Dados do Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) mostram que 26% da população do Estado de São Paulo não frequentou nenhuma atividade cultural, seja cinema, shows, visitas a museus ou bibliotecas, em 2023. Essa taxa aumentou depois da pandemia, mas apresentou queda em relação ao ano passado: em 2019 era 21% da população e, em 2022, já chegava a 27%.
Os dados divulgados são detalhados por tipo de equipamento: 64% da população não foi ao cinema em 2023, 79% não frequentaram bibliotecas, 68% não foram a museus e 42% não compareceram a nenhum show ou espetáculo de música, dança, teatro, circo ou outras artes. Carla Daniela Rabelo Rodrigues, doutora em Ciências Comunicativas pela USP e especialista em produção cultural, explica melhor o resultado obtido pelo Seade.
De acordo com ela, a pandemia de covid-19 forçou as pessoas a adaptarem seu consumo cultural para a modalidade a distância, pela internet, e esse costume prevaleceu mesmo após o fim da calamidade pública: “O pós-pandemia deixou impregnado nas pessoas a ideia do mundo digital muito disponível e isso incrementou uma série de atividades culturais também nesse formato digital, no formato on-line. Isso foi também um costume que foi incorporado, saber ficar em casa,” expõe a pesquisadora.
Além disso, a especialista conta que a falta de equipamentos de cultura espalhados pelas zonas mais periféricas e interioranas do Estado também é um fator que contribui para que parte da população não frequente cinemas, teatros e outros espaços de difusão cultural: “Esse é um dos grandes temas na rubrica de estudos chamada de acesso à democratização da cultura. O transporte seria uma forma de viabilizar isso, mas não resolveria de imediato, porque, dependendo das distâncias, o que está faltando em termos de política pública para a cultura é o próprio equipamento cultural. A pessoa poder escolher e não ser obrigada a se deslocar porque só tem o Theatro Municipal no centro, ou a Sala São Paulo”, completa Carla.
A diferença entre os bairros
Renato Cymbalista é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Ele conta que a distribuição de equipamentos culturais na cidade de São Paulo tem uma relação íntima com a urbanização desigual da metrópole: “Um lugar da cidade como o Centro, a República ou Vila Buarque já está urbanizado e recebendo investimentos em teatro, cinema, salas de espetáculos e bibliotecas há 120, 150 anos. Muito diferente de um território na cidade que foi urbanizado há 20, 30 anos, de forma precária e irregular, que não sobrou espaço nem para o que é essencial”, argumenta.
Mas é preciso ter cuidado ao analisar os dispositivos culturais da cidade e do Estado, pois corremos o risco de considerar como cultura apenas o que já está formalizado. Atividades culturais que acontecem em espaços públicos muitas vezes são ignoradas nessas pesquisas sobre acesso a esses dispositivos formais de cultura. “Se cultura é só ir a uma exposição, ao teatro, cinema, ir na ópera, e o que revela se as pessoas têm ou não cultura são as declarações de ida a esses equipamentos, estamos trabalhando com uma concepção bastante burguesa e talvez conservadora de cultura. Jogar futebol no fim de semana também é cultura. Ir à igreja, participar de um coral também é cultura”, expõe o professor.
Outra problemática levantada é considerar como cultural apenas aquilo que é próprio do espaço urbano, como grandes shows ou grandes salas de cinema. O professor explica que os dispositivos de cultura são também muito importantes para cidades menos urbanizadas e regiões rurais: “A cultura que existe nesses espaços pode estar ligada a uma ideia de chamar turistas, pessoas de fora, para visitar os lugares do município. Mas, ao mesmo tempo, está também muito relacionada à capacidade das pessoas de valorizarem positivamente os recursos culturais que essas pequenas cidades têm”, finaliza Cymbalista.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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