Os ataques às escolas noticiados nos últimos dois meses levantaram a discussão sobre o aumento da violência na sociedade. Afinal, ataques brutais a creches e professores e muitos outros que falharam antes mesmo de ocorrerem não é algo normal. O Brasil é um dos países mais violentos do mundo, com taxas de homicídios acima das tendências mundiais. A violência é a principal causa de morte entre os jovens: segundo dados do Atlas da Violência, em 2019, de cada 100 adolescentes entre 15 e 19 anos, 39 foram vítimas de violência fatal. Em média, 64 jovens nessa faixa etária foram assassinados por dia.
Entretanto, nos ataques às escolas, os jovens aparecem como agentes. As tantas ocorrências seguidas sendo noticiadas em pouco tempo abriram espaço para a percepção de que a violência nesses ambientes aumentou. Da noite para o dia, o sentimento é que o País se tornou muito mais violento do que já era. “O quadro continua ruim no Brasil, mas não significa que ele ficou particularmente ruim no último período”, diz Renan Theodoro de Oliveira, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. Além da preocupação dos pais com a segurança de seus filhos na escola, as redes sociais também são um ponto de cuidado.
A possibilidade que a internet e as redes sociais abriram de espalhar notícias falsas, compartilhar ideias e ideologias nefastas, deturpar falas e ameaçar pessoas e instituições contribui muito para a degradação da lei e da ordem e pode ser um dos motivos para a escalada de casos de violência dentro e direcionados às escolas, os quais ainda não são motivo de consenso entre pesquisadores da área.
Mesmo assim, o pesquisador diz que o Brasil não vive um momento de anomia, ou seja, quando as regras conhecidas já não funcionam mais e as relações são completamente desreguladas. O que acontece é que falar sobre crimes aumenta a percepção de insegurança e violência da sociedade – principalmente dentro do ambiente escolar. “Ao mesmo tempo em que a gente nota um aumento do discurso da preocupação em relação à violência, a gente nota que o que está acontecendo também é que as pessoas estão aceitando menos a agressividade”, diz Oliveira.
Violência
“A violência é um fenômeno multifuncional e ela também tem múltiplas manifestações”, explica Oliveira. Sendo assim, existem diversos tipos de violência e não se pode falar em uma só motivação que permeia a todos, a ponto de se tornar um fator comum entre os agentes. “A gente entende que a violência sempre diz respeito a um desfecho para algum tipo de conflito. A natureza dos conflitos que é múltipla.”
Podemos dizer, então, que a violência aumentou? A rigor, não. Isso porque a preocupação com a violência no ambiente escolar é relativamente nova, com uma maior intensidade desde 2021. O tema também vem sendo mais discutido nos últimos anos. O pesquisador também diz que não há uma base sólida de registros desse tipo de violência como em outros, o que dificulta a análise.
Mesmo assim, esses ataques são infrequentes – menos de 30 ataques às escolas foram registrados desde 2000 – e uma “novidade no cenário da violência em ambiente escolar.” Concretamente, o que aumentou foi a insegurança e a percepção da violência, além da falta de confiança na segurança das escolas.
Violência nas escolas
No caso das escolas, não há como saber ao certo o que motiva adolescentes a planejarem ataques ou mesmo a ter a iniciativa de tais atos. O que Oliveira salienta, entretanto, é que a escola não virou apenas um local de aprendizagem e socialização, mas passa a ser um local para o qual os alunos levam suas dificuldades e conflitos pessoais, iniciados fora desse ambiente. “As crianças e adolescentes resolvem os seus problemas na escola, porque a escola ainda é um lugar central para eles. É lá que eles passam boa parte do tempo”, diz.
“O que está por trás da violência é sempre um conflito. Ele pode ser uma disputa, uma competição, uma divergência de expectativas. A questão é que, desde a redemocratização para cá, a escola foi absorvendo muitos conflitos que antes não eram de sua alçada resolver.” As escolas sempre tiveram um papel ameno na resolução de conflitos, ou seja, absorvem os mais diversos e complexos conflitos trazidos pelos seus alunos, mas não efetivamente os resolvem. Isso se soma a conflitos internos, como o bullying.
Em sua análise, há um descompasso entre as relações de autoridade e expectativa. Isso porque a perspectiva do que é uma autoridade mudou, assim como as expectativas em torno da escola e de seus profissionais. “Então, você tem uma autoridade que está mudando e que não vai resolver as coisas como eram antes, tem um surgimento de novas expectativas em relação à escola: ela tem que ensinar, ela tem que socializar, ela tem que transformar as pessoas em cidadãos, ela tem que democratizar.”
A escola ainda tem outro problema: ao mesmo tempo que recebem diversas crianças e problemas, os profissionais da educação são subvalorizados e não estão preparados para lidar com a educação, o que se soma à resolução de problemas diversos e alheios ao ambiente escolar. Porém, eles estão em contato a todos os momentos com essas crianças, o que dá espaço para perceber que problemas existem. “Sobre a escola, historicamente, foi recaindo a responsabilidade de resolver conflitos de várias ordens, inclusive os conflitos que são gerados no próprio cotidiano de seu aluno.”
Soluções
O pesquisador diz que as soluções para esses ataques e problemas da violência são sempre a longo prazo, nunca são soluções imediatistas. Para ele, as escolas devem ter uma maior integração de serviços de atendimento psicológico, serviços de saúde e de atendimento social para toda a comunidade escolar, desde alunos a funcionários.
“A gente está correndo atrás da sensação de segurança, mas esquecemos de construir relações seguras, espaços seguros. A solução para isso passa pela escola ser um lugar seguro, as pessoas têm que ter segurança na escola, para tratar dos seus conflitos, para tratar dos seus dilemas. Para não serem oprimidas por serem de um jeito ou de outro, por pensarem de uma forma à direita ou à esquerda. A escola não pode ser esse lugar de opressão, não pode ser o lugar de repressão dos problemas”, diz.
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