Blog
Terapia com vacinas de RNA mensageiro elimina tumores causados por vírus HPV em testes com animais
Resultado foi obtido em estudo com pesquisadores da USP e é passo importante para futuros testes em seres humanos
O estudo é descrito em artigo publicado na revista Science Translational Medicine em 3 de março. “O câncer de colo do útero provocado pelo vírus HPV tem alta prevalência em todo o mundo, porém causa um maior número de mortes em países em desenvolvimento, que possuem menos estrutura para diagnóstico e tratamento”, afirma ao Jornal da USP o professor do ICB Luís Carlos de Souza Ferreira, que coordenou a pesquisa em parceria com o professor Norbert Pardi, da Universidade da Pensilvânia. “No Brasil, são cerca de 5 mil mortes anuais por câncer de colo de útero, além dos casos de câncer colorretal, de cabeça e pescoço, também causados pelo HPV.” Ferreira coordena o Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas da USP e orientou a tese de doutorado de Jamile Ramos da Silva, que relata todas as etapas do estudo.
O professor explica que as vacinas de mRNA representam uma revolução tecnológica e empregam a informação genética do patógeno como princípio ativo. “De forma semelhante ao que foi feito para as vacinas contra covid-19, moléculas de mRNA são introduzidas em células do organismo que produzem a proteína que desencadeará as respostas imunológicas que conferem proteção para agentes infecciosos e para diferentes tipos de câncer”, relata. “Um avanço importante no estudo foi encapsular o mRNA com uma mistura de lipídios, permitindo que o mesmo chegue ao interior das células de nosso corpo.”
No estudo, realizado em camundongos, as vacinas baseadas em mRNA transportam informação genética que codifica o antígeno-alvo, uma proteína do HPV, que é o agente causador da doença. “Ao serem administradas nos animais, essa informação ativou células T citotóxicas capazes de reconhecer e destruir as células tumorais e conferir memória imunológica com capacidade de impedir recidivas do tumor”, descreve Ferreira. “Pela primeira vez, foram testadas três plataformas tecnológicas para o preparo de vacinas de mRNA que codificam para o mesmo antígeno-alvo e testadas no mesmo modelo experimental.”
Proteção
Todas as vacinas testadas forneceram proteção contra tumores que expressam oncoproteínas do HPV-16, o principal tipo de papilomavírus associado a tumores em seres humanos. “Um fato relevante é que as vacinas eliminaram tumores em estágio avançado de crescimento após a administração de apenas uma dose e em quantidade reduzida, minimizando as chances de reações inflamatórias e efeitos adversos associados ao tratamento”, afirma Souza Ferreira. “Os resultados foram muito superiores a estudos anteriores feitos pelo nosso grupo e em outros espalhados pelo mundo, e que empregaram vacinas baseadas em peptídeos, proteínas purificadas, vetores virais ou mesmo moléculas de DNA.”
“Outro avanço importante no desenvolvimento dos imunizantes foi a substituição de algumas bases nitrogenadas que compõem a molécula de RNA, de modo a reduzir a inflamação causada após a administração em nosso organismo, estratégia utilizada com sucesso nas vacinas contra o coronavírus”, aponta o professor. “No estudo que fizemos comparamos, pela primeira vez, três tipos de vacina de mRNA: uma baseada em moléculas de RNA com bases modificadas, incapazes de se multiplicarem no interior de nossas células, similar às usadas para covid-19; uma também com mRNA não replicante, mas sem mudança nas bases nitrogenadas; e uma com capacidade de se replicar, tecnologia ainda pouco utilizada nas pesquisas deste campo.”
De acordo com o professor, os resultados da pesquisa abrem perspectivas para uma nova geração de terapias antitumorais baseadas no princípio de imunização ativa. “A imunoterapia baseada em mRNA induz à resposta imunológica de forma ativa e não depende da aplicação sucessiva de moléculas ou células preparadas fora do nosso corpo, que têm custo elevado e efeitos adversos frequentes e graves”, aponta. “A abordagem vacinal para o tratamento de diferentes tipos de câncer poderá ser a nova fronteira da luta contra a doença e propiciará redução de custo, eliminação de efeitos adversos graves e conferir proteção duradoura, impedindo recidivas, ou seja, o retorno da doença.”
Souza Ferreira esclarece que um longo caminho precisa ser percorrido até que os testes clínicos de segurança e eficácia possam ser concluídos, sendo necessários parcerias com hospitais e investimentos expressivos para a produção da vacina em boas práticas de fabricação. “Nossa expectativa é que, por meio de parcerias com entidades públicas e privadas, possamos encontrar as condições necessárias para atingir a validação clínica da nova terapia antitumoral”, planeja. “De fato, isto vem sendo feito por meio de uma startup gerada na USP e de uma parceria com o Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), mas esperamos sensibilizar grandes empresas farmacêuticas, nacionais ou estrangeiras, para se unirem ao nosso time, do qual faz parte o grupo do professor Pardi nos Estados Unidos.”
A tese de doutorado de Jamile Ramos da Silva, do programa de pós-graduação do Departamento de Microbiologia do ICB, intitulada Vacinas baseadas em RNA mensageiro formuladas em nanopartículas lipídicas para tratamento de tumores induzidos pelo HPV-16, foi apresentada em dezembro de 2021 e vencedora do Prêmio Capes de Teses 2022 na categoria Ciências Biológicas III. A pesquisa envolveu etapas realizadas no Brasil e nos Estados Unidos, numa parceria com as empresas Acuitas, do Canadá, e Imunotera, originada no Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas da USP.
Mais informações: e-mail lscf@usp.br, com o professor Luís Carlos de Souza Ferreira
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.