Os direitos fundamentais dos cidadãos estão determinados na Constituição Federal brasileira de 1988, que não autoriza qualquer tipo de controle prévio no exercício das atividades intelectual, artística, científica e de comunicação. Todo cidadão brasileiro tem direito, portanto, de se expressar sem sofrer qualquer tipo de retaliação. Entretanto, a liberdade de expressão é usada por vezes como escudo para invadir outros direitos consagrados na Constituição, gerando a necessidade de estabelecer limites para a lei e evitar interpretações equivocadas sobre o que pode e o que não pode ser dito.
O jurista e professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP, Conrado Hübner Mendes, explica que, embora exista uma dificuldade em estabelecer fronteiras para a liberdade de expressão na lei, há valores e direitos que não devem ser violados, como o direito à dignidade humana, à igualdade, à não discriminação e o direito à honra. “No Código Penal, há crimes contra a honra: calúnia, injúria e difamação. Você não pode usar a liberdade de expressão para caluniar, injuriar, difamar, fazer apologia ao crime, ameaçar; incitar prática de discriminação também é ilegal”, explica o professor, ressaltando que a construção de critérios pelo sistema de justiça se dá caso a caso para que a lei não seja praticada de forma arbitrária e abstrata.
Além da ideia do senso comum sobre os limites da liberdade de expressão, existe também a ideia de que esses limites se aplicam da mesma maneira em todos os contextos, para todas as pessoas. Porém, o peso de uma afirmação varia de acordo com a posição que o cidadão ocupa na sociedade. Mendes afirma que “é muito diferente um cidadão comum estar falando num contexto com capacidade de impactar um grupo pequeno de pessoas, ou um agente político importante que está falando. Seja porque esse agente político tem mais capacidade de atingir um número maior de pessoas, seja porque essa condição de agente político tem outro símbolo, outro poder, outra capacidade jurídica”. É o caso de parlamentares como deputados federais, que gozam da prerrogativa da imunidade parlamentar que vem desde a Idade Média, um tipo de direito especial que evita certas consequências jurídicas, algo que cidadãos que estão fora dessa esfera política não têm acesso.
Liberdade de expressão e o caso do deputado federal Daniel Silveira
Em fevereiro, o deputado federal e ex-policial militar Daniel Silveira foi preso em flagrante após a repercussão de um vídeo onde Daniel faz apologia ao AI-5, instrumento de repressão na época da ditadura militar brasileira, além de caluniar e ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal. Silveira ficou conhecido também por ter quebrado uma placa em homenagem à vereadora do PSOL assassinada, Marielle Franco. Embora Daniel usufrua da imunidade parlamentar, há certos casos em que a prisão em flagrante pode ser aplicada pelos agentes da lei. A prisão do deputado foi materializada após crimes contra a segurança nacional, previstos na Lei de Segurança Nacional, e crimes contra a pessoa do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin.
Uma das justificativas da defesa do deputado é que sua liberdade de expressão estaria sendo ameaçada e que a opinião do réu foi censurada pelos ministros. Segundo o professor Conrado, o que aconteceu no caso do deputado não foi censura. “A censura é um tipo de restrição que impede inclusive a pessoa de expressar sua ideia. Daniel Silveira teve plenas condições de expressar, mais do que a sua ideia, seus ataques, ele proferiu seus ataques aos ministros do STF e à própria instituição do STF”, afirma Mendes. A prisão teria sido, dessa forma, uma consequência do abuso da liberdade de expressão.
Segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, o deputado atacou frontalmente os ministros com diversas ofensas e também propagou a adoção de medidas antidemocráticas contra o tribunal ao defender o AI-5. “É que teve lá aqueles 17 atos constitucionais, o AI-5, que é o mais ‘duro’ de todos, como vocês insistem em dizer. Aquele que cassou três ministros da Suprema Corte, cassou senadores, deputados federais, estaduais. Foi uma depuração, um recadinho muito claro que falou ‘se fizer besteirinha, a gente volta'”, diz Daniel em vídeo, entre xingamentos. Na opinião do professor Mendes, as falas do deputado são corrosivas para a democracia porque, além de serem violentas, “Daniel Silveira é deputado, é um representante eleito e quando vem da boca dele, com a capacidade de disseminação dessa mensagem com os veículos que ele usa e com o tipo de ódio que ele expressa, ele põe em risco instituições”, não colocando em risco apenas suas relações pessoais, tampouco causando apenas uma certa instabilidade social como um cidadão com menos influência causaria.
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