Após 12 anos, Brasil assina acordo e avança no processo de adesão como membro do Cern

Atualmente, País atua nos experimentos por meio de instituições associadas; ingresso como membro facilitará pesquisa vinculada ao setor produtivo brasileiro, que poderá participar como fornecedor do Cern

 09/03/2022 - Publicado há 2 anos
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Experimento Atlas, do LHC – Foto: Maximilien Brice/Cern

 

O Brasil assinou no último dia 2 de março a sua adesão como membro ao Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), sede do acelerador de partículas LHC. Esta não é a etapa final do ingresso: a proposta ainda precisa ser ratificada no Congresso Nacional e no Senado. Mesmo assim, trata-se de um importante passo – foram 12 anos de tratativas entre países até o acordo ser firmado. Até agora, o Brasil atua nos experimentos por meio de instituições associadas, como universidades, incluindo a USP.

Para os pesquisadores brasileiros, uma vantagem é que membros associados podem participar de estágios e contratações pelo Cern, além de ter representantes do País nos conselhos da instituição. “Do ponto de vista da política científica, a associação como membro também abre uma oportunidade para os pesquisadores colaborarem em conexão com o setor produtivo do País, que será fornecedor do Cern”, explica ao Jornal da USP Marco Leite, pesquisador no Instituto de Física da USP e no Atlas, um dos sete experimentos que compõem o LHC.

Como outros membros, o Brasil deverá fazer uma contribuição anual ao Cern, cuja variação do porcentual é atrelada ao PIB. Para quem se pergunta se temos condições ou se isso é interessante para uma nação como o Brasil, Leite lembra que não são apenas países das maiores economias que são membros. “Croácia, Índia, Lituânia, Paquistão, Turquia e Ucrânia já aderiram e estão no pré-estágio da associação Eslovênia e Chipre”, exemplifica.

“O que é importante é que parte dessa contribuição volta para o país associado com a possibilidade de ele participar de todos processos de licitação de bens e serviços do Cern. E existe um balanço para equilibrar isso, além de ser uma oportunidade das empresas se qualificarem para atender a demandas de altíssima tecnologia. Se o Brasil contribuir com uma quantia maior, mas poucas empresas nacionais forem contratadas pelo Cern no período, as empresas brasileiras subirão na prioridade das próximas licitações. A ideia é que empresas de todos os membros tenham oportunidade de envolver seu setor produtivo nas licitações”, detalha Marco Leite.

Indústria

Foto: Divulgação / Cern – European Organization for Nuclear Research

 

E que produtos e serviços o Brasil pode fornecer? Podemos olhar para o caso do Sirius, que teve uma relevante participação da indústria nacional. “Várias empresas nacionais contribuíram com parte importante da instrumentação, na parte de mecânica de precisão, por exemplo. Há ainda empresas da área de infraestrutura elétrica e telecomunicações que podem muito bem ser fornecedoras do Cern naquilo que já fornecem para o mercado interno. Temos muitos exemplos de produtos nacionais que têm uma qualidade muito boa; desde partes e peças até equipamentos completos, como os que são produzidos na indústria automobilística para testes, sistemas de manufatura, entre outros”, enumera o professor, mencionando também o aspecto de formação profissional em todos os níveis, tanto na academia como na indústria.

Sobre a demora para a assinatura, ele explica que isso dependia principalmente dos avanços da parte do Brasil. Mais recentemente, houve uma comitiva do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) que foi ao Cern visitar as instalações e conversar com os grupos, e o responsável pelas relações internacionais do Cern também esteve no Brasil.

O Cern também colocou uma data limite para que fosse definida a questão. Após essa data, as regras de adesão para novos membros seriam diferentes, um pouco menos vantajosas do que as regras antigas. “Felizmente foi tomada essa decisão, embora tenha demorado muito tempo. Não diria que o entrave foi uma questão do recurso em si, mas mais relacionada a entendermos a implicação positiva que isso trará para o País.”

Em relação à ratificação pelo Legislativo, apesar de estar otimista, Marco Leite ressalta a necessidade de empenho da comunidade científica. “A bola agora está no nosso campo. O resultado vai depender muito de como a comunidade de física de altas energias vai se mobilizar. É difícil falar sobre o futuro, mas no momento estou confiante em trabalharmos para que isso se concretize.”

Chip Sampa, projeto concebido no Brasil para uso no experimento Alice  – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

“Talvez há alguns anos eu fosse mais cético, mas quando a gente começa a brigar para que as coisas aconteçam é preciso ter um certo grau de otimismo. Acredito que há pessoas sensíveis na administração, no Legislativo, mas eles precisam ser convencidos, recebendo a informação da nossa parte, sobre como isso é importante para o País. Se a gente perder essa oportunidade agora, não sei dizer se haverá uma nova tentativa. Então precisamos ter muito empenho. Não é que deixar de entrar no Cern vá inviabilizar a participação brasileira nos experimentos, mas entrar será um facilitador importante.”

Em países como os Estados Unidos já há maior tradição da comunidade de pesquisa atuar junto aos representantes de governos para lutar pelo investimento nas demandas das ciências.

“Sei que nos EUA a comunidade tem um papel-chave no Congresso e no Senado para que os orçamentos sejam aprovados, e os grandes projetos se concretizem. E aqui no Brasil muitos colegas conversaram com legisladores, por exemplo, em relação a cortes no financiamento e algumas coisas aconteceram, mesmo que não tenha sido tudo que esperamos. São demandas importantes que, se a gente não se manifestar, não vão para frente.”

O que é o LHC?

Partículas formadas em colisão de núcleos de chumbo, registradas pelo detector Alice, no LHC – Imagem: Alice

 

LHC é a sigla em inglês para Grande Colisor de Hádrons. Uma gigantesca máquina para acelerar partículas diversas – chamadas hádrons – e fazer com que elas colidam a velocidades acima de 99,9% a velocidade da luz. Ao se chocar com uma energia tão intensa, quase “mini Big Bangs de laboratório” (mas sem oferecer nenhum risco à nossa existência, bom dizer), elas se quebram em partículas fundamentais. Partículas que não são encontradas sozinhas no Universo desde o Big Bang de verdade; o quark é um exemplo. Deste modo, os cientistas podem estudar a matéria e as forças que interagem com ela no nível mais fundamental.

Para isso, é preciso testar, repetir várias vezes as colisões, analisar os dados que são gerados. Desenvolver tecnologia avançada. O que também resulta em invenções colaterais, não planejadas. A World Wide Web, por exemplo, foi inventada no Cern. Foi trabalhando lá que Tim Berners Lee criou o protocolo WWW com o objetivo de compartilhar materiais e dados com cientistas em outros países.

O Brasil no Cern hoje

Marco Leite – Foto: Luiza Caires

Em 2019, o Jornal da USP fez esta reportagem especial sobre a nova fase dos experimentos no Cern e o trabalho dos pesquisadores brasileiros por lá. O professor Marco Leite, que nos atendeu na ocasião, conta sobre os progressos desde então.

“Terminamos um período de tomada de dados, um pouco antes da pandemia, mas já estava em curso um programa bastante ambicioso de atualização dos experimentos do próprio LHC, que é muito maior do que o que tivemos nos anos anteriores e com vários grupos brasileiros trabalhando na parte de pré-produção, não apenas na investigação.”

Ele relata que já houve um avanço, apesar das restrições durante a pandemia, na colaboração dos projetos de atualização dos experimentos. “Será iniciada agora uma nova coleta de dados, e isso já incorpora alguns trabalhos que foram feitos por grupos brasileiros e da USP nos projetos – no nosso caso, do Atlas e do Alice. A capacidade de ambos já foi atualizada e o que está sendo feito agora é o que chamamos de comissionamento, que são os testes finais para iniciar a nova rodada. Isso deve se estender por alguns anos e aí teremos uma nova parada para atualização.”

Para quem se assombra com a perspectiva temporal medida em anos, ele lembra que a ciência de uma forma geral, e em especial a área em que ele atua, exige planejamento, investimento e treinamento para uma escala de décadas. “Não são projetos de curto prazo e já temos que começar a formar as pessoas para os próximos desafios.”


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