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Economistas estimam prejuízos causados pelo crime organizado a Manaus
Estudo da USP calculou uma perda média anual de 2% no PIB per capita na capital amazonense por conta da ação da Família do Norte, facção criminosa ligada ao tráfico
Insegurança política e social, além do redirecionamento de recursos públicos para combate ao crime são fatores para redução do PIB per capita
Fotomontagem: Jornal da USP – Fotos: BiZkettE1/Freepik, José Cruz/Agência Brasil e Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil teve 47,5 mil mortes violentas intencionais (MVIs) registradas em 2021, sendo o oitavo país mais letal do mundo naquele ano. As altas taxas de violência se concentram principalmente nas regiões Norte e Nordeste, que sofrem com a forte atividade de facções criminosas e a atuação do tráfico de drogas. O impacto dessa brutalidade, contudo, não fica restrito apenas à segurança da população e pode ser sentido em diferentes esferas sociais, como a economia.
Pesquisadores da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP analisaram esse tipo de consequência estudando o efeito das ações da organização criminosa Família do Norte (FDN) no Produto Interno Bruto (PIB) per capita de Manaus (AM). A investigação registrou uma redução cumulativa de 24,9% no PIB per capita causada pela atuação da FDN entre os anos de 1999 e 2020 – o que implica em uma perda média anual de 2%.
O PIB é calculado a partir da soma de todos os produtos e serviços produzidos em uma região específica ao longo de um determinado período. Por sua vez, o PIB per capita é determinado pela divisão do PIB pelo total de habitantes de uma localidade.
Para alcançar esse resultado, foi utilizado o método de controle sintético, que consiste em simular uma Manaus fictícia, sem a facção criminosa, a partir de dados de municípios que se assemelham economicamente à capital. Chamada de cidade contrafactual, é a partir dela que se torna possível realizar a comparação com os índices de Manaus e quantificar o impacto da FDN.
“Observamos que o PIB per capita da cidade contrafactual e de Manaus andam juntos até 2007. Porém, a partir dessa data se abre uma diferença que escancara as consequências negativas da facção – criada justamente em 2007”, explica Pedro Drugowick, economista da FEA ao Jornal da USP.
Pedro Drugowick – Foto: Arquivo Pessoal
Dentre os motivos por trás da redução no índice, o pesquisador destaca a insegurança política e social trazida pelo grupo, além do redirecionamento de recursos públicos para combate ao crime organizado. “Onde tem criminalidade, a produtividade dos funcionários é reduzida, o funcionamento do comércio é prejudicado e existe uma má alocação de recursos com a redução do orçamento de outros campos, como a educação”, coloca Drugowick. Esse cenário também acaba afastando possíveis capitais privados, que buscam segurança e estabilidade social para aplicarem seu dinheiro.
Dessa forma, além de ser responsável pelos altos índices de violência no município, a FDN coloca entraves para o desenvolvimento econômico de Manaus. Desde a criação da facção, a taxa de homicídios por mil habitantes na cidade registrou um aumento de 76% em menos de uma década, chegando a ocupar a 23ª posição na lista das cidades mais violentas do mundo em 2016.
Família do Norte
Manaus fica localizada em uma região-chave para o tráfico de drogas na América do Sul. Antes mesmo da FDN, a capital era considerada uma porta de entrada em meio a rota do mercado internacional de entorpecentes, que utilizavam o Rio Solimões para o transporte das drogas. Porém, foi com o surgimento da facção, em 2007, que o crime na região passou a ser mais organizado e, por consequência, intensificado.
Após terem contato com membros do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV), duas das maiores organizações criminosas do País, ocorreu uma estruturação da própria organização aos moldes de suas antecessoras. “A criação da Família do Norte se deu de uma maneira exógena: se as autoridades não tivessem mandado seus fundadores para as prisões federais, essa rede organizacional não teria sido estabelecida”, explica o economista.
O grupo passou a dominar o tráfico de drogas e o sistema prisional da região Norte. Em 2017, o número estimado de membros filiados à FDN era de 200 mil em todo o País. Já no ano de 2019, especialistas passaram a considerar a facção como extinta após brigas internas entre suas lideranças – que resultaram em mortes e chacinas dentro de presídios amazonenses.
Impactos econômicos
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve uma redução no índice de óbitos por violência no Brasil em 2022 – de 48,4 mil em 2021 para 47,5 mil vítimas no ano passado. Contudo, o País permanece classificado entre as 35 nações mais violentas do mundo, o que acarreta uma expressiva influência da dinâmica do crime organizado no dia a dia da população.
Paula Pereda - Foto: Arquivo Pessoal
Frente a isso, Paula Pereda, professora da FEA, destaca a falta de informações e pesquisas que investiguem os efeitos da criminalidade na economia. “Por levar uma atividade ilegal em conta, existem poucos levantamentos de dados sobre o assunto. Entender quais são os efeitos para a sociedade e compreender a maneira como o crime organizado afeta as decisões dos indivíduos é uma pergunta relevante e difícil de ser respondida”, diz.
Agora, a professora busca entender os motivos por trás do impacto da FDN nos indicadores econômicos e sociais de Manaus, para uma melhor compreensão da conjuntura da cidade. “A ascensão do grupo diminui a atividade econômica formal da região. O aumento da criminalidade, a saída de empresas e a redução de matrículas de alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio podem ser indicativos de que você tem menos incentivos à emergência do grupo em Manaus”, explica.
Os resultados da pesquisa foram publicados no artigo Crime and economic growth: A case study of Manaus, Brazil, disponível na revista Review of Development Economics.
Mais informações: e-mail drugowick.davi@gmail.com, com Pedro Drugowick; e-mail pereda@usp.br, com Paula Pereda.
*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz e Luiza Caires.
**Estagiária sob orientação de Moisés Dorado
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