Arte de Antoni Muntadas questiona o papel da universidade hoje

Exposição “About Academia” será aberta nesta sexta-feira, dia 30, com o debate “Que Universidade Queremos?”

 28/04/2021 - Publicado há 3 anos
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About Academia, videoinstalação do artista espanhol Antoni Muntadas, discute através da arte o papel e a função da universidade – Foto: Divulgação/About Academia

 

O artista Antoni Muntadas – Foto: Andrea Nacach

A obra About Academia I-II: Interpretação Online, 2011-2017, criada neste ano pelo artista multimídia espanhol Antoni Muntadas, provoca uma reflexão por meio da arte sobre o sistema acadêmico e universitário dos Estados Unidos através de dois conjuntos de projeções, que contam com entrevistas realizadas pelo artista com professores e alunos. Originalmente apresentado no Carpenter Center for the Visual Arts, a convite da Universidade de Harvard, durante o último período de ensino de Muntadas no programa Arte, Cultura e Tecnologia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em 2011, o projeto já esteve em Boston, Vancouver, Amsterdã e Sevilha. Agora chega ao Brasil em uma parceria entre o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, o Fórum Permanente da USP e a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM), também da USP, com o apoio do governo do Estado de São Paulo e da Secretaria de Cultura e Economia Criativa através do Programa de Ação Cultural (Proac).

A versão brasileira traz uma interpretação on-line criada pelo próprio artista, que vai ao ar nesta sexta-feira, dia 30, às 14 horas, no site da videoinstalação. Na abertura do evento, acontece a mesa-redonda Que Universidade Queremos? e ao longo da mostra ainda serão realizadas outras duas mesas-redondas: Intercontinental Academia e Universidade e Contexto. As discussões propostas por Muntadas têm a intenção de contextualizar os conflitos e dificuldades próprias do sistema universitário brasileiro.

Na videoinstalação, serão lançadas também duas publicações, com as transcrições completas das falas dos entrevistados, entre eles Noam Chomsky (linguista, filósofo, sociólogo, cientista e ativista político), David Harvey (teórico em estudos urbanos) e Ute Meta Bauer (curadora e professora do curso de Arte, Cultura e Tecnologia do MIT), além de estudantes. Todos os materiais são bilíngues (espanhol-português), sendo que o site da exposição está em inglês, com legendas em português e espanhol.

Na videoinstalação, serão lançadas também duas publicações, com as transcrições completas das falas dos entrevistados – Foto: Divulgação/About Academia

 

“A exposição se junta a uma preocupação que também é política”, afirma o professor Martin Grossmann, do IEA, um dos organizadores da mostra, justificando que a obra de Muntadas considera o possível conflito entre uma faculdade (e seus valores) e uma administração (e seu poder).  E onde está a arte?, questiona Grossmann. Ele mesmo responde: “Geralmente ela é vista através do mundo da estética ou relacionada a eventos, mas a arte não tem esse papel, principalmente dentro da universidade”. Tanto para Grossmann quanto para Muntadas, a forma de conhecimento gerada pela arte possui equivalência aos conhecimentos científicos. “Os artistas formados na universidade estão embasados em pesquisas, são artistas-pesquisadores”, afirma. E continua: “Muntadas não só transita muito bem na arte contemporânea global, mas também é um artista e professor-pesquisador que pensa o papel da arte dentro da universidade”.

Com ateliês em Barcelona e Nova York, Muntadas, aos 79 anos de idade, tem levado sua arte para o mundo. “É um artista nômade”, como define Grossmann, que vem acompanhando o trabalho de Muntadas desde a virada do século passado. “No About Academia I, 2011, ele entrevista renomados intelectuais de universidades de Boston, Cambridge e Nova York. Em 2017, ele realiza o About Academia II, e nesse caso entrevista o alunato, na maior parte alunos de pós-graduação”, explica Grossmann. O artista, segundo o curador, propõe uma série de perguntas sobre a relação entre universidade e academia, entre público e privado, como a universidade se organiza e se é uma instituição ou uma corporação. “São perguntas que funcionam como uma autocrítica”, completa, acrescentando que a arte é muito poderosa nesse aspecto.

“Que universidade queremos?”

O projeto prevê mesas-redondas para contextualizar o conceito lançado pela exposição. Segundo Grossmann, a correspondência está no fato de que devemos repensar a universidade. “O presente já é muito diferente do que tínhamos há um ano. Práticas e modos de operação mudaram”, comenta. Mas, como ele diz, a universidade é secular, resiliente, sobrevive a guerras e governos, mas tem suas idiossincrasias. Esse é o contexto que será discutido na primeira mesa-redonda, Que Universidade Queremos?, na abertura do projeto, nesta sexta-feira, dia 30, às 14 horas.

O professor Martin Grossmann – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A mesa vai reunir, além do artista e de Grossmann como moderador, o antropólogo e filósofo Néstor Garcia Canclini, atual titular da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência do IEA, e a educadora e ativista sociocultural Eliana Souza Silva, titular da mesma cátedra em 2018, que atua em áreas relacionadas a movimentos sociais, favela, educação comunitária e trabalho comunitário e que “vê a periferia como potência”, nas palavras de Grossmann.

Também na mesa estará Macaé Evaristo, educadora e ex-secretária estadual de Minas Gerais. Foi a primeira mulher negra a ocupar os cargos de secretária municipal (2005 a 2012) e estadual (2015 a 2018) de Educação. Em 2013 e 2014, foi titular da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação e também coordenou programas como a implantação de escolas indígenas, a Escola Integral em Minas Gerais, a Escola Integrada em Belo Horizonte e as cotas para ingresso de estudantes de escolas públicas, negros e indígenas no ensino superior, quando esteve no Ministério da Educação, atuando em prol da inclusão educacional e da valorização dos professores.

Outro integrante da mesa será Ailton Krenak, ambientalista e um dos maiores líderes indígenas brasileiros, com reconhecimento internacional. Como diz Grossmann, Krenak vem fazendo discursos “bastante realistas”, por exemplo, quando afirmou, num evento no IEA, que “o Brasil não foi descoberto, mas houve sim uma invasão”. Grossmann destaca ainda a importância do ambientalista no encontro realizado recentemente pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que coloca em evidência o fato de o Brasil ter papel fundamental na preservação ambiental do planeta. Segundo Grossmann, “Krenak é, certamente, um dos grandes líderes, não só da causa indígena, mas da questão ambientalista”. O professor ainda lembra quando Krenak protagonizou uma das cenas mais marcantes da Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, em discurso na tribuna, ao pintar o rosto com a tinta preta do jenipapo, em protesto contra o que considerava um retrocesso na luta pelos direitos dos índios brasileiros.

Academia, contexto e mundo

No dia 10 de maio, serão realizadas duas outras mesas-redondas, que integram o projeto About AcademiaUniversidade e Contexto e Intercontinental Academia. Para Grossmann, elas  são complementares. “Enquanto uma discute o contexto da universidade através de um olhar crítico, em contraponto, a segunda mesa ainda acredita na universalidade da universidade.”

Das 9 às 12 horas, Intercontinental Academia terá como destaque os convidados internacionais Nikki Moore, historiadora da arte da Wake Forest University (Estados Unidos), David Gange, historiador da Birmingham University (Inglaterra), Julia Buenaventura, historiadora da arte da Universidad de los Andes (Colômbia), e Mariko Murata, teórica da Media e Museus da Kansai University (Japão), além da brasileira Érica Peçanha, antropóloga e crítica literária do IEA. Grossmann, também moderador da mesa, informa que a discussão vai girar em torno do conceito de uma universidade que seja universal e que esteja ancorada no novo conceito de Academia Intercontinental – um projeto de cooperação acadêmica internacional e interdisciplinar no universo científico, gerado no âmbito da rede Ubias (University-Based Institutes for Advanced Study), formada por 34 Institutos de Estudos Avançados baseados em universidades. “A configuração dessa mesa olha para o mundo”, diz.

Foto: Divulgação/About Academia

 

No mesmo dia, das 13h30 às 16 horas, a mesa Universidade e Contexto terá como objetivo principal pensar a universidade no Brasil,. O moderador será o professor da USP e ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro. A mesa reúne Naomar de Almeida Filho, epidemiologista, titular da Cátedra de Educação Básica do IEA e ex-reitor da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Federal do Sul da Bahia. Esta última, uma das mais novas universidades federais do Brasil, como conta Grossmann, está numa região desprovida de ensino superior, entre as capitais de Salvador, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, e traz o conceito de inclusão, com índios como alunos, além de outras culturas e outros saberes. Ainda participam da mesa Helena Nader (biomédica e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências), “diplomata que advoga pela universidade pública e muito articulada com os governos e organismos”, nas palavras de Grossmann, e Guilherme Wisnik, arquiteto, curador e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, “que tem se destacado pelo seu modo de pensar e ver o papel da arte, com um diálogo com a arte contemporânea e atuação na cidade”.

A exposição About Academia I-II: Interpretação Online, 2011-2017 (2021), de Antoni Muntadas, será inaugurada nesta sexta-feira, dia 30, às 14 horas, com a mesa-redonda Que Universidade Queremos?. A temporada vai até 31 de outubro. Mais informações estão disponíveis no site do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.  


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