A relação entre pobreza e criminalidade tem sido um dos temas centrais nos debates sobre segurança pública nas grandes metrópoles. Segundo Marcelo Nery, doutor em Sociologia e coordenador de Transferência Tecnológica do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo, apesar de a percepção popular ser de que pobreza e violência estão diretamente ligadas, essa correlação nem sempre é tão clara quanto se imagina.
“Quando as pessoas pensam em crimes de violência, violação de direitos e imaginam uma relação direta e necessária entre esses elementos e pobreza, muitas vezes pensam que a melhor resposta é a mais simples. Só que normalmente encontrar uma resposta simples requer muito trabalho, e a relação entre crime, violência e violações de pobreza é uma tentativa de uma explicação rápida para um problema complexo”, acrescenta.
Pobreza é só renda?
Nery destaca que essa relação estabelecida com a pobreza, embora significativa, não é o único elemento em jogo. Ele argumenta que a criminalidade não pode ser explicada apenas pela falta de recursos financeiros ou pela desigualdade social, mesmo que essas informações sejam baseadas em evidências e levadas em consideração. “Quando você pensa que ‘existe relação entre renda e violência?’, isso é parcialmente verdade, ou seja, ela não funciona sempre em todas as circunstâncias e muitas vezes essa relação é até contrária. Existe a possibilidade de um lugar onde exista alto nível de pobreza e mesmo assim a violência seja baixa”, exemplifica.
O especialista ressalta que essa visão limitada ignora outros fatores igualmente importantes que influenciam a pobreza e a segurança pública. Além da renda, ele entende que a pobreza pode ser relacionada a questões habitacionais, sanitárias, energéticas, educacionais, familiares, sociais, comunitárias, infraestruturais, de acesso a serviços básicos e de densidade populacional. “Isso são apenas exemplos que mostram vários aspectos que estão nesse universo, que as pessoas resumem como pobreza, mas que só faz sentido pensar na relação com crime e violência quando você entende nesse sentido mais amplo.”
Como solucionar?
Esse cenário desafia a visão comum de que a melhoria das condições socioeconômicas automaticamente resulta em uma queda nos índices de violência. Para políticas públicas mais adequadas ao combate à criminalidade, Nery enfatiza a importância de diagnósticos detalhados e específicos para cada localidade. Ele defende que políticas públicas não podem ser generalizadas, já que cada região possui suas próprias particularidades. Além disso, reforça a importância de envolver a população no processo de elaboração e execução das políticas de segurança, garantindo que essas ações sejam compreendidas e aceitas pelos moradores.
“Além do diagnóstico, além de todo o trabalho de avaliação e identificação dos problemas, que estão relacionados tanto a aspectos gerais como locais, e que também impactam fatores individuais, depois de saber tudo isso, finalmente a gente está preparado para dar o primeiro passo. Falando dessa maneira, parece que eu estou apresentando impedimentos, mas não, é como as coisas podem e devem ser feitas”, explica.
Outro ponto levantado pelo sociólogo é o papel da tecnologia na segurança pública. De acordo com Nery, ferramentas tecnológicas podem, de fato, melhorar a eficiência das políticas, agilizando processos como coleta de dados, análise e comunicação com o público-alvo. Além disso, grande parte das políticas públicas de segurança é alvo de projetos piloto e a tecnologia pode ter um papel importante para a transformação dessas políticas para projetos de longo prazo, possibilitando maior avaliação e correção de rotas.
No entanto, alerta que, na área da segurança pública, a tecnologia apresentada como solução também pressupõe problemas. “Falta da claridade da informação, de viés do algoritmo, de preconceito, ou seja, várias coisas que estão presentes no senso comum. Muitas coisas que são respostas rápidas servem como base para que essas tecnologias sejam desenvolvidas, o que não resolve o problema”, complementa.
Nery defende uma abordagem que leve em consideração tanto os aspectos locais quanto os fatores mais amplos da sociedade, sugerindo que, muitas vezes, a melhor estratégia não é atacar diretamente o maior problema identificado, mas, sim, focar em questões que a população esteja mais disposta a enfrentar. “Então, o que a gente precisa é ter uma compreensão mais ampla e que nos leve a perceber que, no senso comum da sociedade, existem várias coisas que a gente precisa superar antes das políticas públicas de segurança contra crime, violência e violação de direitos para que elas sejam efetivas”, conclui.
Jornal da USP no Ar
Jornal da USP no Ar no ar veiculado pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h, 16h40 e às 18h. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular.