Documentário conta a história de São Paulo através de casarão histórico

Giselle Beiguelman e Ilê Sartuzi exploram o Casarão Nhonhô Magalhães, com o uso de Inteligência Artificial, para abordar aspectos históricos do Estado de São Paulo

 08/04/2021 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 15/06/2024 às 11:39
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Casarão de Nhonhô Magalhães – Foto: Foto: Barbara Cassia Martins – Wikipédia – CC-BY-SA-4.0
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Carlos Leôncio de Magalhães nasceu em 1875, em Araraquara, São Paulo. Apelidado de Nhonhô – de “sinhô” (senhor), forma como os escravos chamavam seus senhores –, Carlos adquiriu sua primeira fazenda aos 16 anos de idade, primeiro passo para que, anos mais tarde, o fazendeiro fosse considerado um dos mais ricos “reis do café”. O cafeicultor e sua família fazem parte da história do Brasil, não só no mercado do café, mas também em estradas ferroviárias e bancos.

Muito embora os negócios estivessem concentrados no interior paulista, Carlos Leôncio encomenda em 1930 uma grandiosa construção em Higienópolis, região central de São Paulo, já dominada pela elite paulistana. O luxuoso Casarão Nhonhô Magalhães abrigou Carlos, sua esposa Ernestina Magalhães e cinco filhos do casal.

Carlos Leôncio de Magalhães – Foto: Desconhecido – Arquivo UFSCar – wikipedia Domínio público

É sob a perspectiva desse casarão que a professora da Faculdade de Arquitetura da USP Giselle Beiguelman e o artista plástico Ilê Sartuzi contam a história de São Paulo com o documentário Nhonhô. Nas palavras de Giselle, “Nhonhô é um documentário experimental, que faz, que conta, escreve e descreve com imagens e outras linguagens a biografia possível de um casarão, um palacete, em Higienópolis, com aspectos sobre o seu protagonista e, a partir dessa conjunção, procura reunir fragmentos das histórias do Estado de São Paulo e das elites que urbanizaram a cidade homônima”, um documentário retratado através de imagens processadas por Inteligência Artificial e com a técnica chamada de fotogrametria.

Ilê Sartuzi explica que a fotogrametria é feita a partir de centenas de imagens de um objeto (os cômodos da mansão) e, da conjunção dessas imagens bidimensionais, um programa então desenvolve um espaço tridimensional digital. Porém, quando faltam informação e confiabilidade na sobreposição dessas imagens, o programa não consegue desenvolver o espaço, o que gera lacunas no vídeo. “As falhas da fotogrametria são uma coisa que interessava ao projeto aparecer porque, de alguma maneira, também sinalizavam a falta de informação que a gente teve ao longo do processo, do trabalho, as nossas interdições em relação a alguns espaços”, conta Sartuzi. O espaço fragmentado foi composto de três ambientes principais: o exterior da casa, com o vidro do Shopping Pátio Higienópolis, cujo grupo é o atual proprietário do casarão, um teatro no interior da casa e a escada que desce para o subsolo.

Os efeitos sonoros do documentário foram produzidos pelo compositor Gabriel Francisco Lemos, que usou dos recursos eletrônicos para criar o que Sartuzi chama de “trilha eletrizante”. “Ele escreveu alguns algoritmos para trabalhar a cadência desse tom, que também acompanhava os movimentos de câmera, cada virada, subida e descida”, explica o artista plástico. Durante o documentário, não há nenhuma presença humana, nem mesmo voz.  “O texto é lido mentalmente, então é só a trilha, junto com a câmera, que vai dando a tração de movimento do vídeo”, conclui.

O documentário e a pandemia do coronavírus

A falta de informação se deu em grande parte pela dificuldade de acesso a documentos de estudos e aos ambientes da casa. Giselle conta que, “independentemente da pandemia, nós não poderíamos gravar no casarão como um todo, haja vista que o atual proprietário do shopping Higienópolis gostaria de ter a prerrogativa de mostrá-lo por inteiro antes do documentário. A estreia caberia a eles”. Então as lacunas do projeto se transformam em estratégias de criação. “Nesse sentido eu diria que a pandemia é umas das presenças desse documentário sobre tantas ausências como as que nos cotejamos”, afirma ela. Não por acaso, o documentário é entremeado por uma série de blackouts, que são os lugares pelos quais Giselle e Ilê não circularam na casa, dando ao trabalho um aspecto muito simbólico.

“Então, em síntese, o documentário permite refletir não só sobre alguns aspectos da história do Estado e da cidade de São Paulo, os seus processos de patrimonialização, mas também se abre para essas grandes áreas de pesquisa em que tanto eu como o Ilê Sartuzi estamos diretamente envolvidos na nossa produção artística, que, em última instância, é uma produção de pensamento”, conclui a professora Giselle.


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