Esta semana estou nos Estados Unidos e vou a Boston, Cambridge, para participar de um seminário internacional no MIT, na Faculdade de Arquitetura, cujo tema são os térreos urbanos – rédeville, em francês, porque originalmente foi organizado por um urbanista francês chamado David Mangin, que está baseado neste momento lá no Massachusetts Institute of Technology. Então, esse conjunto de reflexões é para pensar justamente nesse tema tão caro ao urbanismo, que é o uso dos pisos térreos, tão cativante em cidades europeias e também norte-americanas, como Nova York, onde quase sempre existem térreos comerciais, pequenas vendas, um comércio vivo de rua, que torna a calçada um espaço muito agradável e muito atraente para o pedestre, coisa que, nós sabemos, é muito complicada em cidades brasileiras, como São Paulo, onde os térreos urbanos acabam desertificados pela falta de urbanidade acarretada pela presença de grandes avenidas e também pelo não incentivo à existência de comércios nos andares externos.
Ao contrário, temos o fechamento do andar térreo por grades, por cercas elétricas, por paranoias de segurança. Então, há aí uma contradição. Embora o Brasil seja um país com uma riquíssima tradição arquitetônica e urbanística, inclusive o país que construiu Brasília, nós temos essa falta muito grande no próprio conceito de espaço público, dado que as nossas cidades acabam sendo construídas muito mais para o automóvel do que para o pedestre.
O meu argumento a ser defendido nesse seminário é uma ideia que foi criada junto com Fernando Serapião, alguns anos atrás, para uma grande exposição na Casa da Arquitetura de Portugal sobre arquitetura brasileira e que nós chamamos de infinito vão. A ideia ali foi pensar essa tradição que existe na nossa arquitetura de construir edifícios com grandes vãos, edifícios que flutuam, que se suspendem do chão, que se soltam e que quase querem voar, deixando o solo térreo urbano livre como espaço público. Isto é, um terreno privado que acaba oferecendo o seu piso térreo para a cidade como uma extensão da calçada. Um caso paradigmático é o Masp, na Avenida Paulista, da Lina Bo Bardi, o Belvedere Trianon. O vão livre do Masp acaba sendo, como nós sabemos, talvez o espaço público mais bem-sucedido de São Paulo, onde acontecem eventos culturais, shows e manifestações políticas das mais variadas.
Então, a consciência de uma arquitetura construída numa cidade com pouca tradição de espaço público, que acaba por aquilo que pode ser lido como um formalismo, você construir poucos pilares, fazer um espaço gigante entre eles, um esforço estrutural muito grande, mas tudo isso para construir uma linguagem formal, mas também uma noção de espaço público, uma possibilidade de abrir um espaço vazio e oferecer à coletividade. Esse é o sentido de generosidade da nossa arquitetura moderna e que é a sua essência urbanística.
Espaço em Obra
A coluna Espaço em Obra, com o professor Guilherme Wisnik, vai ao ar quinzenalmente quinta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.
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