Depoimentos de ativistas ajudam a identificar terceira onda do feminismo

Artigo mostra que trajetória do País foi assinalada por duas ondas feministas e investiga a existência da terceira

 24/09/2018 - Publicado há 6 anos

 

Foto: StockSnap via Pixabay – CC

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Os movimentos feministas surgiram a partir das primeiras décadas do século 20, com as organizações dos chamados coletivos. Estes se pautavam basicamente, nessas primeiras lutas, pelas reivindicações do direito ao voto das mulheres. Nestes grupos, Bertha Lutz, bióloga e cientista, é o símbolo do engajamento. Keli Rocha Silva Mota, em artigo da revista Extraprensa, identifica que a trajetória do País foi marcada por duas ondas feministas. Procurando entender o que difere a luta feminista de hoje das ondas anteriores ela investiga se existe, de fato, um novo momento histórico, social e cultural no País, ou seja, uma “terceira onda”.

Para tanto, foram realizadas entrevistas com três militantes da capital paulista, ponto de partida para uma pesquisa que mostra a presença de novos tipos de organizações feministas, com a evidente predominância de mulheres jovens. Hoje, as militantes feministas contestam valores e imposições da família, da igreja, da escola, da mídia hegemônica, da ordem jurídica, dos vínculos trabalhistas, com o objetivo de combater a violência física, psíquica e emocional, e reivindicar a igualdade com os homens, seja nos aspectos trabalhistas, seja em uma “maior participação no cenário político de decisões públicas, dentre outras lutas que prezam a equidade das relações de gênero”.

Além disso, de acordo com a autora, os movimentos feministas atuais são marcados por um importante diferencial: a presença de mulheres muito jovens que dispõem da “interatividade virtual (redes sociais, blogs)”. Nesse contexto, lança-se a questão: podemos afirmar que estamos assistindo a “uma terceira onda feminista no Brasil?” Se sim, o desafio é que essa nova onda também abranja “a politização a outras mulheres, das mais variadas faixas etárias e condições socioeconômicas”.

Ao entrevistar três mulheres de diferentes gerações, Keli Mota conta um pouco da história dos primeiros passos do feminismo no Brasil. Primeiro, com a fundação da União de Mulheres do Município de São Paulo, com quase 38 anos de existência, por Maria Amélia de Almeida Teles. Já o Coletivo Feminista Yabá, que existe há sete anos, foi fundado pela militante Fernanda Rangel Monteiro Lobato, sendo composto de estudantes da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica e apoiado na visão marxista da luta de classes. Por fim, o coletivo Nós, Mulheres da Periferia, iniciado em 2013 por Regiany Silva de Freitas, tinha o intuito inicial de “produzir jornalismo sobre a periferia”, mas depois se reconheceu “como parte do movimento feminista”.

O artigo discute e analisa as características, os avanços e as limitações do ativismo contemporâneo, passo, no entendimento de Keli Mota, essencial “para a compreensão das dinâmicas dos movimentos sociais, fundamentais para as transformações históricas, sociais, culturais e políticas brasileiras”. A autora faz uma analogia entre o movimento das ondas do mar causado pelos ventos: “Quanto maior a velocidade, maior será a força da onda, mas mesmo que o vento pare, ela continua a avançar até chegar à areia”. Dessa forma, o termo “onda” mostra a periodização do movimento feminista, ressaltando que as mais acirradas manifestações e reivindicações de direitos são provocadas pela violação dos direitos humanos, políticos, sociais e sexuais das mulheres.

Os depoimentos confirmam a passagem do “feminismo bem‐comportado” ao “feminismo malcriado”, com os anos 1970 marcados pela segunda onda, em que os movimentos discutiam questões coletivas, como também as relações de poder em um sistema patriarcal, cujo foco não era somente a “clássica dominação de classe, mas a dominação do homem sobre a mulher.” Reivindicações como liberdade sexual, entre outras, foram motivadas pela luta contra o regime militar e pela reabertura democrática do País. Graças às ondas anteriores, as mulheres conquistaram direitos como “licença‐maternidade; criminalização do assédio sexual nas relações de trabalho; alteração no Código Civil […] Lei Maria da Penha; Lei do Feminicídio; e legalização do aborto para casos de anencefalia”.

Hoje se observa que o feminismo conta com a presença de grupos que eram desconsiderados, “mulheres que antes estavam restritas a espaços historicamente excluídos da discussão, como nas regiões periféricas, pobres e negras da capital paulista”. Estamos em um novo momento de pautas antigas, pois persistem a desigualdade salarial, a precária representação feminina no âmbito político e a “violência simbólica, doméstica e pública […] Em resumo, as necessidades impostas hoje são fundamentalmente históricas”. Esse novo momento denominado como “onda” é o “parâmetro didático para melhor compreensão de um período histórico, social e político”, de acordo com a autora. Para ela é inegável, apesar de tudo, a influência dos diferenciais, apontados anteriormente, dessa terceira onda, “que se alastra como um sopro veloz e durável do vento na superfície do mar”.

Keli Rocha Silva Mota é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP

MOTA, Keli Rocha Silva. Feminismo contemporâneo: como ativistas de São Paulo compreendem uma terceira onda do movimento no país. Extraprensa, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 108-127, dez. 2017. ISSN: 2236-3467. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/extraprensa2017.139729. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/139729/137419>. Acesso em: 13 maio 2018.

Margareth Artur / Portal de Revistas da USP


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