Pesquisa analisa representação dos países periféricos na literatura sobre o movimento pelo ‘decrescimento’, concluindo que o Sul global tem pouco espaço no debate. Na imagem, stencil em inglês: “O único crescimento sustentável é o decrescimento” – Foto: Pixabay
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Durante o último mês de setembro, teve lugar em Bruxelas a Conferência Pós-crescimento 2018, organizada por membros do Parlamento Europeu para discutir alternativas ao atual sistema econômico. O encontro foi acompanhado pela publicação de uma carta aberta no jornal The Guardian, em que mais de 200 acadêmicos pediram à União Europeia que comece a “explorar as possibilidades de um futuro pós-crescimento”.
A conferência e a carta marcam um ponto alto do movimento chamado “decrescimento”, que vem ganhando popularidade nos últimos tempos. Surgido na França nos anos 1970, é um conjunto de ideias baseado na busca de modelos sociais e econômicos onde o bem-estar humano não esteja atrelado à necessidade permanente de crescimento, como no atual formato da economia capitalista.
Uma caraterística do decrescimento é que ele enquadra os grandes problemas da nossa época – como a poluição, o desenvolvimento ou a pobreza – dentro de uma perspectiva global. Apesar disso, a maioria da literatura acadêmica sobre o tema vem de países do chamado Norte global. Essa foi a primeira conclusão da dissertação do pesquisador Gabriel Trettel Silva, que durante o mestrado vasculhou a literatura sobre decrescimento para analisar como são representados nela os países do chamado Sul global (conjunto de países em desenvolvimento, que costumava ser designado por ‘terceiro mundo’). A pesquisa foi desenvolvida junto ao Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP.
“A discussão sobre o que [o decrescimento] significa para o Sul é muito pequena ainda”, Trettel afirmou. “O volume de informação sobre o Sul é muito pequeno comparado com o Norte.”
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Decrescimento não é recessão
É importante destacar que decrescimento não é o mesmo que recessão. No atual sistema econômico, a incapacidade de fazer crescer o produto interior bruto se traduz em um aumento do desemprego e em uma diminuição da renda das famílias, o que empurra muitas pessoas para a pobreza. Por isso, os defensores do decrescimento alertam que a solução não passa simplesmente por deixar de crescer de um dia para outro, mas por mudar o sistema de forma a desvincular crescimento econômico e prosperidade.
A solução não passa simplesmente por deixar de crescer de um dia para outro, mas por mudar o sistema de forma a desvincular crescimento econômico e prosperidade.
Mas o que isso significa no atual mundo globalizado? Em primeiro lugar, redistribuir a forma como os diferentes países aproveitam os recursos do planeta, o chamado “espaço ambiental”.
“Temos uma quantidade finita de recursos e o Norte ocupa de maneira desproporcional esse espaço”, explicou Trettel, notando que a forma de vida dos países do Norte tem um impacto ambiental muito alto. “O Norte deve reduzir o seu espaço para que o Sul o possa ocupar [um espaço maior].”
Por tanto, Trettel destaca que o movimento decrescentista não pede decrescimento para o Sul, mas para o Norte. Porém, isso não quer dizer que os autores acreditem que o Sul deva crescer da mesma forma que o Norte o fez, apelando ao consumo. Na verdade, eles são muito críticos ao atual modelo de crescimento do Sul, baseado na exportação para o Norte de produtos primários com pouco valor agregado, as chamadas commodities.
“A exportação de commodities não é vista pelo decrescimento como algo virtuoso cujo produto financeiro pode garantir o ‘desenvolvimento’ dos países exportadores, mas sim como um fenômeno […] que degrada os modos de vida e o ambiente do Sul”, Trettel escreve na dissertação.
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A sedução do crescimento
Um dos principais pontos levantados pelos decrescentistas é a insustentabilidade do atual modelo. De acordo com o Banco Mundial, para manter o atual estilo de vida da humanidade, em 2050 serão necessários três planetas Terra. Apesar disso, ainda são poucas as vozes que se opõem à lógica do crescimento.
“A narrativa do crescimento ainda nos seduz”, disse Sylmara Lopes, professora da Escola de Arte, Ciências e Humanidades da USP e orientadora de Trettel. A linha de pesquisa de Lopes trata sobre os problemas associados à lógica da produção e o consumo, como por exemplo a enorme produção de lixo nas nossas sociedades, outra das consequências do crescimento.
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Mas como seria uma sociedade em que a prosperidade das pessoas não dependesse do crescimento econômico? Para responder a esta pergunta, muitos decrescentistas se voltam para filosofias e tradições dos povos do Sul. Alguns exemplos seriam o Ubuntu, da África do Sul, e o Bem Viver, da América Latina, formas de convivência em que a acumulação de bens materiais não é vista como um fim, e que pregam uma forma mais respeitosa de conviver com o meio ambiente.
A ciência e a tecnologia também podem ter um papel importante nessa transição. Recuperando os ideais positivistas do século 19, muitos decrescentistas acreditam que a tecnologia poderia nos liberar do trabalho, deixando às pessoas mais tempo para outras atividades. Porém, Trettel adverte que para que isso aconteça a tecnologia deveria deixar de ser um instrumento voltado para a acumulação.
“A tecnologia em um outro cenário deveria estar em diálogo com a sociedade, com os movimentos sociais e com quem a demanda, para atender às necessidades das pessoas e não do mercado”, afirmou Trettel.