Brasil adere à norma internacional para comércio digital de produtos que substituem o leite materno

A preocupação é com o excesso de mulheres que são influenciadas pela publicidade e trocam o leite materno por alimentos como papinhas industrializadas

 Publicado: 25/06/2024
Por
Foto: Instituto Nacional da Língua Coreana/Wikimedia Commons/CC BY-SA 2.0 KR
Logo da Rádio USP

Aproximadamente 51% de mães e pais em todo o mundo são alvos do marketing de empresas que fabricam cereais e papinhas, além de chupetas e mamadeiras,  produtos que visam a substituir o leite materno, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Esse fato levou a 77ª Assembleia Mundial da Saúde, realizada este ano em Genebra, Suíça, a discutir o assunto. O resultado trouxe uma declaração conjunta de 28 países, incluindo o Brasil, que defende a regulamentação da comercialização digital desses produtos e a incorporação do documento ao Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno.

O representante brasileiro no evento da OMS, Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Ministério da Saúde, disse na Assembleia que esse é um desafio emergente, pois “é poderosa a influência da comercialização de substitutivos do leite materno como uma barreira à amamentação”. 

Cíntia Erbert, doutora em Ciências pela FFCLRP e Membro da IBFAN Brasil – Arquivo pessoal

Segundo recomendações da OMS, os bebês devem ser amamentados até os seis meses, exclusivamente com leite materno, entretanto, apenas quatro a cada dez bebês no mundo são amamentados como recomenda a organização. Com isso, a proposta ainda será discutida novamente no ano que vem pela OMS, para que seja feita a implantação da regulamentação contra o marketing digital em todo o mundo.

A bióloga formada pelo Instituto de Biociências (IB) da USP, doutora em Ciências pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP e especialista em Aleitamento Materno, Cíntia Erbert, diz que há muita publicidade irregular desses produtos, especialmente nas redes sociais, o que gera uma maior dificuldade de monitoramento. “Por isso é tão importante regular o marketing digital desses produtos que competem com a amamentação”, aponta.

Legislação atual

De acordo com as normas de rotulagem estabelecidas com a Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactantes e Crianças de Primeira Infância (NBCAL), criada pelo Ministério da Saúde com base no Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno, alguns produtos precisam conter impressas frases de advertência obrigatória como, por exemplo, nas fórmulas de nutrientes para recém-nascidos que devem apresentar as expressões: “Aviso importante: Este produto somente deve ser usado para suplementar a alimentação do recém-nascido de alto risco com prescrição médica, de uso exclusivo em unidades hospitalares” e, também, “O Ministério da Saúde adverte: O leite materno possui os nutrientes essenciais para o crescimento e o desenvolvimento da criança nos primeiros anos de vida”. 

Cíntia aponta que em lojas físicas foram encontrados produtos que têm promoção comercial permitida, mas que não possuem as frases de advertência obrigatórias, como é o caso do leite de caixinha e de composto lácteo. Já na internet, foram verificados produtos que não poderiam ter nenhum tipo de promoção e que estão sendo promovidos de forma ilegal, destaca Cíntia. “Os principais produtos com registros de promoção comercial proibidos são as chupetas e as mamadeiras.  

Proibições

De acordo com a NBCAL são proibidos em rótulos de alimentos para recém-nascidos chupetas, mamadeiras e protetores de mamilo, o uso de fotos, desenhos ou representações gráficas que representem a mãe ou a criança. Também são proibidas frases que sugiram forte semelhança do produto com o leite materno e que induzam dúvida na capacidade de amamentação das mães, além de expressões que remetem à alimentação infantil como “baby” ou “primeiro crescimento”, nem induzir conceitos falsos e promover o fabricante ou estabelecimentos.

Maria Inês Couto de Oliveira, coordenadora IBFAN Brasil – Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Maria Inês Couto de Oliveira, coordenadora no Brasil da Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar (IBFAN na sigla em inglês para International Baby Food Action Network), afirma que cabe à NBCAL regulamentar a promoção comercial, orientar o uso apropriado dos alimentos para lactentes e crianças, proteger e incentivar o aleitamento materno. 

A IBFAN, trabalha, desde 1979, em grupos espalhados por todo o mundo para contribuir para a redução da morbilidade e da mortalidade de bebês e crianças pequenas. O objetivo da rede é o de coordenar esforços para a proteção do aleitamento materno, por meio do compartilhamento de informações, e aumentar a consciência mundial sobre a importância da amamentação e os perigos potenciais da alimentação artificial na infância.

Cíntia Erbert, que também é integrante da IBFAM no Brasil, diz que a rede realiza um monitoramento voluntário do cumprimento da NBCAL em lojas físicas, sites de vendas, redes sociais, rótulos de produto e em estabelecimentos de saúde. “Em 2023, foram feitos 565 registros de monitoramento em todo o País. Após verificação e análise, foram constatadas infração em 232 desses registros, ou seja, 39% dos registros preenchidos tiveram algum tipo de infração.”

Benefícios da amamentação

Márcia Cristina Guerreiro dos Reis, enfermeira pela EERP – Foto: Arquivo Pessoal

A amamentação ajuda a prevenir doenças e reduzir em até 13% a mortalidade infantil. A enfermeira e mestre em Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, Márcia Cristina Guerreiro dos Reis, lembra que o uso inadequado de produtos que substituem o leite materno pode causar sérios problemas para o bebê, que podem se estender até a fase adulta. “Podem causar alergias, obesidade infantil, aumento da mortalidade infantil e da morbidade, por exemplo, além de doenças diarreicas e infecciosas. Na fase adulta, esse indivíduo provavelmente terá doenças crônicas como diabete, hipertensão, obesidade, e até mesmo, câncer.” 

Além de trazer benefícios para a criança, também existem vantagens para as mulheres que amamentam, diz Márcia Cristina. “A prática pode prevenir doenças como câncer de útero, mama, diabete, depressão e aumentar o vínculo materno-infantil.  Por isso, a importância da conscientização e de informações adequadas sobre a amamentação por meio de profissionais da saúde, principalmente durante a gravidez, período em que a mulher tem muitas dúvidas sobre a amamentação”, completa a profissional.

A norma visa a alertar as mães que o aleitamento materno seja exclusivo nos seis primeiros meses e que tenha sua continuidade até os 2 anos de idade ou mais. A enfermeira diz que as medidas devem ser seguidas à risca. “A indústria teve que se adequar a essa legislação e ela é anualmente monitorada para saber se está ocorrendo infrações ou não”, destaca a enfermeira. 

Mesmo com a legislação em vigor por tanto tempo, ainda ocorrem muitas infrações principalmente em lojas on-line, o que deixa as mulheres mais suscetíveis a comprar os produtos. “As mães ficam vulneráveis nesse período, principalmente no início da amamentação, e a indústria seduz e induz a utilização dos seus produtos, muitas vezes até vinculada aos profissionais de saúde”, aponta Márcia Cristina.

Caso sejam encontradas propagandas ou rótulos que tenham alguma infração, pode ser feita a denúncia pelo Observatório de Publicidade de Alimentos (OPA), ligado ao Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). O observatório apoia a identificação de publicidades ilegais e tem a função de analisar as denúncias e entrar em contato com os órgãos competentes. 

Panorama brasileiro

De acordo com a OMS, o Brasil possui o objetivo de atingir, até 2030, 70% de crianças menores de 6 meses em aleitamento materno exclusivo e 60% em aleitamento materno continuado até os 2 anos de idade. Mas, atualmente, esse índice é de 45,8% de crianças brasileiras, menores de 6 meses  amamentadas exclusivamente e 35,5% são amamentadas continuamente no segundo ano de vida, segundo o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani).

Márcia afirma que a amamentação é um processo pouco instintivo, é mais um processo de aprendizagem: “A mãe e o bebê precisam de suporte e apoio para aprender as técnicas e as práticas de amamentação.” Para isso, a enfermeira destaca a necessidade de políticas públicas e ações ligadas à promoção e o apoio ao aleitamento materno, desde o início da gestação até o período pós-parto. “Em Ribeirão Preto, por exemplo, todas as unidades de saúde dispõem de profissionais capacitados, por meio do Programa Municipal de Aleitamento Materno, além disso, temos o Banco de Leite do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP) da USP que atende às mães com dificuldades no aleitamento.”

Para dúvidas e mais informações, acesse a Cartilha da IBFAN Brasil neste link.

*Estagiária sob supervisão de Ferraz Junior e Rose Talamone

 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.