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Crianças e adolescentes com lúpus eritematoso sistêmico devem ter cuidado personalizado
Pesquisadores destacam avanços no tratamento personalizado e abordagens direcionadas a metas para minimizar danos e melhorar qualidade de vida dos pacientes

Em fevereiro, a cor roxa simboliza a atenção a doenças crônicas como o lúpus, doença autoimune multissistêmica em que, por uma razão desconhecida, o organismo passa a não reconhecer suas próprias células e produz anticorpos contra elas. Nesse contexto, o lúpus eritematoso sistêmico juvenil, doença rara que afeta crianças e adolescentes, apresenta desafios significativos devido à ampla gama de manifestações clínicas e laboratoriais que demandam uma abordagem específica para cada paciente.
Um recente trabalho da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) destaca atualizações importantes sobre o cuidado dessas crianças e adolescentes e reforçam novas estratégias terapêuticas, como o tratamento direcionado a metas (T2T). Em uma revisão narrativa, os pesquisadores também apontam os desafios no avanço do diagnóstico e no tratamento dessa condição complexa, rara e crônica.
Segundo Clovis Artur Almeida da Silva, professor de Pediatria da FMUSP e autor do artigo publicado na Current Opinion in Rheumatology, na faixa etária pediátrica, a doença pode atingir qualquer órgão ou sistema, com maior frequência nos rins, articulações e pele. “É uma doença muito complexa, com manifestações que vão desde sintomas leves, como manchas na pele, até condições graves, como inflamações renais e neurológicas”, explica.

Reduzindo danos cumulativos
Com o objetivo de oferecer melhores desfechos clínicos, a abordagem de tratamento direcionado a metas (T2T – Treat To Target) tem ganhado destaque. Essa estratégia busca alcançar um estado de baixa atividade da doença (LLDAS – Lupus low disease activity state) com baixas doses de medicamentos para reduzir danos cumulativos ao longo do tempo. O tratamento é ajustado de forma contínua com base em avaliações clínicas e laboratoriais, buscando manter a doença sob controle com a menor toxicidade possível, priorizando a menor dose eficaz. Essa estratégia pode melhorar a qualidade de vida dos pacientes e também reduzir complicações a longo prazo, como danos renais e cardiovasculares.
“O lúpus é uma doença que exige atenção integral ao paciente. Cada criança ou adolescente é único e precisa de um tratamento adaptado às características individuais” (Clovis Artur Almeida da Silva)
Além do avanço no entendimento da doença, dados transcriptômicos e proteômicos são outras importantes ferramentas promissoras para tratamentos mais eficazes. Esses, referem-se, respectivamente, ao conjunto de RNA mensageiro expresso pelas células e às proteínas produzidas no organismo. Sua análise permite identificar padrões biológicos específicos da doença, auxiliando na personalização do tratamento ao prever respostas terapêuticas e ajustar intervenções de forma mais precisa. “Não é uma abordagem única para todos, mas sim adaptada ao perfil de cada criança e adolescente”, enfatiza Silva.

Desafios no diagnóstico e tratamento
O diagnóstico do lúpus eritematoso sistêmico juvenil pode ser desafiador, especialmente nos estágios iniciais da doença. Segundo o professor, a variabilidade dos sintomas é um dos principais obstáculos. “O lúpus pode se manifestar de forma muito ampla. Isso pode atrasar o diagnóstico, especialmente em crianças mais novas, onde os sinais podem parecer como por exemplo uma doença infecciosa ou mesmo erro inato da imunidade”, detalha o pesquisador.
Um dos esforços para melhorar o diagnóstico no mundo são os das Clínicas Colaborativas de Lúpus Sistêmico (SLICC), uma organização internacional no cuidado às pessoas com a doença, que pesquisa e desenvolve estratégias para essa condição. “Uma recente meta-análise evidenciou que os critérios do SLICC de 2012 foram os melhores para classificar lúpus eritematoso sistêmico juvenil. Esses critérios ajudam a identificar os casos com maior assertividade, mas ainda precisamos de mais estudos para otimizar o diagnóstico particularmente em crianças lactentes e pré-escolares”, pontua.
No Brasil, o acesso a tratamentos do lúpus eritematoso sistêmico juvenil de alta complexidade no Sistema Único de Saúde (SUS) é habitualmente limitado a centros terciários (hospitais e centros de atenção de grande porte), mas o médico elogia o sistema. “A pessoa consegue fazer o tratamento no SUS. Temos boa disponibilidade de medicamentos, como corticoides, antimaláricos e imunossupressores. Só os tratamentos novos e mais avançados, como os imunobiológicos e pequenas moléculas, ainda são desafios na disponibilidade uniforme no País”, destaca o professor.
Além disso, os adolescentes com lúpus enfrentam desafios específicos no acompanhamento da doença. “Na adolescência, muitos pacientes negligenciam o uso de medicamentos ou deixam de comparecer às consultas, o que pode piorar o quadro e levar a complicações graves. É essencial que as equipes de saúde trabalhem para engajar esses jovens e suas famílias no cuidado contínuo”, reforça. Outra questão desafiante é o início da vida sexual e o uso de preservativos e contraceptivos para evitar infecções sexualmente transmissíveis (IST’s) e gravidez indesejada, que representam risco aos pacientes com sistema imunológico desregulado.

Novos tratamentos e educação
A evolução no cuidado de pessoas com lúpus eritematoso sistêmico juvenil passa por novas terapias e também por uma melhor educação dos pacientes e suas famílias. Avanços recentes incluem a utilização de imunobiológicos que têm demonstrado eficácia em casos graves ou refratários (sem resposta efetiva ao tratamento). Esses medicamentos atuam diretamente no sistema imunológico e ajudam a modular a resposta inflamatória do corpo, de maneira que não seja suprimida nem tampouco exacerbada. Ainda, o uso de medicamentos como inibidores de proteassoma, complexo proteico com função de degradar proteínas danificadas ou desnecessárias em todas as células, como o bortezomibe, é uma alternativa para manifestações neuropsiquiátricas graves.
Esses tratamentos destacam-se por reduzir o uso de corticoides em altas doses, como a prednisona, diminuindo os efeitos colaterais e contribuindo para melhores desfechos clínicos. Apesar da droga reduzir a inflamação nos tecidos e órgãos afetados pela doença, o uso prolongado ou em altas doses de corticoides pode causar eventos adversos significativos como ganho de peso, osteoporose, hipertensão arterial, aumento do risco de infecções e impacto no crescimento.
No entanto, a adesão ao tratamento permanece um dos maiores desafios, especialmente entre adolescentes com lúpus. Segundo o professor, a falta de adesão pode estar associada a dificuldades emocionais, como ansiedade e baixa resiliência. Por isso, estratégias educacionais que promovam o autocuidado e a compreensão da doença tornam-se essenciais.
“O acolhimento integral e a orientação da família são fundamentais para que o paciente se sinta motivado e engajado com o tratamento”, orienta Silva.
A educação sobre o impacto de fatores externos, como exposição ao sol, ISTs e vacinação, é crucial. Pacientes e familiares devem ser instruídos sobre a importância do uso regular de protetor solar, dieta adequada e controle do peso, especialmente em casos que envolvam terapia prolongada com corticoides. “Com os avanços no diagnóstico e tratamento, é possível oferecer um melhor prognóstico para crianças e adolescentes com lúpus”, afirma o médico.
Ele conta exemplos de pacientes que acompanha desde a adolescência e hoje são alunos da USP. “O maior desafio é garantir que eles tenham acesso a esses recursos e, principalmente, que não percam os sonhos e perspectivas para o futuro. Esses jovens podem se tornar adultos produtivos, realizar seus objetivos e viver plenamente”, diz.
O artigo Updates in the care and management of children and adolescents with systemic lupus erythematosus está disponível on-line e pode ser lido aqui.
Estagiário com orientação de Luiza Caires
Para mais informações: clovis.silva@hc.fm.usp.br, com Clovis Artur Almeida da Silva

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