O distanciamento social e a paralisação de algumas atividades alteraram drasticamente a rotina de trabalho de médicos especialistas no Brasil. Em abril, quando alguns Estados brasileiros passavam pelo auge da pandemia, uma pesquisa envolvendo profissionais de todo o País mostrou os impactos do surto em suas práticas clínicas. Nesse período, 40% dos urologistas precisaram se adequar à modalidade da telemedicina; houve redução nas consultas e nas cirurgias eletivas (sem urgência); tiveram perda acentuada nos rendimentos e piora nos parâmetros de saúde e vida pessoal.
Embora tenha sido feita apenas com urologistas, a pesquisa acaba retratando a realidade de outras especialidades médicas que não atuam na linha de frente do combate à doença, relata um dos coordenadores da pesquisa, Cristiano Mendes Gomes, professor de Urologia da Faculdade de Medicina (FM) da USP e diretor do Departamento de Disfunções Miccionais da Sociedade Brasileira de Urologia. Em abril, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco eram os Estados que possuíam os maiores índices da covid-19; Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Santa Catarina estavam com menores índices.
A pesquisa contou com a participação de 766 urologistas que responderam questionário com 39 perguntas, enviado via internet. Da situação de vínculos empregatícios desses profissionais, o estudo mostrou que 61,2% estavam trabalhando como autônomos em clínicas privadas, 14,6% eram empregados do setor público e 14,1% empregados de clínicas ou hospitais do setor privado.
Segundo a pesquisa, o impacto maior na prática clínica dos médicos foi observado nos Estados onde havia maior incidência de infectados o que, para Cristiano Gomes, já era esperado. De um modo em geral, 54% dos entrevistados relataram que houve redução da renda igual ou maior que 50%; as consultas por vídeo foram realizadas por 38,7% e a grande maioria teve redução de, pelo menos, 75% das cirurgias eletivas. Do expediente de oito horas diárias, mais da metade reduziu a carga horária de trabalho para menos de quatro horas.
Gomes lembra que o atendimento médico por telemedicina, aprovado temporariamente pelo Ministério da Saúde, foi em março (Portaria 467) mas, em abril, cerca de 38,7% dos profissionais de urologia já recorriam aos meios tecnológicos para realizar consultas a distância. Nos Estados onde havia maior incidência da covid-19 e se houvesse a necessidade de fazer exames físicos em pacientes, excepcionalmente, os profissionais faziam consultas presenciais. Nas consultas a distância, as receitas e as solicitações de exames eram enviadas por aplicativos de mensagens.
Na compilação dos dados, uma situação chamou a atenção dos pesquisadores: até a última semana de abril, cerca de 13% dos urologistas tinham sido acometidos pela covid-19. Desses, 33% necessitaram de internação porque a doença havia se manifestado de forma grave. Os pesquisadores acreditam que essas taxas elevadas se devam ao fato da maior exposição associada ao exercício da profissão.
Sono, bebida alcoólica e sexo
Por fim, o estudo verificou também questões ligadas ao comportamento, à saúde e estilo de vida dos profissionais. Em relação à prática de atividades físicas, mais da metade disse ter reduzido a quantidade de exercícios físicos e 32,9% disseram ter ganhado peso. Quanto ao consumo de bebidas alcoólicas, 40% relataram ter aumentado a ingestão de bebidas na quarentena. Sobre a vida sexual, a maioria disse que não houve alteração, porém, mais de um terço (35%) disse ter reduzido a atividade sexual durante a pandemia.
Os resultados desse trabalho foram tema do artigo Impact of covid-19 on clinical practice, income, health and lifestyle behavior of brazilian urologists, publicado na revista International Brazilian Journal of Urology, tendo o doutor Cristiano Mendes Gomes como primeiro autor.
Mais informações: e-mail crismgomes@uol.com.br, com o professor Cristiano Mendes Gomes