O tema da eutanásia é muito controverso e sensível para muitas pessoas. Não tange apenas à área médica, como o próprio sistema de crenças e religião de muitas pessoas, ainda mais em um país predominantemente cristão como o Brasil. Porém, essa discussão já está bem avançada em países como a Bélgica, Holanda e, mais recentemente, o Canadá. Em 2015, a Suprema Corte canadense decidiu que, para satisfazer a Carta Canadense dos Direitos e das Liberdades, o código criminal deveria ser alterado a favor do direito de eutanásia. Isso porque ficou entendido que é um direito de liberdade individual. Assim, em 2016, o Parlamento Canadense passou uma lei federal que permitia que adultos pedissem essa assistência médica na hora de morrer.
Apenas em 2021, foram registradas mais de 10 mil mortes que se enquadram no Maid (Medical Assistance In Dying), a legislação sobre a morte assistida. Segundo a reportagem da BBC sobre o assunto, isso representa 3,3% de todas as mortes no país daquele ano. “É um país onde as pessoas dizem: a morte está incluída na minha vida e eu tenho o direito de dizer quando eu gostaria [de morrer] e a forma como aquilo acontecesse”, diz Tânia Maria Alves, criadora e coordenadora do Ambulatório do Luto do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
No final de 2022, foi anunciado pelo governo a intenção de estender a legislação para que pessoas acometidas por doenças mentais fossem autorizadas a pedir a eutanásia a partir de 17 de março de 2023. No início deste ano, o próprio governo emitiu uma legislação temporária que atrasa a decisão dessa elegibilidade em um ano, ou seja, até 17 de março de 2024. O Canadá é separado entre a parte que foi colonizada pela França e a outra que foi colonizada pelo Reino Unido. Tânia explica que o lado francês é, de certa forma, mais liberal e progressista nas pautas. Isso fez com que Quebec, uma das províncias, legalizasse o casamento homoafetivo, o aborto e a eutanásia – Maid (assistência médica ao morrer) – antes do resto do país.
Antes disso, por conta das leis federais, tanto o médico quando o paciente poderiam ser criminalizados ao escolher a eutanásia. “Dentro de Quebec houve um acordo entre a parte legal, a parte jurídica e a parte médica. Se o paciente pedisse, tudo aquilo era feito e julgado e o médico não seria julgado ou teria uma pena menor”, diz a médica. Ela ainda pontua que “o resto do país tem uma lei que, vamos dizer, é muito influenciada pela repressão católica”.
A situação do Brasil
Aqui no Brasil, nem o paciente nem o médico têm direito de pedir e fazer a eutanásia. Existe um entendimento que os médicos não podem interferir na linha de vida, como o aborto – legal em certos casos – ou a morte assistida (eutanásia). O Código Penal brasileiro não tem uma legislação concreta ou específica sobre esse processo e, por conta disso, pode ser enquadrado como auxílio ao suicídio e homicídio praticado por motivo piedoso. A pena, de acordo com o Código Penal de 1940, pode ser de dois a seis anos.
Um outro ponto levantado por Tânia é o processo de luto pelo qual as pessoas passam quando um ente querido ou amigo está com alguma doença terminal, crônica. A família acompanha todo o decaimento de forma crônica e lenta. “Eu percebi que havia um sofrimento desses enlutados. Eles falavam um pouco do momento em que o paciente, seu familiar, estava sofrendo muito e nada mais poderia ser feito para aliviar aquele sofrimento”, explica.
Ela ainda diz ver uma uma culpa muito grande entre eles, pelo “desejo de que aquele sofrimento terminasse, e sentir que esse desejo seria como uma eutanásia mental”. O familiar quer que o sofrimento acabe, mesmo que muitas vezes isso signifique o abreviamento da vida.
Requisitos
Tânia prossegue :“Não é mais a prerrogativa de que seja final de vida. A prerrogativa para eles é que exista um grande sofrimento, seja físico, ou mental”, diz a médica. O desejo de incluir doenças que provoquem sofrimento mental no rol de casos autorizados a pedir eutanásia decorre do fato de que o ponto de vista sobre a decisão da morte é diferente: trata-se de uma liberdade de escolha. É considerado elegível para pedir assistência médica ao morrer uma pessoa consciente do pedido, que tenha mais de 18 anos e que seja capaz de tomar suas decisões, que esteja com uma doença grave e que, do ponto de vista médico, seja irremediável, ou seja, não tenha cura.
Esse pedido é feito, o processo e esses pontos elegíveis analisados. Nesse passo, é necessário um médico que comprove que a doença é irremediável e uma equipe que avalie se o paciente está consciente de suas decisões, esclarece Tânia. Por conta disso, a demência não caracteriza uma doença passível de eutanásia. Ela causa a deterioração das funções cognitivas, como a memória e o raciocínio. Assim, fica impossível de uma pessoa que sofre dessa síndrome tomar decisões conscientes e consistentes. “Ficou de fora a demência, porque a pessoa não tem mais a capacidade de decidir com consciência, a visão de tempo dela fica atrapalhada.”
Agora, para sanar esse problema, há uma proposta de antecipar o pedido de morte assistida: a pessoa coloca uma situação limite para a sua doença, estipulando que, quando atingi-lo, a eutanásia pode ser aplicada. Isso não se aplica ao Brasil.
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