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Imigrante venezuelana - Foto: Ricardo Roger - gov.br/cidadania
Pesquisa da USP investiga o perfil das mães imigrantes residentes no município de São Paulo
De 2012 a 2017, foram registrados quase 1 milhão de nascidos vivos no município; perfil de angolanas e bolivianas difere das outras nacionalidades
Analisar se existem diferenças na gestação, no parto e no perfil de nascidos vivos (NV) de mães imigrantes residentes no município de São Paulo foi o objetivo principal de Érica Karoline Ferreira em sua dissertação de mestrado realizada na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. Sob orientação de Zilda Pereira da Silva, professora do Departamento de Epidemiologia da FSP, a obstetriz fez um estudo transversal a partir de dados do Sistema de Informação dos Nascidos Vivos (Sinasc).
Érica investigou, ainda, a evolução de NV de 11 nacionalidades, e cinco delas (boliviana, chinesa, paraguaia, angolana e peruana) foram comparadas à brasileira.
No período estudado (2012 a 2017), houve 998.203 registros de nascidos vivos no município de São Paulo, e 3% eram filhos de mães imigrantes. Não houve diferença entre a idade média nos dois grupos.
Os resultados mostraram que as mães vindas de outros países tinham nenhuma ou baixa escolaridade (24%), um companheiro (57%), eram multíparas – mulheres já pariram antes – (65%), com uma ou mais gestações anteriores (66%). O parto mais frequente entre elas foi o vaginal (66%), com início tardio do pré-natal (7º mês em diante, 7%). Além disso, compareceram em três ou menos consultas médicas (12%) durante o período gestacional.
Entre as brasileiras, 13% eram mães adolescentes, 18% tinham idade igual ou maior a 35 anos, com ensino superior completo ou incompleto (28%), raça/cor branca (51%). 53% delas tiveram parto cesáreo, 77% tiveram sete ou mais consultas de pré-natal, com início precoce (83%), filhos com baixo peso ao nascer (10%) e pré-termo (menos de 37 semanas, 11%).
Se separarmos por nacionalidade, destaca-se uma maior proporção de adolescentes nas bolivianas, paraguaias e brasileiras (todas com 13%).
Entre as mães angolanas, 37% possuíam ensino superior completo/incompleto, 78% delas eram multíparas e 33% tiveram uma ou mais perdas fetais e início tardio de pré-natal (12%), além de realizarem três ou menos consultas gestacionais (18%). Do total de bebês nascidos vivos, 16% eram pré-termo (menos de 37 semanas) e com baixo peso (15%).
As bolivianas tiveram maior proporção de parto vaginal (77%) e domiciliar (1,6%), como também uma maior quantidade de filhos nascidos depois de 42 semanas de gestação (pós-termo) e com macrossomia fetal (peso ao nascer entre 4.000 e 4.500 gramas, considerado um fator de risco para algumas complicações, como distocia de ombro, trauma durante o parto e lesões no recém-nascido, 14%).
Zilda disse ao Jornal da USP que esse é o primeiro trabalho a quantificar diversas variantes de uma população ao mesmo tempo. “Olhamos para o município de São Paulo com mais profundidade, dimensionando todas as nacionalidades e estudando mais a fundo cinco delas.”
São Paulo como universo de estudo
Para a pesquisa, Érica utilizou dados sobre nascidos vivos no município, entre 2012 e 2017, disponíveis no Sistema de Informação dos Nascidos Vivos (Sinasc). A obstetriz escolheu estudar São Paulo por ser uma das regiões que mais recebem imigrantes no Brasil. Além disso, o município aprovou, em 2016, a Lei nº 16.478, que garante o direito de imigrantes e refugiados à educação, aos serviços sociais e aos serviços públicos de saúde.
A obstetriz trabalha em um hospital público em São Paulo e, em sua rotina, atende mães de diferentes nacionalidades. “Percebo o quanto a língua é uma barreira para nos comunicarmos”, explica Érica. “Vejo a preocupação nos olhos delas no momento do parto”.
A população de estudo foi composta de 998.205 NV, sendo 30.284 de mães imigrantes (3%). O grupo de brasileiras era formado por 967.921 mães.
Das 136 nacionalidades encontradas no banco de dados, 11 delas (que representavam, pelo menos, 1% do total de nascidos vivos no período) foram analisadas com mais profundidade. E desse grupo menor, cinco foram escolhidas para as investigações de diferenças, a partir da ocorrência de mais de mil casos de NV entre 2012 e 2017.
“Fizemos um exercício inicial de olhar imigrantes e brasileiras, mas, quando juntamos todas elas, misturamos contextos muito diferentes, que começam desde o país de origem, a situação desses imigrantes, o percurso para chegarem até aqui, como são inseridos na sociedade, enfim, cada nacionalidade tem a sua particularidade”, relata Zilda.
“Foram vários meses criando novas variáveis, corrigindo, gerando resultados, até chegarmos às análises e discussão dos resultados”, conta Érica. “Tínhamos muita informação.”
As análises mostraram que, dos 30.284 NV de mães imigrantes, 53% são de bolivianas, seguidas pelas chinesas (15%), paraguaias (4%) e peruanas (3%).
Imigrante boliviana - Foto: Reprodução/Flickr
Os filhos de mães angolanas e haitianas registraram um aumento importante no período, variando de 2% em 2012 para 6% em 2017, e de 0,4% em 2012 para 6%, respectivamente.
Os nascidos vivos de mães nigerianas também aumentaram. Foram de 0,7% em 2012 para 1,4% em 2017. O mesmo aconteceu com as sírias: em 2012, representavam 0,1% do total de mães imigrantes no município e em 2017, já eram 2%.
Os NV de mães argentinas, libanesas, sul-coreanas registraram diminuição, tanto no número absoluto quanto na proporção.
Mais detalhes
A idade média das mães foi de 28 anos, tanto para as mães imigrantes quanto para as brasileiras. Enquanto as mães nascidas no Brasil se concentram entre cor branca (51%) e parda (41%), as mães imigrantes se concentram entre cor branca (37%), parda (26%), amarela (15%) e indígena (13%).
Quando separadas por faixa etária, houve um predomínio de nascidos vivos de mães na faixa dos 20 aos 34 anos, sendo que o pico de nascimento entre as imigrantes ocorre entre 20 e 29 anos, e entre as brasileiras, dos 25 aos 34 anos. É notável também um maior porcentual de mães adolescentes entre as brasileiras quando comparadas às imigrantes (13% e 8%, respectivamente).
As brasileiras também apresentaram um porcentual maior de mães com mais de 35 anos (18%), ante 15% das imigrantes.
Em relação à escolaridade, nos dois grupos foi observado que mais de 50% das mães possuem ensino médio completo, mas o porcentual de imigrantes com nenhuma escolaridade ou apenas com o ensino fundamental foi maior do que entre as mães brasileiras. As mães do País apresentaram, ainda, um maior índice de ensino superior (28% contra 22%, respectivamente).
O parto vaginal foi mais frequente nas mães imigrantes (66%). “O SUS tem se preocupado, ao longo dos anos, em quebrar barreiras, contratando agentes comunitários de saúde que falam a língua e que têm um contato maior com a comunidade, por exemplo”, destaca Zilda.
Ainda sobre o tipo de parto, a cesárea é a forma mais comum de nascimentos no País, com índices que chegam a 57% – no setor privado esse número é ainda maior: 85%.
Imigrante venezuelana - Foto: .gov.br/cidadania
As brasileiras tiveram acesso a um maior número de consultas de pré-natal, sendo que 77% delas realizaram sete ou mais consultas. Já entre as mães imigrantes, 11,6% delas realizaram menos de quatro consultas de pré-natal.
O estudo também mostrou que os maiores porcentuais de recém-nascidos pré-termo, baixo peso ao nascer e Apgar menor que 7, tanto no primeiro quanto no quinto minuto de vida, estão entre as brasileiras. O escore de Apgar (também conhecido como índice de Apgar ou escala de Apgar) é um teste que avalia cinco sinais objetivos do recém-nascido no primeiro e no quinto minutos de vida. “Consequência da alta taxa de cesáreas realizadas no Brasil”, relata Érica. “Os partos são agendados e, muitas vezes, as crianças ainda não estão prontas para nascer.”
Os partos hospitalares de imigrantes foram mais numerosos em hospitais da rede SUS (56%), sendo mais frequentes entre as bolivianas e paraguaias. Já as mães chinesas utilizam mais a rede mista. “A barreira linguística e a falta de conhecimento sobre o direito de serem atendidas pelo SUS, por exemplo, ajudam a aumentar as estatísticas”, diz Zilda.
Particularidades
De todas as nacionalidades estudadas, 11 apresentaram mais que 1% do total de nascidos vivos e apenas cinco delas tiveram mais de mil casos em todo o período estudado.
As mães bolivianas se destacam, com cerca de 50% de nascimentos entre 2012 e 2015, reduzindo-se para 45% em 2016. As chinesas ficaram em segundo lugar em todos os anos. Houve, ainda, um aumento dos nascimentos de filhos de angolanas a partir de 2016.
Ao analisar raça/cor das mães, notou-se que a maioria das brasileiras (51%) e paraguaias (65%) é branca, seguidas pelas pardas (41% e 29%, respectivamente). Entre as bolivianas, a maior parte se declarou branca (35%) e parda (39%) e 29%, indígenas.
Chinesas são 97% da raça/cor amarela, 91% das angolanas são pretas e 53% são pardas.
Entre as mães angolanas, as pesquisadoras observaram um perfil bem diferente das outras nacionalidades. Houve um maior número de gestantes com 35 anos ou mais e menor frequência de gravidez na adolescência.
As angolanas também possuem maior paridade (78%), maior número de gestações anteriores (78%) e um alto número de perdas fetais e aborto (33%). A frequência de cesáreas está muito próxima à das brasileiras (53%), assim como o início do pré-natal, realizado mais tardiamente. “Um fato que me chamou muito a atenção foi ter observado um alto índice de gestações múltiplas (gemelares e trigemelares) entre elas”, diz Érica.
Ainda segundo Érica, estudos anteriores relatam existir uma espécie de “turismo médico” entra as angolanas. A reprodução assistida não é ofertada no país e muitas vêm ao Brasil à procura desse serviço. “Na minha rotina, atendo muitas mulheres que relatam terem feito o procedimento em clínicas particulares e, devido aos altos gastos, buscam o SUS para realizar o parto.”
As bolivianas merecem um estudo mais aprofundado, o que será feito pela obstetriz no doutorado. “Nascem muitas crianças com macrossomia fetal, por isso, quero investigá-las para entender por que isso acontece.” “Elas são maravilhosas! Fazem tudo para terem parto normal.” E, de fato, as análises mostraram que mais de 75% delas escolhem essa via de nascimento.
Estatísticas
Segundo o relatório internacional International Migration 2020 Highlights, elaborado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (UN DESA, em inglês), existem hoje 281 milhões de pessoas que vivem fora do seu país de nascimento ou de cidadania. Estima-se também que metade desse número seja de mulheres.
Dados divulgados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em dezembro de 2021 mostram que existem hoje no Brasil 1,3 milhão de imigrantes. De 2011 a 2020, os maiores fluxos foram da Venezuela, Haiti, Bolívia, Colômbia e Estados Unidos. O número de novos refugiados reconhecidos anualmente no País também aumentou: de 86, em 2011, para 26,5 mil em 2020.
Já na cidade de São Paulo vivem cerca de 293 mil imigrantes internacionais, de acordo com a Polícia Federal. A maioria desta população é composta de bolivianos, chineses e haitianos.
Um artigo, com mais detalhes do estudo, foi publicado em maio de 2022 no Journal of Migration and Health.
Mais informações: e-mail erica.k.f@hotmail.com, com Érica Karoline Ferreira; e-mail zildapereira@usp.br, com Zilda Pereira da Silva
Texto atualizado em 25/05 às 11h10
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