
Em 1982, a professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Laura de Mello e Souza renovou os estudos do mundo colonial com a publicação de sua dissertação de mestrado Desclassificados do ouro: estudo sobre a pobreza mineira no século 18. No dia 13, segunda-feira, às 19h30, a docente revisita a obra em uma palestra do ciclo Intérpretes do Brasil: Ontem e Hoje, iniciado em junho.
A obra parte de intérpretes clássicos, como Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Sérgio Buarque de Holanda e Fernando Novais, para fundamentar a própria contribuição da Laura. O estudo acompanha a antiga capitania de Minas Gerais entre 1693 a 1805, quando a decadência da mineração ocorreu.
Minas Gerais foi tardiamente colonizada em comparação aos demais territórios da colônia, mas, segundo Laura, foi o laboratório de uma colonização rápida, violenta e que gerou muita riqueza. “A ocupação começa em 1694 e em 1720 a região já estava coberta por povoados, principalmente na região aurífera”, explica a docente.
No século 18, Minas Gerais habitava a contradição de ser a região mais importante do Império e, ao mesmo tempo, ter gerado uma grande quantidade de pessoas marginalizadas e miseráveis. “É um prenúncio trágico do que será o Brasil, um país com possibilidades e riqueza que não consegue criar uma sociedade igualitária”, critica Laura.
A docente focalizou “os vencidos do processo histórico brasileiro”. Seu olhar está voltado para os indivíduos livres que não estavam plenamente integrados na ordem colonial e que ocupavam um “não-lugar” na estrutura social, explica Vitor Morais, graduando em História pela FFLCH e organizador dos seminários. Laura realizou sua pesquisa no contexto da ditadura militar e da crise do milagre econômico. “A tese foi construída de forma a entender o presente à luz do passado”, afirma o organizador.
“A minha geração estava muito preocupada com o problema da escravidão e eu optei por outro caminho”, relata Laura. Sua análise se aproxima de uma classe que habita um limbo: não são os aristocratas que comandavam a colônia nem os escravizados que compunham a força de trabalho dominante.
Laura identificou os “desclassificados do ouro” como os indivíduos que iam a Minas para trabalhar no garimpo. “Eram pessoas que podem ter passado pela escravidão, mas, no geral, são homens que não são absorvidos pela ordem vigente”, caracteriza a docente. No momento da escrita, a década de 1980, a historiografia brasileira começou a tratar do poder de ação de grupos marginalizados.
Para Morais, Desclassificados do ouro: estudo sobre a pobreza mineira no século 18 inaugura uma forma de ler Minas Gerais. No primeiro capítulo, Laura analisa como as festividades e as cerimônias religiosas na capitania mascaravam uma estrutura social opressiva. O organizador defende que isso dialoga com a característica da sociedade mineira contemporânea de “não verbalização dos costumes que estão internalizados”.
O pacto não declarado dos costumes e de quem pode ou não agir é uma síntese da colônia, diz Morais. A vida social constituída em Minas Gerais é diferente da erigida no ciclo econômico anterior, quando ocorreu a exploração da cana de açúcar no Nordeste, no século 17. Como a capitania mineira estava localizada no interior do território, foram construídas mais do que ocupações pontuais e uma sociedade efetivamente se constituiu.
O evento encerra o módulo Os Intérpretes do Brasil e o Mundo Colonial, o segundo da sequência de seminários. O organizador pensa que o trabalho de Laura permite refletir sobre a cegueira dos intérpretes clássicos do Brasil, uma vez que ela pensou em quem foi silenciado nessas interpretações. “Infelizmente é um trabalho atual. O desamparo dos desvalidos no Brasil ainda é algo insuportável”, lamenta a docente.
O seminário com Laura de Mello e Souza acontece segunda-feira, dia 13, às 19h30, no Auditório Nicolau Sevcenko da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP (Avenida Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, em São Paulo). Mais informações sobre os seminários seguintes estão neste link.
