Documento produzido pela USP traz propostas efetivas para a educação no Brasil – Montagem sobre foto de Imagens Portal SESCSP via Flickr – CC
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Como avaliar a qualidade da educação básica brasileira? Qual é o papel de provas como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb)? Quais são as mudanças necessárias na carreira docente para obtermos ganhos reais na educação?
Propostas e reflexões para essas questões integram relatório disponibilizado recentemente pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. O documento é resultado de um ciclo de seminários organizado entre 2017 e 2018 com o objetivo de distinguir os desafios reais das dificuldades aparentes que rondam o tema (leia reportagem aqui). A ideia de qualidade na educação básica foi pauta do segundo evento da série, Qualidade da educação básica: o que realmente significa isso?
Para a professora e ex-secretária de Educação da cidade de São Paulo Guiomar Namo de Mello, as avaliações de desempenho constituem um indicador importante para a qualidade. “Uma boa educação é medida por resultados.” O professor do Instituto de Física (IF) da USP Luís Carlos de Menezes, que também é membro do Conselho Estadual de Educação em São Paulo e consultor da Unesco para propostas curriculares, tem opinião semelhante. De acordo com Menezes, é preciso “reconhecer que avaliações são necessárias e que tiveram grandes progressos nos últimos anos”.
Segundo Guiomar, as recorrentes críticas às avaliações atuais não atacam a raiz dos desafios. “De nada serve criticarmos a avaliação que já estamos realizando quando o problema é não sabermos como utilizar de forma melhor os resultados da avaliação, passando de diagnósticos a prognósticos e destes a propostas de ação.”
Já o ex-secretário estadual de Educação de São Paulo José Renato Nalini destaca a importância de valorizar a formação do professor e sua atuação profissional para se obter melhorias na qualidade. “Requalificar o magistério depende de cursos de formação docente serem reinventados”, afirma no relatório. “O professor precisa ser valorizado com remuneração compatível, com o resgate da autoestima de uma carreira em declínio.”
Guiomar concorda com essa avaliação. “O desafio da qualidade se enfrenta com política curricular consistente, gestão escolar eficaz e docência qualificada”, aponta a especialista. “Esta última depende de boa formação inicial, formação continuada, assim como de atratividade da carreira e condições adequadas de ingresso.”
A professora vai além e salienta que avanços na gestão são fundamentais para a qualidade. “A gestão escolar também precisa ser aperfeiçoada com o propósito de garantir foco do currículo na formação continuada, no exercício de liderança e na gestão dos resultados, tudo isso orquestrado no projeto pedagógico.” Segundo Guiomar, o primeiro passo nesse sentido é admitir que os cursos de Pedagogia não formam gestores. “É preciso um curso de especialização para gestores com perfil de liderança, que saibam administrar conflitos e ser formadores de professores na própria escola”, afirma.
Conforme explica Menezes em entrevista para o Jornal da USP, essa percepção é comum entre os especialistas. “O curso de Pedagogia forma para mais de uma dezena de profissões. É obrigatório por lei toda escola ter alguém formado em Pedagogia na gestão, entretanto, essa é uma das especificidades do curso. Há muitas especialidades e, de certa forma, cada uma delas se fragiliza. Uma sugestão é que o curso de Pedagogia fosse complementado por uma especificação, dependendo da função.”
O documento destaca também a necessidade de uma revisão nos objetivos e métodos da educação. Guiomar acredita que é fundamental deslocar a ênfase no ensino para a aprendizagem, valorizando o desenvolvimento de competências socioemocionais, como a autoestima, a empatia, a curiosidade, a motivação e a inovação. Para Nalini, a aprendizagem precisa tornar o aluno mais feliz e comunicativo. “Que tenha vontade de permanecer na escola e fazer amigos, que tenha projeto de vida.”
Menezes ressalta, entretanto, que é fundamental considerar as especificidades de cada ambiente na hora de elaborar propostas. É preciso “assumir que a boa escola é a boa escola em suas circunstâncias.” Para o docente, “a qualidade na escola se revela ao saber associar recursos de que dispõe para os objetivos comuns da educação básica, o que depende de seu contexto e da relação que se estabelece com a comunidade onde se atua”.
Pensar a escola em sua circunstância é apoiá-la naquilo que ela necessita, comenta Menezes para o Jornal da USP. “Numa região de intensa criminalidade, alto desemprego, a escola é o equipamento social mais importante, talvez o único que existe. A escola funcionar no contraturno, com atividades profissionalizantes, lúdicas, evita que, nesse contraturno, o aluno fique à mercê. A boa escola é a que faz o serviço na circunstância em que ela está. Às vezes você tem que dar mais a quem tem menos, isso é o que se chama justiça social.”
Para Nalini, esse cuidado com as particularidades não impede a formulação de algumas indicações mais gerais para a melhoria da qualidade. O ex-secretário acredita que existe um descompasso entre a estrutura educacional, os professores e os estudantes que precisa ser superado. “Nossa escola está defasada e encontramos resistência dentro da própria estrutura da Secretaria da Educação para se passar do físico para o virtual. Precisamos dominar a cultura digital e o professor precisa saber desafiar a curiosidade do aluno.”
Ao mesmo tempo, Menezes considera vital refletir sobre a diferença entre ensinar pela utilidade e para adquirir conhecimento. “Escola é em si e para si”, pondera. “Quando a escola for reduzida a servir para alguma coisa, não haverá por que ler ou ouvir poemas, pensar ou colocar o passado em dúvida ou discussão.” Pensar a escola apenas no sentido de sua serventia seria tragicamente incompreensível, afirma. “Trata-se, pois, de aprender a conviver, estabelecer amizades ou inimizades, demarcar diferenças. São aprendizagens que valem para depois da escola e também em seu transcurso.”
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