A falta de segurança pública é um problema comum entre São Paulo e outras grandes metrópoles. Individualmente, a insegurança causa uma sensação de medo social, o que influencia não só os laços sociais, como também o comportamento dos indivíduos que atuam na sociedade. De acordo com Maria Fernanda Tourinho Peres, professora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina (FM) e coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Estudos sobre Violência e Saúde (Lieves), ambos da Universidade de São Paulo, o medo da violência é provocado pela invasão e rompimento com a integridade das pessoas, seja ela moral, psíquica, física, privada, sexual ou qualquer outra.
Os medos sociais podem diferir de acordo com as especificidades de cada indivíduo, como classe, gênero ou etnia — um exemplo que a especialista traz é justamente a questão do gênero, na qual as mulheres temem muito mais, no geral, uma invasão na esfera sexual do que os homens. Como consequência, ela alerta: “Viver em ambientes violentos, seja você uma vítima direta ou indireta dessa violência, está associado a quadros psiquiátricos e depressivos, além de transtornos ansiosos, fóbicos e de estresse pós-traumático. Isso já é consistente na literatura”.
Consequências sociais
Marcos César Alvarez, professor do Departamento de Sociologia na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), ambos da USP, explica que a experiência individual, somada aos fatores geográficos de cada local, como o ambiente urbano e a falta de infraestrutura, muda a percepção do medo. Apesar disso, ele entende que as representações e percepções que as pessoas têm também impactam o sentimento de insegurança, e não só a sua vivência prática e concreta, o que afeta a relação de confiança na sociedade.
Os efeitos da insegurança social vão desde problemas econômicos — muitas pessoas deixam de comprar produtos mais caros para não serem expostos — até questões relacionadas a termos de valores e de relações sociais. “Uma sociedade como a nossa está, há muito tempo, acostumada a altos índices de violência, crime e punição. Nós convivemos com isso como se fosse normal, então me parece que o essencial é desnaturalizar um pouco essas questões, pensar e agir de outra forma em relação a isso”, informa.
Para ele, a falta de segurança impede, inclusive, a garantia dos demais direitos sociais. Isso leva a uma busca por determinadas respostas em facções criminosas, ao invés de confiar e encaminhar seus problemas em instituições e autoridades estatais, ou mesmo por meio de movimentos sociais. O docente conclui: “Às vezes não precisa ter a experiência concreta, se alguém já ouvir todo mundo falar no seu bairro que não é possível confiar na polícia e nas instituições, que é muito caro ir na justiça e não vai dar em nada, tudo isso vai compondo a sua experiência. A ideia de confiança é fundamental, é um elemento central para a sociedade poder encaminhar seus problemas e questões, e vice-versa”.
Nesse contexto social, Alvarez declara que melhores indicadores de segurança não significam, necessariamente, que a sensação de insegurança irá diminuir. “As respostas podem mais alimentar o medo e a insegurança do que criar uma sociedade mais pacífica, que seja capaz de controlar minimamente a violência”, relata.
Mudanças de comportamento
Maria Fernanda afirma que alguns estudos mostram que o sentimento de insegurança e o medo produzem estratégias adaptativas de mudanças comportamentais nas pessoas. “Comportamentos de evitação, por exemplo, evitar andar em determinados lugares, sair de casa sozinho em determinados horários, olhar o celular na rua, mudar o itinerário em algumas situações”, completa.
A professora explica que essas mudanças comportamentais geram uma relação de desconfiança entre os indivíduos da sociedade, já que cada um pode ser um potencial agressor. Isso diminui o contato entre as pessoas, compromete os seus laços sociais e a vida em comunidade, além de gerar um afastamento da vida comunitária e do espaço público.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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