Nos últimos dias ganhou as ruas do Brasil e chegou até na reunião do G20, na Índia, grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das maiores economias do mundo, campanha de movimentos sociais para que o presidente Lula indique uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal (STF) em vaga que vai surgir com a aposentadoria da ministra Rosa Weber. A diversidade de gênero e racial no Judiciário brasileiro é o tema deste episódio da série Mulheres e Justiça. A convidada da professora Fabiana Severi é Ana Paula Sciammarella, docente da Escola de Ciências Jurídicas da Universidade do Rio de Janeiro (Unirio).
Os fatores que podem explicar o número baixo de mulheres e de pessoas negras e indígenas na composição do Judiciário brasileiro foi tema de artigo escrito por Ana Paula e suas colegas, a professora Maria da Glória Bonelli e a pesquisadora Tharuell Lima Kahwage, e publicado no livro Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Feministas: A Experiência Brasileira. Segundo Ana Paula, essa é uma pauta que vem sendo debatida por uma série de pesquisas qualitativas e quantitativas.
Como exemplo dessas pesquisas, Ana Paula cita o Censo do Poder Judiciário e o Perfil da Magistratura, que trazem dados que evidenciam um número ainda reduzido de mulheres e pessoas negras no Judiciário. “A literatura vem mostrando que gênero e raça moldam, sim, a trajetória de juízes e juízas no Brasil e essas relações de gênero e raça acabam por moldar também a cultura profissional jurídica.”
Um resultado importante desses estudos, diz Ana Paula, é a compreensão e o reconhecimento de que essas identidades profissionais, de um Judiciário hegemonicamente branco e masculino, são duradouras e não se modificam facilmente, apenas com a inserção de mulheres e pessoas negras nesses grupos ocupacionais. “Tem que haver uma mudança da cultura profissional e não uma simples permissão formal de ingresso para quebrar essa durabilidade das definições da cultura profissional baseada, por exemplo, no gênero em relação às profissões jurídicas.”
Sobre a importância da diversidade na composição do Judiciário, Ana Paula cita, como exemplo, o comportamento das profissionais mulheres no Judiciário que, em razão de uma série de estereótipos sexuais socialmente constituídos, tendem a adotar os mesmos padrões de comportamento profissional baseados em paradigmas masculinos. “Isso como uma estratégia para manutenção e até para sua ascensão profissional, já que elas sabem que ser mulher altera de maneira significativa suas trajetórias profissionais e as condições para o seu exercício da profissão.”
Discurso de igualdade
Segundo Ana Paula, embora haja um discurso de igualdade, muitas vezes até entre as magistradas, especialmente entre aquelas que são pioneiras na carreira, e também mobilização política para igualdade de gênero na magistratura, essa igualdade deve se compor também com a igualdade de raça, ou seja, essa ocupação profissional deve ter mais mulheres – e mais mulheres negras. “Há um esforço institucional para a criação de políticas judiciárias voltadas para uma maior diversidade na composição do sistema de Justiça, mas essas políticas funcionam de maneira distinta, enquanto para o incremento de pessoas negras nessas carreiras, na Magistratura, por meio de cotas raciais, a participação feminina ocorre por meio de incentivos e aí precisa-se entender quais são os reais impactos dessas políticas institucionais para uma real ampliação da participação desses segmentos no Judiciário e na Magistratura.”
Ana Paula cita observação da professora Maria da Glória Bonelli, que mostra a diferença dos mecanismos para ampliação da participação desses segmentos no Judiciário e na Magistratura: enquanto as mulheres se candidatam por meio de uma seleção geral, as pessoas negras optam por uma seleção através da política afirmativa, na qual essa diferença é explicitamente declarada. “Hoje a inclusão feminina nas carreiras públicas do Direito ocorre sem política de ação afirmativa.”
Sobre iniciativas do próprio Judiciário para mudar esse cenário, Ana Paula cita que, no final do mês de agosto último, ocorreu um seminário em Brasília para debater a Resolução 255, que fala sobre esse incentivo à participação feminina. Uma das propostas desse seminário foi a criação de políticas afirmativas para ampliação da participação das mulheres no Sistema de Justiça. “A mobilização para a diversidade no Sistema de Justiça, que é capitaneado por diversos grupos às vezes ligados a movimentos associativos ou a movimentos mais informais e espontâneos das diferentes carreiras jurídicas, tem como objetivo forçar ação de políticas que sejam capazes de gerar, de fato, impacto para uma maior diversidade e que essa diversidade seja capaz de influenciar também nas práticas judiciárias.
Para Ana Paula, mais pesquisas sobre desigualdades e diversidade na composição das diferentes instituições do sistema de Justiça poderão dizer, no futuro, se a inserção de mais mulheres e pessoas negras será capaz de transformar as práticas institucionais vigentes. “Essas iniciativas podem, de fato, impactar de maneira positiva não apenas para identificação dessas desigualdades, mas também para sensibilizar os autores que passarem a compor, a inserir, as diversas carreiras do sistema de Justiça.
A série Mulheres e Justiça faz parte do projeto Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Femininas, uma rede colaborativa de acadêmicas e juristas brasileiras de todas as regiões do País, que se presta a reescrever decisões judiciais a partir de um olhar feminista.
A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, e das jornalistas Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira -
Apoio:acadêmicas Juliana Cristina Barbosa Silveira e Sarah Beatriz Mota dos Santos-FDRP
Apresentação, toda quinta-feira no Jornal da USP no ar 1ª edição, às 7h30, com reapresentação às 15h, na Rádio USP São Paulo 93,7Mhz e na Rádio USP Ribeirão Preto 107,9Mhz, a partir das 12h, ou pelo site www.jornal.usp.br