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No ateliê de Silvio Dworecki, o cotidiano da cidade é filtrado por uma janela que ocupa toda a parede. A paisagem dos prédios e o movimento dos carros que transitam pelo centro silenciam. E se apresentam como se fossem um grande mural. Só a luz difusa do inverno entra e se espalha entre os pincéis, os tubos de tinta, e reflete na tela em branco para delinear, com o pintor, as sombras de uma nova paisagem. Uma parceria que abdica das cores para fluir em tons vermelho, preto, branco, entre tantos.
A composição resulta, como define o artista, em “uma imagem que se insinua. Convida à imaginação”. A leveza que habita a arte de Dworecki, no entanto, tem muitas camadas de tintas e a têmpera do tempo.
Por trás do branco que se sobressai na paisagem, há um vermelho absoluto escondido. O que o espectador vê é a luz e a sombra de um tom vermelho quase rosa, quase invisível. “É até difícil de fotografar”, avisa Dworecki ao fotógrafo Marcos Santos, do Jornal da USP. “Você tem que passear com a máquina bem devagar sobre a tela para que a imagem se torne visível.”
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O artista paulistano começou sua trajetória em meados da década de 1960 e em 1966 já recebeu o seu primeiro prêmio no Salão de Arte Moderna de Campinas. No ano seguinte, aos 18 anos, participou da 9ª Bienal Internacional de São Paulo. Passou a conciliar arte e arquitetura estudando na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, onde é professor. E agora, aos 68 anos, já perdeu a conta das exposições individuais e coletivas de que participou.
A próxima individual de Dworecki, No Body, vai ser inaugurada no dia 2 de agosto, na Galeria Virgílio, em São Paulo. Como o próprio título sugere, Dworecki desconstrói o corpo e vai em busca do imaterial, uma sugestão da essência. “São paisagens que surgem em pinturas construídas com a sombra projetada na tela. Há uma gama extensa de materiais, como tinta a óleo, esmalte, têmpera, pigmentos, ferro em partículas, grafite em pó.”
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Sou adepto da filosofia oriental. Faço tai chi chuan.
Sigo a sabedoria do I Ching.
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A série No Body está entre a pintura e a fotografia, entre a performance e a dança, entre a luz e a sombra. “Nesta exposição trabalho com o conceito milenar Ma da filosofia japonesa”, explica Dworecki. “É o espaço intervalar ou o entre-espaço no processo de criação.” O vocábulo surgiu no século 12 e está presente na vida e no cotidiano do Japão, e vem sendo uma referência para as artes na cultura ocidental.
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Para chegar ao resultado dessa nova série, o artista fotografou os movimentos da performance de Isabela Alzira Imasato, com o figurino de Khaty Carvalho. As imagens foram projetadas na tela. Em uma composição com a luz e a sombra, surgiu a série No Body. O efeito é Ma, ou seja, o espaço dos gestos do butô com as linhas, tons ou manchas da arte abstrata. As formas são indefinidas. Simulam o intervalo entre a imaginação e a realidade. Um convite do artista à contemplação, à pausa do pensamento. Um quase meditar.
As telas que estão no ateliê habitam o universo chinês. Dworecki trilha os caminhos da filosofia oriental. “Faço tai chi chuan há muitos anos. E sigo, no meu cotidiano, a sabedoria dos oráculos do I Ching.”
Uma cosmologia que o artista expressa nas pinceladas de suas paisagens. Há algumas que sugerem o movimento de um ideograma. O pincel resvala na tela, mostrando o início e o final do movimento único na passagem de uma expressão ou pensamento.
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Alguns desses ideogramas foram apresentados, no ano passado, em uma exposição de arte realizada durante a reunião do G20, o grupo dos 20 países mais desenvolvidos do planeta, em Hangzhou, na China. Os ideogramas mostraram a sua força e deixaram claro o protesto do artista, arquiteto, professor e cidadão brasileiro contra o descaso do governo brasileiro na preservação dos rios. Com o tríptico Mariana Nunca Mais, Silvio Dworecki levou a indignação da arte brasileira diante da tragédia do Rio Doce, em Minas Gerais, considerada a maior catástrofe ambiental do País.
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Exposição No Body, com obras de Silvio Dworecki, de 2 de agosto a 2 de setembro, na Galeria Virgílio. Pode ser apreciada de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h; sábado, das 11h às 17h. Entrada franca. A Galeria Virgílio fica na Rua Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 426, Pinheiros, São Paulo. Mais informações pelo telefone (11) 2373-2999.