luz do amanhecer.
Ao analisar a expressão dos genes das canas localizadas na parte leste da lavoura da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – Campus Araras, que recebe a luz solar antes da parte oeste, parte também analisada, foi constatado o atraso na expressão de LHY das plantas da parte oeste em comparação com as do leste.
“Um experimento interessante foi fazermos um muro no lado leste do canavial, o muro substituiu o sombreamento das plantas vizinhas e também atrasou o relógio biológico da cana-de-açúcar”, conta Hotta.
De acordo com o pesquisador, esses resultados sobre a diferença na percepção de tempo em plantas na mesma lavoura abrem espaço para técnicas de manipulação desses microambientes para mudar os ritmos das plantas. “Isso pode ajudar a promover ou inibir a floração, entender qual o melhor horário para irrigar as plantas, aplicar fertilizantes ou agrotóxicos, por exemplo. Abre-se a possibilidade de se usar menos recursos para crescer as plantas, aumentando a sustentabilidade ambiental e econômica das culturas ”, completa.
Carlos Hotta - Foto: Arquivo pessoal
O artigo foi publicado dia 21 de julho deste ano na revista New Phytologist e foi selecionado para capa da edição de novembro, com autoria de Luíza Dantas e Maíra Dourado e colaboração de Monalisa Carneiro, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); de Camila Caldana , da Max Planck Institute, e de Glaucia Souza, do IQ da USP. O projeto conta com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) e do Instituto Serrapilheira.
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