Criado em janeiro deste ano, o Núcleo de Estudos em Literatura, Estatuária e Materialidade Clássicas (Nelemac) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP deu início à produção do podcast Narrativas do Mármore, que conta com a participação de especialistas das áreas de estatuária, imagens verbais e não verbais e expressões da materialidade grega e latina. O primeiro episódio, intitulado Textualidade e Materialidade, foi ao ar no dia 15 passado, com os professores convidados Paulo Martins – diretor da FFLCH – e Eduardo Aubert, ambos docentes do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH. O podcast pode ser acessado no canal da FFLCH na plataforma Youtube ou em outras plataformas digitais através deste link.
O Nelemac, ligado ao núcleo de estudos Imagens da Antiguidade Clássica, tem como proposta realizar encontros mensais com pesquisadores, alunos e pós-graduandos para ler e discutir textos teóricos e literários sobre a Antiguidade clássica. Além da leitura dos textos, o grupo se propõe a estudar estátuas, bustos, hermas e inscrições, entre outras obras de artes plásticas produzidas em 3D. Um dos idealizadores do núcleo e também apresentador do primeiro episódio do podcast, o mestrando em Letras Clássicas Michael Sanches explica que o núcleo surge como uma rede de apoio de pesquisadores da área, reunindo estudiosos de todo o País e seus conhecimentos sobre a intersecção dos corpora (conjunto de dados linguísticos) materiais e literários da Antiguidade. Assim, podem consolidar as informações e retornar à sociedade aquilo que produzem.
No primeiro episódio, Sanches também explica o significado do nome do programa, apontando o mármore como uma “metonímia para a materialidade do mundo clássico”, mas também ressaltando seu sentido ambíguo. “Se pensarmos ‘do mármore’ como um genitivo subjetivo, o mármore é o agente narrador, que nos fala muita coisa caso saibamos interpretá-lo. Por outro lado, se o pensarmos como um genitivo objetivo, as narrativas passam a falar sobre o mármore, a materialidade.”
Com 1h30 de duração, o primeiro episódio é apresentado também por Ludimilla Gonçalves, recém-formada em Grego pela FFLCH. No programa, o professor Paulo Martins, pesquisador da área de retórica e poética da imagem verbal e não verbal na Antiguidade clássica, conta sobre sua formação na FFLCH e a influência do curso de Estética, com o professor Leon Kossovitch na escolha da direção de seus estudos, tanto na graduação quanto na pós-graduação. “Esse curso me instigou muito, afinal nele descobríamos que as imagens falam. As ideias de um texto que fala da imagem, a écfrase, e de uma imagem que simplesmente fala me prenderam e prendem até hoje”, destaca Martins.
O termo écfrase, como explicado no programa, se refere a uma descrição minuciosa, que possui uma característica fundamental e evoca a imagem na mente. Como diz Martins no podcast, é “pôr diante dos olhos da mente, vividamente, algo”.
Martins fala também sobre sua publicação mais recente, o livro Representação e Seus Limites: Pictura Loquens, Poesis Tacens, da Editora da USP (Edusp). Segundo ele, o subtítulo trata justamente dessa troca de sentidos, da ideia de que as imagens possuem uma narrativa, ao mesmo tempo em que a poesia é imagética. Em tradução livre do latim, pictura loquens significa “imagem que fala” e poesis tacens, “poesia silenciosa”.
No livro, Martins dedica um capítulo inteiro ao termo parataxe, como conta no programa. Com origem no militarismo grego, da disposição das fileiras de soldados em ordem de batalha, o termo se refere a uma sequência de frases justapostas de forma a produzir sentido. Para explicá-lo, Martins dá o exemplo de um mosaico: “Para fazer um mosaico, você vai juntando as pedrinhas, que aparentemente não têm sentido, e produz algo com sentido. Outro exemplo seriam as figuras místicas, como uma sereia, que não são aquilo que você vê e que ganham sentido por essa colocação ‘lado a lado’ de suas partes”.
Eduardo Aubert, que leciona Língua e Literatura Latina na FFLCH, também conta sobre sua trajetória acadêmica e o início de sua paixão e estudos na área de materialidade da escrita. “Desde os 3 anos de idade eu fazia aulas de canto. Trabalhei durante muitos anos com música, então para mim o texto sempre foi algo sensorial, que fazia parte de uma certa performance, algo que paira no ‘não espaço’ e no ‘não tempo’”, lembra.
Aubert fala ainda sobre sua tese de doutorado, que tem como proposta delimitar a prosa arcaica latina e apontar a emergência de um novo tipo de textualidade, relacionado com a epigrafia, além de explicar o sentido de “textualidade” adotado por ele. “A textualidade se refere a regimes históricos de comunicação em que o texto participa do ato comunicativo. Textualidade é a forma socialmente, historicamente e diacronicamente variável de funcionamento do texto em um certo ambiente social”, explica Aubert, utilizando o período da Idade Média como exemplo. Naquela época, diz, o texto era imprescindível socialmente, apesar de a maior parte da população não ser letrada.
O podcast Narrativas do Mármore está disponível no canal da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP na plataforma Youtube.
O Núcleo de Estudos em Literatura, Estatuária e Materialidade Clássicas (Nelemac) da FFLCH está aberto à participação de alunos, professores e demais interessados. A inscrição no grupo pode ser feita através de formulário on-line (disponível aqui). Mais informações podem ser obtidas pelo e-mail nelemac.usp@gmail.com.
- Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro