Quando somos questionados sobre eventos cotidianos como, por exemplo, o que almoçamos no dia anterior ou quais programas de televisão assistimos no último final de semana, nem sempre temos a resposta na ponta da língua. Entretanto, quando a pergunta envolve acontecimentos de grande importância emocional, como a aprovação na faculdade ou o nascimento de um filho, nossas lembranças costumam ser mais vívidas.
Considerando isso, um artigo publicado na revista Nature Human Behavior, em janeiro deste ano, associou a memorização de eventos às emoções através de atividades neuronais de alta frequência. O estudo, desenvolvido por um grupo de cientistas da Universidade de Columbia, nos EUA, sugeriu também que pacientes que sofrem com transtornos pós-traumáticos, depressão e outros distúrbios da mente podem ter maior dificuldade para armazenar e criar novas memórias.
De acordo com Rafael Ruggiero, pesquisador na área de Neurociências, com foco em psiquiatria, e professor colaborador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, já é sabido que “temos tendência a manter memórias que têm um conteúdo emocional mais relevante muito mais facilmente e por muito mais tempo”. No entanto, a novidade por trás do estudo internacional foi “indicar um mecanismo que poderia estar subjacente a essa formação de memória emocional”.
Com a ajuda de pacientes humanos, os cientistas realizaram uma série de testes. “Os testes que eles fizeram envolviam basicamente uma lista de palavras a serem memorizadas. Tanto palavras com saliência emocional, como, por exemplo, ‘casamento’, ‘faca’, ‘cachorro’ e palavras mais neutras, como ‘bolsa’, ‘mala’, ‘relógio’, que não suscitam tantas emoções”, ilustra Ruggiero, que não participou da pesquisa. Ele conta que, na sequência, foi aplicada uma tarefa matemática para distrair os pacientes e, alguns segundos após sua execução, os pacientes precisavam se recordar das palavras. “O que eles notaram foi uma correlação forte entre o conteúdo emocional da palavra e a probabilidade dela ser lembrada.”
No decorrer do estudo, os cientistas analisaram dados dos testes de memória que foram conduzidos com voluntários com epilepsia submetidos à gravação cerebral intracraniana direta para localização e tratamento de convulsões. Durante essas gravações, os pacientes com epilepsia memorizaram as listas de palavras, enquanto os eletrodos colocados no hipocampo e na amígdala registravam a atividade elétrica do cérebro. “Esses pacientes foram importantes para que os pesquisadores pudessem observar e registrar atividades intracerebrais”, explica ele.
Novos tipos de tratamento
Em linhas gerais, a equipe da Universidade de Columbia demonstrou que as ondas cerebrais de alta frequência na amígdala, um centro de processos emocionais, e no hipocampo, um centro de processos de memória, são essenciais para melhorar a memória para estímulos emocionais. Interrupções nesse mecanismo neural, causadas por estimulação cerebral elétrica ou depressão, prejudicam a memória especificamente para estímulos emocionais.
Não por acaso, a amígdala é um conjunto de neurônios que compõem parte do cérebro e é uma região responsável por criar o “colorido emocional” ao processamento cognitivo. O mecanismo para a criação e armazenamento de memórias acontece na interação entre a amígdala e o hipocampo. Sabendo disso, os cientistas puderam traçar uma hipótese do porquê pacientes com depressão e transtornos pós-traumáticos têm maior dificuldade no processamento de novas informações.
Para o neurocientista, o entendimento desse mecanismo neuronal pode ser utilizado a favor de novos tratamentos. “Ele pode ser utilizado, por exemplo, para fortalecer algumas memórias em casos de pacientes com Alzheimer ou pacientes com demência.”
E o contrário também se torna válido: ao inibir essas atividades de alta frequência, pode ser que os efeitos de uma memória traumática sejam suavizados. No caso de um paciente que sofreu um trauma “extremamente negativo”, que gerou um quadro de ansiedade generalizada, “talvez, se reduzirmos o efeito dessas memórias altamente emocionais, possamos reduzir também parte desses sintomas em casos de transtorno de estresse pós-traumático”, finaliza.