Análise do ar demonstra que poluentes influenciam concentração de bactérias e fungos na atmosfera

Cientistas avaliaram amostras de ar em áreas urbana e rural, verificando que bactérias se adaptam melhor, porém fungos são mais sensíveis à poluição

Pesquisa salienta a importância do uso dos microrganismos na função de marcadores da concentração de poluentes prejudiciais aos seres humanos, dessa forma baseando a implantação de políticas públicas nas áreas ambiental e de saúde – Foto de fundo: Freepik

 Publicado: 26/06/2024     Atualizado: 27/06/2024 as 16:57

Texto: Júlio Bernardes

Arte: Beatriz Haddad*

Fungos e bactérias estão entre as partículas existentes no ar, chamadas de bioaerossóis, e sua concentração é influenciada pela quantidade de poluentes, aponta estudo realizado por pesquisadores da USP e do Instituto Adolfo Lutz (IAL). Os cientistas avaliaram amostras de ar em uma área urbana e outra rural no Estado de São Paulo, e verificaram que os fungos são mais sensíveis à poluição, enquanto as bactérias se adaptam melhor. As análises reforçam a importância dos microrganismos como marcadores de níveis de poluentes nocivos à população, servindo para orientar políticas ambientais e de saúde pública.

“Na composição dos bioaerossóis, encontramos fragmentos de seres vivos, tais como pólens, esporos mortos e microrganismos vivos, entre eles bactérias e fungos, que fazem parte da parcela chamada material particulado 2.5”, afirmam a pesquisadora Dulcilena de Matos Castro e Silva, do IAL, primeira autora, e a professora Maria Regina Alves Cardoso, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, orientadora da pesquisa de doutorado que deu origem ao artigo, elaborado por um grupo de pesquisadores. “Material particulado são todas as partículas que estão difusas no ar atmosférico, elas podem variar de tamanho e concentração de acordo com as condições ambientais no momento da amostragem.”

“Os microrganismos viáveis distribuídos no meio ambiente podem se tornar patógenos oportunistas para qualquer ser vivo ou ecossistema, dependendo da composição e da concentração existente no local”, apontam os pesquisadores. “Eles são uma das principais causas de problemas comuns aos seres humanos, como processos alérgicos leves ou crônicos, entretanto, em pessoas que possuem históricos e comorbidades, além de pacientes imunocomprometidos, essas partículas podem causar problemas de saúde e doenças mais graves”.

O objetivo da pesquisa foi conhecer a composição microbiológica do ar atmosférico em zonas urbanas e rurais e suas relações com as parcelas químicas e físicas do ar. “Nosso trabalho teve dois pontos de coletas distintos, um na zona rural, localizado em uma residência particular na cidade de Ibiúna, no interior de São Paulo, a 66 quilômetros (km) da capital e, outro na Avenida Doutor Arnaldo, no bairro de Cerqueira Cesar, em São Paulo”, relatam os autores.

Vista da região da Avenida Doutor Arnaldo, no bairro de Cerqueira César, em São Paulo, onde aconteceu a coleta de amostras de ar em área urbana

Microrganismos e poluentes

“Para as coletas das amostras de ar, usamos um equipamento chamado impactador de ar. Nesse dispositivo, uma placa de cultivo recebe a impactação do ar através de sucção e os microrganismos viáveis ficam presos na placas”, descrevem os pesquisadores. “Os fungos e bactérias encontrados durante as coletas são parte da microbiota ambiental, não são em geral patogênicos. Após crescimento em laboratório, eles são contados e identificados por metodologias poliblásticas, que identificam a estrutura e as moléculas existentes.”

Os autores enfatizam que a composição microbiológica de cada ambiente caracteriza-se por suas relações em diferentes condições ambientais, demonstrando uma influência direta dos componentes atmosféricos químicos e físicos com a parcela biológica. “Além da diferença nas características físicas e químicas, as relações biológicas dessas áreas também são diferentes e variam conforme as estações do ano e influências entre todos os parâmetros”, ressaltam.

Equipamento de coleta posicionado na zona rural de Ibiúna, interior de São Paulo; por meio de sucção, dispositivo prende os microrganismos em placas de cultivo

Foto de fundo: rorozoa/Freepik (gerada por IA) 

“Observamos que as concentrações de fungos e bactérias presentes no ar dessas regiões podem aumentar ou diminuir conforme a proporção e quantidade de poluentes presentes no ambiente analisado”, destacam os pesquisadores. “Os microrganismos se dispersam de acordo com as condições do ambiente. O interessante é que foi verificado que os fungos são sensíveis à poluição e as bactérias não apresentam a mesma relação.”

De acordo com os autores do artigo, a iniciativa do estudo foi fornecer informações sobre as relações entre os bioaerossóis e os poluentes ambientais. “A pesquisa mostrou como os microrganismos podem sinalizar os níveis prejudiciais de poluição nos ambientes, assim, caracterizando se o ambiente está seguro para a população, ferramenta que irá contribuir com as análises e as políticas de redução da poluição e de saúde pública”, concluem.

Placa com fungos cinco dias após a coleta da amostra de ar em área rural (Ibiúna)

Placas com amostras obtidas em área urbana (Cerqueira César, São Paulo). Na imagem à esquerda (A), fungos, e à direita (B), bactérias, mostrando o crescimento cinco dias depois da coleta

O trabalho teve a participação de pesquisadores da FSP e do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, do IAL e do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. O artigo Analyses of culturable microorganisms and chemical pollutants in the air of urban and rural areas in the region of São Paulo, Brazil foi publicado no site da revista científica Aerobiologia no último dia 12 de maio.

Mais informações: e-mails dulcilena.silva@ial.sp.gov.br, com Dulcilena de Matos Castro e Silva; e rcardoso@usp.br, com Maria Regina Alves Cardoso

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

**Todas as fotos utilizadas foram cedidas pelos pesquisadores


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