O uso de RNA mensageiro em tratamentos é um campo em expansão na ciência

Com repercussão pelo seu uso em vacinas de covid-19, João Agostinho Machado Neto explica que o mRNA também pode auxiliar em terapias gênicas, na oncologia e na pesquisa biomédica

 15/05/2024 - Publicado há 2 meses
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A compreensão do funcionamento do RNA mensageiro ajudou a ciência a explicar como o fluxo da informação genética funciona e como as informações contidas no DNA são transmitidas – Foto: Spencerbdavis/Wikimedia Commons
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O uso de RNA mensageiro na ciência representou um dos maiores sinais de esperança contra a covid-19, já que a tecnologia foi usada na produção de algumas vacinas. Apesar de já ser estudada há décadas, a aplicação dessa tecnologia só teve repercussão mundial nesse cenário pandêmico. Desde então, novos estudos envolvendo o uso de RNA mensageiro foram e estão sendo feitos para produzir vacinas e tratamentos contra diversos tipos de doenças.

De acordo com João Agostinho Machado Neto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo, o RNA mensageiro — ou mRNA — é uma molécula de suma importância no processo de expressão gênica. “O RNA mensageiro funciona como intermediário entre o DNA, que contém as informações, as instruções genéticas e as proteínas, que é quem desempenha uma variedade de funções do nosso organismo”, comenta.

O docente explica que a compreensão do funcionamento do RNA mensageiro ajudou a ciência a explicar como o fluxo da informação genética funciona e como as informações contidas no DNA são transmitidas e traduzidas em características de um indivíduo, seja no contexto da saúde ou de doenças. Segundo ele, um processo importante do ácido nucleico durante as pesquisas é a sua etapa de transcrição — mecanismo pelo qual a informação contida no DNA é transmitida.

Principal uso na ciência

Machado Neto explica que as vacinas produzidas com essa tecnologia utilizam uma versão sintética do RNA mensageiro do vírus, que vai instruir as células humanas a produzir a proteína viral, além de treinar o sistema imunológico a reconhecê-la, capaz de desencadear uma resposta imune, semelhante a uma infecção real. No caso das vacinas contra a covid-19, o especialista explica que o RNA mensageiro é projetado para codificar a proteína Spike (S), do coronavírus sars-cov-2.

João Agostinho Machado Neto – Foto: Arquivo Pessoal

“O RNA mensageiro tem se mostrado uma ferramenta promissora e versátil para o desenvolvimento de vacinas e outros tratamentos por causa da sua capacidade única de instruir as células a produzirem proteínas específicas. Esse sucesso se deve, em parte, pela facilidade e rapidez de se produzir uma molécula de RNA mensageiro para os alvos de interesse”, afirma.

Apesar da sua repercussão no uso de vacinas, o professor conta que sua função na ciência vai muito além disso, devido à sua versatilidade. Dentre as suas outras possíveis aplicações, está o uso dessa tecnologia em terapias gênicas, nas quais o RNA mensageiro é modificado para corrigir mutações genéticas ou para codificar proteínas terapêuticas específicas e estimular a sua produção.

Além disso, Machado Neto cita a importância do mRNA em estudos de expressão genética, capaz de mostrar como os genes são expressos em diferentes condições e tipos de célula, podendo fornecer informações valiosas sobre o funcionamento do organismo humano e o desenvolvimento de doenças. “Assim, o RNA mensagem é uma ferramenta poderosa na ciência, com aplicação que vai desde o desenvolvimento de vacinas até a pesquisa biomédica”, complementa.

Outras aplicações e pesquisas

Na oncologia, o docente explica que há estudos sobre maneiras de usar o RNA mensageiro para induzir células do sistema imunológico a reconhecer e atacar as células cancerosas. Dessa forma, o mRNA ficaria responsável por codificar proteínas específicas — como os antígenos associados ao tumor, proteínas superexpressas em células tumorais, ou os neo-antígenos, encontradas apenas nessas células e resultantes de mutações —, além de codificar proteínas terapêuticas, com potencial de inibir o crescimento tumoral ou induzir a morte das células cancerosas.

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Fotomontagem com imagens de Pixabay e Wikimedia Commons.

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Na imunoterapia, que utiliza células T com receptor de antígeno quimérico (CAR-T), o uso do RNA mensageiro para expressão do antígeno quimérico é uma abordagem promissora para alguns tipos de câncer — ajudando a destruir até mesmo os tumores que não possuem um antígeno específico —, como afirma Machado Neto. “O RNA mensageiro tem potencial de revolucionar o tratamento do câncer, oferecendo abordagens terapêuticas inovadoras que explorem a capacidade das células de produzir proteínas específicas ou modular a expressão gênica de maneira precisa e direcionada para combater o crescimento e a disseminação dos tumores”, acrescenta.

O professor também conta sobre outros estudos clínicos terapêuticos, com diferentes áreas de atuação, como a produção de vacinas contra outras doenças infecciosas além da covid-19 (influenza, zika, HIV, entre outros), o tratamento de doenças genéticas (distrofia muscular de Duchenne e a anemia falciforme) e o tratamento de doenças autoimunes (artrite reumatoide e esclerose múltipla).

Sobre os estudos, o especialista cita a existência de 745 deles, sendo 12 envolvendo grupos de pesquisa brasileiros, com nove relacionados a vacinas para a covid-19, um sobre obesidade, um sobre infecção por HIV e vírus da hepatite-C, em que o mRNA é utilizado como um biomarcador, e um para pacientes oncológicos. O último trata de um ensaio clínico para o desenvolvimento e aplicação de uma vacina com células dendríticas autólogas, submetidas à eletroporação com mRNA do gene WT1. Essa terapia seria utilizada como adjuvante em tratamentos de neoplasias hematológicas e visa a retardar a progressão na doença ou sua recidiva, além de aumentar a sobrevida dos pacientes.

“Tendo em vista que o RNA mensageiro é uma molécula facilmente destruída em nosso organismo, as pesquisas buscam ferramentas cada vez mais eficazes, seguras e baratas para aumentar a estabilidade das tecnologias baseadas em mRNA. No paradigma atual, é difícil projetar quais doenças se beneficiarão das terapias baseadas em RNA mensageiro, mas certamente os números são animadores e esse campo, em plena expansão, poderá alterar o curso clínico de doenças que atualmente são um desafio para a ciência”, finaliza.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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