Como se dá o acesso à saúde nos interiores remotos do Brasil?

Livro organizado por professora da USP apresenta resultados de extenso trabalho de campo sobre a saúde pública em municípios remotos, constantemente negligenciados

 09/09/2024 - Publicado há 2 meses

Texto: Pedro Morani

Arte: Simone Gomes

Capa do livro "Atenção Primária à Saúde em Municípios rurais remotos no Brasil". A capa é composta da descrição do título e uma esfera dividida em quatro partes mostram diferentes paisagens do Brasil em textura: solo de paisagem árida com solo rachado; ao lado, uma textura parecida com uma casca de árvore; plantas verdes; área semelhante ao ambiente marinho
Capa do livro: "Atenção primária à saúde em municípios rurais remotos no Brasil" - Foto: Divulgação - Amazon

Vencedor do 1º Prêmio Jabuti Acadêmico 2024, na categoria Enfermagem, Farmácia, Saúde Coletiva e Serviço Social, o livro Atenção Primária à Saúde em Municípios Rurais Remotos no Brasil mostra os resultados de pesquisas sobre assistência à saúde nas cidades classificadas pelo IBGE (2017) com baixa densidade populacional, longe de grandes centros urbanos e com as vias de acesso limitadas. Hoje, o País tem 323 municípios rurais remotos, como também são chamados, que no total abrigam aproximadamente 4 milhões de brasileiros.

As pesquisas buscaram compreender as particularidades dos contextos rurais remotos brasileiros a partir da Atenção Primária à Saúde (APS) e dos princípios básicos do Sistema Único de Saúde (SUS).  Estabelecer diferenças entre os municípios foi a chave da análise, verificando a lógica de inserção deles na dinâmica socioespacial brasileira, como eles se comportam social e economicamente dentro de suas regiões, o que levou os cientistas a criarem seis flechas ou clusters, visando a agrupá-los mesmo com suas diferenças.

A maioria dos locais fica nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Os clusters definidos incluem norte de Minas Gerais, que funcionalmente é quase como no Nordeste e o da região do Semiárido, a Matopiba – região de fronteira entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, famosa pela expansão do agronegócio.  Entre o Centro-Oeste e Roraima foi analisado um vetor com suas características específicas, que envolvem esse encontro entre o agro e a floresta. E na Amazônia, os municípios foram divididos em dois clusters, de acordo com a sua dinâmica, sendo mais ligados aos rios ou a estradas e projetos de expansão. Ficaram de fora da classificação apenas seis municípios do Rio Grande do Sul e alguns poucos do litoral maranhense, por não se encaixarem nas outras classificações e serem poucos para formarem outros clusters.

O trabalho de campo e a importância da obra

“Após essa organização, fizemos o estudo de campo. Fomos a 27 dessas cidades, tentando buscar aquelas que fossem parecidas dentro de seus clusters, mas que se diferenciam das outras, para realmente conseguirmos visualizar essas diferenças”, explica a organizadora da obra e professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP Aylene Bousquat. A pesquisa envolveu diversas instituições, além da USP, incluindo algumas universidades estaduais e federais de outros Estados e a Fiocruz. A principal ajuda em campo veio de organizações regionais que intermediaram as entrevistas com gestores e secretários de saúde, além de auxiliarem nas visitas às UBS, Unidades Básicas de Saúde.

Nesses locais, a equipe do estudo buscou entender de perto como funcionava a dinâmica da saúde dos municípios. Muitos deles possuem UBS sede, e ainda outras bases em distritos distantes, o “interior do interior”, chamado também de “interiores”. “Para você ter uma ideia, o município de Vila Bela (MT) tem uma uma unidade a 200 km de distância e o trajeto é feito por estrada de terra. E havia outros tantos em que era feito por barcos”, alerta Aylene Bousquat.

Seis autores do livro seguram o troféu do prêmio Jabuti, vestem traje social e estão sorrindo
Autores recebem o prêmio Jabuti Acadêmico - Foto: FSP/ USP

As entrevistas eram feitas em três linhas de cuidado: pré-natal, doenças crônicas e câncer de colo de útero. Para entender como era a trajetória desses usuários no sistema, também foram contatados agentes comunitários de saúde. “Então, produzimos vários artigos, mas não achamos suficiente. E o livro foi  pensado para ser uma síntese de tudo, terminando com uma matriz, uma proposta exitosa para a organização do SUS nesses munícipios”, afirma a professora.

Para ela, essa produção se faz necessária por voltar o olhar da academia para uma realidade constantemente invisibilizada pelas políticas públicas de modo geral. Entender esses mundos ajuda a pensar um sistema de saúde plural e que se adapta às necessidades de cada local.

Foto da professora Aylene Bousquat, uma mulher de cabelos e olhos castanhos, batom vermelho. Ela usa blusa cinza, um cachecol e está sorrindo
Aylene Bousquat - Foto: Reprodução/Youtube

 “Nós tivemos uma preocupação muito grande de devolver, fizemos vários seminários, oficinas com os gestores e com os profissionais. Não foi só uma produção acadêmica”, explica Aylene.

Mais informações sobre o livro em https://www.fsp.usp.br/site/noticias/mostra/54619

Mais informações: e-mail aylenebousquat@usp.br, com Aylene Bousquat.

*Estagiário sob orientação de Luiza Caires


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