Algumas particularidades podem explicar os altos índices de violência no litoral paulista

Apesar da violência ter causas multifacetadas, há alguns pontos que contribuem para uma compreensão mais geral da situação, apontam os pesquisadores

 08/10/2024 - Publicado há 3 meses     Atualizado: 23/10/2024 às 11:35
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Imagem mostra um homem apontando uma arma em direção à câmera
No caso do Brasil, as taxas de homicídio quase sempre estão atreladas a conflitos de facções e desequilíbrio no mercado de drogas – Foto: senivpetro/Freepik
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O Estado de São Paulo tem os menores índices de homicídios do País. Mas uma região que salta aos olhos em relação à sua média alta é o litoral paulista, que, dentro do Estado, tem as maiores taxas. O Instituto Sou da Paz divulgou um ranking em que contabilizou diferentes tipos de violência e crimes em municípios paulistas com mais de 50 mil habitantes. Foram 136 municípios do Estado que entraram na contagem, dos quais 12 estavam no litoral.

Dentro do top 10, seis são cidades litorâneas – ou seja, mesmo sendo menos de 10% do total, o litoral se viu representado em mais da metade das cidades mais violentas. Um argumento antigo usado para explicar esse fenômeno é a grande passagem de turistas, que aumentava o movimento de pessoas e bens de interesse sem aumentar a população. No entanto, a contagem recente do Instituto Sou da Paz levou esse fator em consideração: apesar de uma leve melhora, foi quase irrisória, nem alterando o top 10.

O crime organizado no litoral

Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, diz que, no caso do Brasil, as taxas de homicídio quase sempre estão atreladas a conflitos de facções e desequilíbrio no mercado de drogas. “Chegou o PCC, chegou o Comando Vermelho, tem gangues locais, elas acabam disputando o mercado e muitas vezes, em decorrência dessa disputa por poder, há ciclos de violência que levam o homicídio para cima”, explica ele. “Da mesma forma, quando grupos definem seus espaços e a coisa entra no relativo equilíbrio, os homicídios tendem a cair”, complementa.

Bruno Paes Manso – Foto – nev.prp.usp.br

Um exemplo é a cidade de São Paulo, que, apesar de ser dominada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) – ou melhor, justamente por isso –, tem taxas de homicídio baixas. No início da década de 2000, as taxas de homicídio da capital eram de 51,7 a cada 100 mil habitantes; agora, a taxa é de 4. A hegemonia da facção impediu que conflitos por território disparassem, diminuindo os números violentos.

Portos estratégicos

O pesquisador Marcelo Nery, também do NEV, complementa os pontos apontados por Bruno Paes. Segundo ele, os altos índices de violência no litoral podem indicar zonas de conflito do PCC com facções locais. O fato de que isso se dá no litoral pode ser por uma razão específica: os portos. “O litoral é uma área sensível com relação ao tráfico. Não só o tráfico que distribui entorpecentes e armas para o Brasil, mas como ponto de conexão entre aquilo que chega no Brasil e vai para outros lugares do mundo.”

Os portos são pontos estratégicos para o tráfico, em especial para o comércio internacional. Sendo assim, a região litorânea acaba sendo muito disputada pelas facções e seus entornos tendem a também sofrer com isso.

Ações da polícia

O pesquisador diz que a ação da polícia também é fundamental para entender esse caso. Talvez por conta do próprio interesse especial do tráfico em operar nas regiões de portos, os agentes de segurança também operam com intensidade na região. “A polícia está envolvida em mortalidade de maneira geral no Estado de São Paulo, mas também especificamente no litoral.”

Marcelo Nery – Foto: NEV USP

Santos, por exemplo, era uma das cidades que não apresentavam uma situação tão ruim, mas no próximo ranking isso deve mudar. Na Operação Verão, que aconteceu entre fevereiro e março na Baixada, 56 civis foram mortos pela ação policial. “Essa violência em si da polícia também não pode ser esquecida quando você monta esse cenário de violência no litoral”, comenta Nery. Ressalta também como, apesar da disfuncionalidade em certos casos, esses tipos de ações continuam tendo respaldo na opinião pública e política. “Por incrível que pareça, ainda existe muito apoio da população para que a polícia seja violenta.”

Consequências climáticas

Além disso, Marcelo Nery aponta um outro fator específico do litoral, que é ser mais sujeito a desastres do clima. “Emergências climáticas estão acontecendo e tendem a ser cada vez mais frequentes. No litoral, isso também é uma realidade e esse contexto, como tendência, leva ao aumento da violência.” A razão para isso seria uma quebra de coesão social. Após um acidente ou desastre, a ordem estabelecida se fragiliza e também crescem as necessidades das pessoas, incluindo criminosos.

Sendo assim, a busca por renda ou por vantagens cresce, enquanto diminui o policiamento e a vigilância. O litoral, por estar entre terra e mar e sofrer de impactos ambientais mais fortes e frequentes, como enchentes, deslizamentos e chuvas fortes, acaba sendo uma região mais afetada também pelo crime consequente disso. O pesquisador menciona, por exemplo, “o aumento do risco de roubos a residências e comércios devido a essa situação de crise”.

“A gente observa que, no contexto de emergências humanitárias, quando têm pessoas desabrigadas, essas pessoas correm risco de atos violentos, principalmente mulheres e crianças, e principalmente com relação à violência contra a pessoa, como estupro, por exemplo. Então, a gente tem algumas circunstâncias que vão minando uma estrutura que já se mostra pouco efetiva”, complementa ele.

Por fim, é importante ressaltar que os pontos levantados constroem uma forma de entender a situação, mas não a esgotam. Ambos os especialistas afirmam que a questão da violência e segurança pública é complexa e multifacetada, e com frequência é preciso estudar caso a caso para se ter uma resposta específica. As razões apontadas, segundo eles, servem como parâmetro geral e pontos de semelhança entre os municípios litorâneos, mas não é possível afirmar determinantemente que dão conta de explicar os índices de forma homogênea.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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