Produção de cacau mundial enfrenta crise e um dos fatores é o climático

Flávio Gandara discorre sobre os problemas climáticos e econômicos que estão afetando o cultivo do fruto e como isso atingirá os consumidores

 Publicado: 22/05/2024
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O preço pago pelo cacau é muito baixo e, consequentemente, os pequenos produtores do fruto não conseguem ter recursos financeiros para investir na melhoria do cultivo – Foto: Freepik
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A produção mundial de cacau está enfrentando uma grave crise e países africanos como Costa do Marfim, Gana, Camarões e Nigéria, responsáveis por 75% da produção mundial do fruto, podem ter seus estoques reduzidos para o nível mais baixo desde a década de 70, ao passo em que a demanda pelo fruto vem superando sua oferta, alguns corretores de cacau alertam para as dificuldades de encontrar grãos nos armazéns, os quais podem estar operando com estocagem mínima.

Além disso, o cultivo no Brasil também foi afetado e a Bahia teve enormes áreas de plantação dizimadas por pragas e condições climáticas adversas. O professor Flávio Gandara, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo, analisa as causas dessa queda de produção e os reflexos que a situação pode gerar para os consumidores de chocolate.

Conforme o professor, o continente africano vem sendo atingido por uma variedade de mudanças climáticas e as plantações de cacau são muito sensíveis a essas alterações; portanto, as intensas chuvas seguidas por períodos de altas temperaturas e secas representam sérios agravos para os cacaueiros, os quais são as árvores responsáveis pela produção desse fruto. Ademais, Gandara conta que a cacauicultura é caracterizada pela baixa tecnologia, pequenos produtores e manejo agrícola pouco adequado, o que torna as plantações mais suscetíveis a pragas e doenças que destroem os frutos.

Preço baixo

Flávio Gandara – Foto: ResearchGate

De acordo com o docente, os fatores econômicos também contribuem para a diminuição no cultivo. Ele conta que o preço pago pelo cacau é muito baixo e, consequentemente, os pequenos produtores do fruto não conseguem ter recursos financeiros para investir na melhoria do cultivo e controle de pragas, bem como aprimorar seu acesso às técnicas agrícolas mais adequadas. “Pagar barato no chocolate é legal, mas isso pode acabar prejudicando toda essa cadeia, já que o produtor não tem dinheiro para investir na prevenção e controle da sua plantação, então o próprio preço baixo do cacau é um fator que atrapalha esse cultivo. Sendo assim, podemos dizer então que é um conjunto de razões interligadas em que uma é potencializada pela outra nessa crise mundial”, analisa. 

Segundo o especialista, os motivos que afetam a produção de cacau em solo nacional são semelhantes aos da África. Contudo, o território brasileiro, principalmente na Bahia, foi atingido por uma praga chamada vassoura-de-bruxa (Crinipellis perniciosa), que destruiu os cacaueiros do local e alterou todo o sistema de produção na região Nordeste, o qual ainda não retornou aos níveis anteriores à praga.

Em contrapartida, a região Norte tem aumentado seu nível de produção e o Estado do Pará substituiu a lacuna deixada pela Bahia nesse cultivo. Entretanto, Gandara reforça que, na questão da tecnologia e das práticas agrícolas, boa parte da cacauicultura brasileira assemelha-se à africana e ainda utiliza sistemas de baixa tecnologia, então as plantações de cacau são pouco produtivas, já que não utilizam o manejo adequado, tampouco materiais genéticos de qualidade para gerar resistência às plantas.

“Mas já é observada uma melhoria nessa condição – na Bahia, muitos produtores estão incrementando essa tecnologia, principalmente após o advento da vassoura-de-bruxa. Existem também as entidades e organizações ambientais que estão estimulando os agricultores a seguirem o caminho do cultivo sustentável, com certificação de produção orgânica”, explica.

Impacto no chocolate

Conforme o docente, os consumidores vão observar nas prateleiras os reflexos da crise no cacau, pois os preços dos chocolates já estão aumentando em todo o mundo e a tendência é de que continuem altos por um certo período. Além disso, ele afirma que a disponibilidade e a variedade de chocolates vão ser afetadas, de modo que não sejam encontrados no mercado determinados produtos.

“A qualidade do chocolate também vai cair, o Brasil já é conhecido por não produzir um chocolate de muita qualidade e a tendência é isso piorar. Com a baixa disponibilidade de cacau, os produtores vão inserir nos chocolates uma série de matérias-primas que não são cacau, como as gorduras hidrogenadas, então a qualidade vai cair”, conta.

Para Flávio Gandara, apesar dos transtornos causados, a crise do cacau pode incentivar as autoridades e os professores a buscarem alternativas para solucionar os problemas evidenciados pela queda da produção. Segundo ele, os produtores podem seguir o exemplo da Bahia e investir em recursos tecnológicos para aprimorar a estrutura de plantio, amenizar os impactos climáticos e combater as pragas da natureza.

O docente conta que também são necessários incentivos econômicos para melhorar a infraestrutura do País, como na logística para escoamento da produção na região Norte, que ainda enfrenta muitas dificuldades. Ele também destaca a importância de linhas de crédito especial para assegurar o investimento a médio e a longo prazo dos agricultores nessa cacauicultura. “Essa é uma oportunidade para o País ocupar novamente o espaço de produção que já teve. O Brasil tem se destacado como um produtor de cacau de qualidade e vem mostrando que tem esse potencial, mas agora isso precisa ser devidamente explorado”, finaliza.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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