Sociedades Anônimas do Futebol podem ajudar no crescimento de clubes menores

Marcelo Botelho nutre a expectativa de que, com o tempo, o modelo de gestão dos clubes-empresas possa fazer com que o futebol brasileiro volte a se equiparar ao europeu

 19/04/2023 - Publicado há 2 anos
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O futebol brasileiro vive um momento de transformação na gestão, que deve gerar impactos dentro de campo – Foto: Pixabay via Pexels

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Um dos principais assuntos nos debates de mesa-redonda da televisão e nas conversas entre torcedores, o modelo de gestão chamado de Sociedade Anônima do Futebol (SAF) pode alterar a hierarquia desse esporte nos próximos anos. O formato de clube-empresa, já adotado por grandes equipes, como Cruzeiro, Vasco, Botafogo e Bahia, também chegou às divisões inferiores do Campeonato Brasileiro. Na Ferroviária, tradicional time de Araraquara, a cultura empresarial já tem duas décadas. Inicialmente uma Sociedade Anônima (S/A), que prevê a busca pelo lucro e a possibilidade de ter o capital aberto negociado na Bolsa de Valores, a Locomotiva, como é apelidada, não perdeu tempo após a criação da Lei da SAF, em 2021, que estabelece normas próprias e exclusivas aplicadas à gestão do futebol.

Com o novo modelo implementado no estatuto do clube há pouco menos de um ano, a direção também mudou, e Elias Barquete Albarello chegou à presidência da equipe com novas ideias após três anos como diretor financeiro do São Paulo e décadas como executivo de empresas nacionais e multinacionais. “O futebol brasileiro está passando por um momento de transição, na minha opinião, com a profissionalização da gestão. Isso se reflete, justamente, na grande oportunidade que temos, na qual vários players nacionais e internacionais veem o futebol de outra forma, também como um negócio”, afirma Albarello.

Marcelo Botelho – Foto: Arquivo Pessoal

A transformação do modelo de gestão associativo para S/A, em 2003, ajudou a Ferroviária a deixar para trás um dos piores momentos em seus mais de 70 anos de história: o rebaixamento à quarta e última divisão do Campeonato Paulista. O clube se reergueu aos poucos até retornar à elite estadual na edição de 2016 e chegar à Série D do Campeonato Brasileiro em 2018. Além disso, a equipe grená conquistou um posto como uma das maiores potências do futebol feminino sul-americano e atualmente é bicampeã da Libertadores na modalidade.

Embora tenha resolvido boa parte dos problemas em Araraquara, o formato de S/A ficou menos atrativo a potenciais novos clubes-empresas ao longo dos anos. Os altos custos para implementar o modelo e a falta de previsão legal para efetuar a transformação mantiveram alguns times como instituições sem fins lucrativos. Como explica o professor Marcelo Botelho da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, a SAF resolveu esses dois obstáculos “ao proporcionar que a parte do futebol possa ser separada do clube. Além disso, também melhora em questões tributárias. Você tem uma alíquota unificada e menor de tributação”.

Dos bastidores ao palco principal

Em menos de dois anos da Lei da SAF, 24 clubes brasileiros já aderiram ao novo modelo de gestão. Alguns ainda buscam uma evolução dentro de campo, mas Albarello acredita que é apenas questão de tempo para que a nova visão nos bastidores dê resultado. “Estamos falando de uma sustentabilidade de clubes que passarão a ter gestores com uma visão, principalmente, de negócios. Isso fará com que o clube possa se destacar e até mesmo vir a ser protagonista em alguns campeonatos”, opina o presidente da Ferroviária SAF.

A Ferroviária é uma das grandes potências do futebol feminino na América do Sul – Foto: Tiago Pavini/Ferroviária SAF via Facebook

Mesmo que o caminho da Locomotiva com o novo modelo tenha começado com o “pé esquerdo”, já que o elenco treinado por Elano Blumer foi rebaixado recentemente à Série A2 do Paulista neste ano, a cúpula do time mantém o posicionamento de que a boa gestão é o meio para atingir os objetivos finais de se aproximar dos times de elite. O exemplo vem até mesmo de equipes que não são S/A ou SAF, como o Fortaleza e o Athletico Paranaense. O primeiro vive um de seus melhores momentos na história, com acessos consecutivos, títulos e até mesmo inéditas partidas internacionais na Libertadores. O segundo sacramentou seu lugar entre as grandes camisas do País e carrega dois títulos de Sul-Americana e um vice-campeonato da Libertadores nos últimos anos. Todavia, até mesmo a dupla bem-sucedida mira a transformação em clube-empresa num futuro próximo.

Elias Barquete Albarello  – Foto: Arquivo Pessoal

Com as conversas para a criação de uma liga única entre os clubes, que tomaria o lugar do Brasileirão em um modelo semelhante ao que vigora na Premier League, da Inglaterra, os times transformados em SAF e a quantidade de investidores interessados em colocar dinheiro no futebol nacional podem aumentar. É uma oportunidade também para os menores, que podem virar uma possibilidade de retorno rápido para potenciais investidores. Portanto, seja escolhida como representante dos times a Liga Forte do Futebol (LFF) ou a Liga do Futebol Brasileiro (Libra), que dividem as diretorias das agremiações da Série A do Campeonato Brasileiro, o resultado deverá ser o aumento no número de clubes-empresas.

Agora com uma filosofia de trabalho semelhante à de Athletico e Fortaleza, e com a vantagem de já ter uma SAF em vigor, a Ferroviária foi premiada pela quarta vez consecutiva no Programa de Excelência da Federação Paulista de Futebol (FPF), que avalia aspectos como finanças, torcida, categorias de base, infraestrutura e desempenho técnico. Elias Albarello explica que o segredo para esse reconhecimento é que “a Ferroviária tem processos bem definidos e isso passa por revisões, o que está acontecendo neste momento”.

De volta aos momentos dourados

Botelho compartilha a visão de Albarello sobre a capacidade de uma boa gestão impactar dentro de campo. Agora, o especialista espera que casos de sucesso de clubes geridos como empresas motivem mais equipes a virarem SAF, sobretudo pela confiança que o modelo passa a quem deseja investir no esporte.

Como consequência, o professor torce para que, com os anos, os brasileiros voltem a fazer frente aos europeus, como aconteceu ao longo de muitas décadas, principalmente no último século. “A gente espera que isso tenha um impacto bastante significativo no futebol brasileiro, inclusive que a gente possa retomar posições nos rankings internacionais, fazendo frente a clubes principalmente europeus, que já têm essa visão de clube-empresa há muitas décadas”, conclui.


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