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O chamado “mundo fitness” cresce como uma indústria bilionária, promovendo saúde e bem-estar como objetivos centrais. No entanto, para o professor Bruno Gualano, do Centro de Medicina do Estilo de Vida (CMEV) da Faculdade de Medicina (FM) da USP, é preciso analisar criticamente o que realmente é entregue por essa indústria. Ele explica que o “mundo fitness” se autodefine como um conjunto de práticas voltadas para saúde, estética e condicionamento físico, ligadas ao bem-estar. Porém, na prática, trata-se de uma indústria com mercado cujo foco é a venda de produtos e serviços, muitas vezes alheios às bases científicas.
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Os influenciadores digitais, que hoje são os grandes embaixadores desse universo, ampliaram o alcance dessas mensagens, mas com alguns problemas. “Existem estudos e dados que mostram com muita clareza que esses influencers fitness não estão ao lado da ciência. Por exemplo, quando a gente analisa os grandes influencers brasileiros, com mais de 100 mil seguidores no Instagram, a gente nota que a qualidade dos posts é muito ruim. Tem estudos que avaliaram isso sistematicamente, quanto mais seguidor o influencer tem, pior é a qualidade da informação que ele passa.”
Segundo o especialista, muitos desses profissionais promovem conteúdos que não se sustentam cientificamente, incentivando práticas que podem comprometer a saúde em vez de promovê-la. “Então é importante desmantelar essa ideia que o mundo fitness é o responsável por fazer com que a população tenha mais saúde e condicionamento físico; faça mais atividade física, se alimente melhor e tenha mais bem-estar. Não dá para deixar isso na mão de uma indústria, o mundo fitness é um produto neoliberal”, comenta.
Perigos e problemas
O professor também alerta para o perigo das mensagens que vinculam saúde ao sacrifício extremo ou a padrões inatingíveis. “Um dos lemas do mundo fitness é ‘no pain, no gain’, ou ‘sem dor, sem ganho’. Se não tem sacrifício, entrega e empreendedorismo de si próprio, o indivíduo não alcança o resultado que ele almeja. Isso gera uma série de transtornos de humor, imagem, transtornos nutricionais. Isso é saúde mental, qualidade de vida, muito pelo contrário. O mundo fitness, tal qual ele é configurado, não entrega saúde, às vezes entrega doença”, afirma. Além disso, ele critica o uso de estratégias como dietas restritivas, esteroides anabolizantes e intervenções estéticas promovidas como atalhos para o corpo ideal, muitas vezes sem transparência sobre seus riscos.
Para Gualano, outro grande problema do mundo fitness — talvez o mais importante — está na abordagem individualista, que desvia o foco da saúde coletiva. Ele defende que a promoção de bem-estar deve ser responsabilidade de políticas públicas, e não de uma indústria neoliberal que visa ao lucro. “O mundo fitness concentra a responsabilização do resultado no indivíduo e não no coletivo. Ele não está preocupado com a saúde pública, e sim com o indivíduo, sobretudo o indivíduo que compra os seus produtos, cursos e serviços. Quem estuda a área milita pela promoção de saúde e bem-estar para as populações. Isso tem a ver com a imagem que o mundo fitness entrega, mas não é verdadeiro”, argumenta.
Saúde
Ao contrário do que o marketing sugere, ter saúde não precisa ser caro ou exclusivo. Exercícios simples podem ser tão eficazes quanto treinos em academias sofisticadas. “A gente deve ter alternativas”, ressalta Gualano. Em um mundo saturado por informações conflitantes, o docente reforça a importância de se basear na ciência para decisões sobre saúde, já que a promoção de saúde vai além de músculos e suplementos; envolve qualidade de vida, acessibilidade e responsabilidade social.
Ele conclui: “Os governos têm a missão de ofertar e disponibilizar atividade física para as pessoas, não é tarefa do mundo fitness, que não está interessado em entregar de graça a saúde e o bem-estar. As academias, as lojas de suplementos e a indústria em geral não têm esse interesse específico, tampouco os influenciadores. O Estado tem essa função”.
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