Retirada de tropas norte-americanas do Afeganistão não significa fim de conflitos na região

Caso o Talibã volte a dominar o país e novas organizações criminosas ascendam na região, os EUA podem intervir novamente no Afeganistão, diz o professor Felipe Loureiro

 06/05/2021 - Publicado há 3 anos
Por
O acordo para garantir a retirada das tropas exige que o governo do Talibã não permita a ascensão de células terroristas no país e incorpore uma democracia com apoio dos EUA – Foto: Jonathan Simcoe/Unsplash

O anúncio da retirada de tropas norte-americanas do Afeganistão é um marco nos primeiros cem dias da gestão do presidente Joe Biden nos Estados Unidos. O objetivo é dar fim à guerra do Afeganistão, que é o conflito armado mais longo da história dos Estados Unidos. A retirada das tropas teve início no dia 1º de maio e vai até o dia 11 de setembro de 2021. A data foi escolhida simbolicamente, porque marca os 20 anos dos ataques terroristas cometidos pela organização fundamentalista islâmica Al-Qaeda contra as Torres Gêmeas, e o Pentágono, sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

O conflito no Afeganistão foi motivado pelos ataques terroristas. O intuito do governo americano foi acabar com as células da Al-Qaeda no país, diminuir o poder do governo do Talibã e instalar a democracia por meio de um governo de coalizão. Quem explica é o professor Felipe Loureiro, do Instituto de Relações Internacionais da USP: “O governo do George Bush Filho, no final de 2001, iniciou o ataque ao Afeganistão para derrubar o governo do Talibã, tirar a Al Qaeda da região e, com isso, impedir no médio e no longo prazo novos ataques terroristas contra os EUA”.

Conforme Loureiro, a decisão do presidente Biden, apesar de importante e marcante em sua gestão, já havia sido prevista por governos anteriores. O ex-presidente Donald Trump foi o responsável por negociar, em 2020, a retirada das tropas norte-americanas para o dia 1º de maio deste ano: “É importante contextualizar essa retirada porque foi negociada pelo governo Trump. Deveria acontecer no dia 1º de maio de 2021 e o governo Biden, até simbolicamente por causa dos ataques de 11 de setembro, colocou como data limite dessa retirada 11 de setembro de 2021”. O acordo para garantir a retirada das tropas exige que o governo do Talibã não permita a ascensão de células terroristas no país e incorpore uma democracia com apoio dos EUA, mas essa condição não está sendo cumprida pelos líderes afegãos: “Nenhuma dessas duas condições está avançando significativamente. Há células da Al-Qaeda e do Estado Islâmico que atuam dentro do Afeganistão. Portanto, não há nenhuma garantia de que esses grupos terroristas não continuem atuando no Afeganistão quando as tropas dos EUA saírem”.

A retirada das tropas norte-americanas não representa de fato o fim do conflito. Caso o Talibã centralize o comando do país e permita a ascensão de organizações terroristas, os EUA poderão intervir na política do Afeganistão novamente, como alerta o professor: “Se, com a  saída das tropas norte-americanas, o Talibã conseguir o poder completo do país, e, se ao obter poder, permitir novamente com que grupos terroristas islâmicos se organizem e se baseiem no país, muito provavelmente vai ter uma escalada de tensões e nada indica que os EUA não possam intervir novamente no futuro da região”.

A guerra do Afeganistão gerou consequências para aquele país, tanto físicas e econômicas quanto culturais. A destruição física da região foi significativa e, paralelamente, um governo de coalizão foi instalado para assegurar a democracia e liberalizou alguns costumes, antes proibidos pelo governo do Talibã: “A guerra teve impacto humano e físico gigantesco, não apenas em número de mortos, mas a destruição que a guerra trouxe para o país foi bastante significativa. O governo que os EUA instalaram no Afeganistão permitiu, nas regiões onde esse governo controla, algum tipo de liberalização de costumes, de garantia de liberdades civis, algo não existente na época do Talibã”.


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar é uma parceria da Rádio USP com a Escola Politécnica e o Instituto de Estudos Avançados. No ar, pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h e às 16h45. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.