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Enchentes recorrentes diminuem qualidade de vida urbana em Franco da Rocha
A partir dos indicadores de qualidade ambiental, educação e índice socioeconômico, pesquisa da USP analisou problemas que afetam o bem-estar dos moradores
Inundação em Franco da Rocha em janeiro de 2022 - Foto: Reprodução/Prefeitura de Franco da Rocha
Acordar cedo, trocar de roupa e sair de casa para a aula da faculdade, mas no meio do trajeto ser impedido de chegar até o seu destino por causa de inundações na avenida principal. Durante a graduação na USP, esse foi o principal problema que atrapalhava Thiago Joca, ex-estudante de Geografia, de se deslocar de Franco da Rocha, sua cidade natal, até São Paulo, onde fica a unidade.
Os relatos do aluno sobre o motivo de não comparecer às aulas levaram Felipe André Dias, ex-colega de curso, a investigar o índice de qualidade de vida urbana dos moradores de Franco da Rocha. Em sua dissertação de mestrado, o pesquisador concluiu que, de todos os indicadores analisados, as inundações são as responsáveis por diminuir o índice: “Em números, a qualidade de vida de Franco da Rocha é de 0,7, sendo 0 para pior e 1 para melhor. Quando analisamos a questão das enchentes, vemos que elas puxam o índice para baixo.”
Felipe Dias define qualidade de vida como “o que a cidade oferece para a manutenção das necessidades básicas da vida do ser humano”. Para seu estudo, o pesquisador analisou apenas dados objetivos a partir de três indicadores: qualidade ambiental, educação e índice socioeconômico. “A maioria dos geógrafos, quando vão estudar o conceito, constata esses indicadores como os mais importantes para mensurarmos a qualidade de vida.”
O primeiro indicador, qualidade ambiental, analisou o saneamento básico da cidade; o fornecimento de energia elétrica; as áreas vegetadas espalhadas pelo município e a questão das inundações e enchentes.
De todos, as enchentes são a principal problemática natural que afeta o município. O segundo indicador, educação, revelou que não há uma alfabetização plena das crianças, nem boa escolarização dos responsáveis. Já o socioeconômico mostrou que há uma grande desigualdade salarial entre os habitantes.
O geógrafo destaca que, se não fosse pelas enchentes, a qualidade de vida dos moradores de Franco da Rocha seria classificada como boa. “Mas considerando elas, a qualidade de vida da cidade é de média para baixo.” Ele ressalta que esse valor médio é encontrado apenas no centro da cidade. Conforme se distancia para os bairros periféricos, a qualidade de vida diminui, uma vez que, além das enchentes, há uma falta de serviços essenciais, concentrados, em sua maioria, no centro urbano.
Motivo das enchentes
A cidade de Franco da Rocha está situada no curso do Rio Juqueri, principal rio do município e causador da maioria das enchentes. “A vazão média do rio é de aproximadamente 4,3 metros cúbicos de água por segundo, mas na época de verão, a vazão sobe para 20 metros cúbicos por segundo. O leito do rio não comporta esse volume de água e por isso temos constantes alagamentos no centro urbano.”
Apesar do rio alagar o centro da cidade, o pesquisador pontua que, ainda que de forma indireta, todos os habitantes são afetados pelas enchentes. “Mesmo que a pessoa more em um dos bairros periféricos, para sair de Franco da Rocha ela precisa passar pelo centro. Ele exerce uma forte influência sobre a organização da cidade”.
Manicômio
Para entender os problemas que acometem Franco da Rocha, Felipe Dias pesquisou sobre a história do município. “Não podemos pensar no espaço hoje se não entendermos como ele foi construído. E a construção da cidade de Franco da Rocha parte de dois fixos: o Hospital Psiquiátrico e a estação ferroviária de Juquery”, explica o geógrafo. A história de Franco da Rocha tem grande relação com a elite de São Paulo.
No século 19, a elite paulistana exigiu a construção do Manicômio de São Paulo no centro da cidade para abrigar qualquer tipo de pessoa que fosse considerada diferente. “Eles não queriam se misturar com pessoas que fossem diferentes culturalmente e houve um processo de higienização social. Muitas delas nem possuíam deficiência mental, às vezes pertenciam a outra classe social, eram homossexuais ou mulheres com depressão pós-parto.”
Com o passar do tempo, o Manicômio de São Paulo ficou pequeno para internar novos pacientes e o Dr. Francisco Franco da Rocha foi designado a abrir um novo hospital psiquiátrico: “Ele escolheu o local que hoje carrega o nome dele porque, além de ter a estação ferroviária Juquery, que conectava as cidades, o local também tinha recursos naturais, como água, e terra disponíveis”.
O Hospital Psiquiátrico Juquery foi inaugurado em 1898 e, além dos novos pacientes, o local passou a receber também os familiares: “Eles não queriam ficar distantes de seus parentes e começaram a construir casas ao redor do hospital. A partir daí, Franco da Rocha surge da segregação e até hoje é uma cidade segregada”.
A segregação também explica a falta de oferta de empregos na cidade. A maioria dos habitantes de Franco da Rocha trabalha na cidade de São Paulo e volta para o município apenas para dormir. “Franco da Rocha é também uma cidade-dormitório. Acontece que tivemos muitas periferias se desenvolvendo, só que a escola ou o emprego ainda não chegaram à região, porque a periferia se desenvolve muito mais rápido do que a velocidade da infraestrutura”, explica o pesquisador.
Importância do índice
O índice de qualidade de vida é um instrumento da geografia importante não só para avaliar o bem-estar da população, mas também para implementar novas políticas públicas no espaço. “Se analisamos o espaço e descobrimos que as inundações são o problema, não iremos investir dinheiro em outras áreas. Vamos resolver o problema das inundações para melhorar a qualidade de vida das pessoas. A população será a beneficiada.”
Durante sua pesquisa de campo, que começou em 2018, Felipe Dias conta que presenciou a prefeitura da cidade realizando obras no Rio Juqueri para conter as enchentes. “Eles fazem constantemente obras, mas é necessário um esforço mútuo.” Esse esforço, de acordo com o geógrafo, não é apenas da cidade, mas do Estado como um todo. “Se o problema está vindo da vazão da represa, é necessário investir em obras talvez no Sistema Cantareira. O Estado precisa ajudar, pois o município não dá conta sozinho”.
Além de auxiliar o governo a olhar para a realidade do município, o índice é uma forma de a população conhecer quais problemas acometem sua cidade e cobrar por melhorias.
*Por Lívia Lemos, da Assessoria de Comunicação da FFLCH
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