Desde o dia 15 de julho, o Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP conta com nova diretoria. Trata-se do professor José Tavares Correia de Lira (diretor), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, e da professora Esther Império Hamburger (vice-diretora), da Escola de Comunicações e Artes (ECA), também da USP. Com mandato até 2028, eles substituem as professoras Ana Magalhães e Marta Bogéa.
Em entrevista para o Jornal da USP, Lira discutiu alguns de seus projetos e ideias para o MAC. O principal deles é o que vem chamando de Colégio das Artes. Trata-se de uma iniciativa para posicionar o museu como um centro aglutinador de projetos e pesquisas no campo artístico, tanto dentro da USP como no cenário mais amplo da cena nacional.
“Não se trata de uma escola, um curso de artes, graduação ou pós-graduação, mas de um fórum de reunião de iniciativas contemporâneas”, conta Lira. “Sabemos que a USP possui, em várias unidades de ensino e pesquisa, institutos e museus, preocupações a respeito das artes contemporâneas. Contudo, jovens pesquisadores de graduação, mestrado e doutorado, professores, grupos de estudos e laboratórios funcionam hoje muito apartados uns dos outros. Por exemplo, uma iniciativa do Departamento de História muitas vezes não chega ao Departamento de Antropologia, ambos da mesma unidade, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.”
O desejo da nova diretoria, explica o professor, é mapear essas iniciativas dispersas e incentivá-las a fazer do MAC um ponto de referência. “Um lugar neutro, que não pertence a nenhuma disciplina específica, mas tem um interesse transdisciplinar congênito. Acho que essa já é uma característica muito especial do museu, capaz de fazê-lo esse polo de atração”, reflete. Programas de residência artística e editais de cultura e extensão são algumas das estratégias já em mente.
Outra frente do projeto, continua Lira, envolve as atividades educacionais já realizadas no MAC, a partir do seu núcleo educativo. O plano é traçar estratégias para dinamizar a atuação desse espaço, responsável pela aproximação entre a Universidade e um público que nem sempre tem acesso à literatura e ao conhecimento relacionado às coleções museológicas. Estão no horizonte cursos de difusão, oficinas, atividades pedagógicas e de arte-educação. “O MAC possui um educativo que trabalha com um público muito diverso: estudantes, pessoas com deficiência, pessoas ligadas ao universo da saúde, pacientes de hospitais da região, famílias, público espontâneo.”
A ideia do Colégio das Artes seria, além disso, uma forma de captar parceiros para o museu, aponta o professor. Instituições públicas ligadas à arte e à cultura, mas também agências privadas de fomento e organizações do campo cultural que, de acordo com Lira, contribuem de maneira ainda relativamente tímida com os museus públicos da cidade de São Paulo. Estão em seu radar desde os Ministérios da Cultura e de Relações Exteriores até consulados, embaixadas e empresas privadas.
Audiovisual, arquitetura, urbanismo e design
Parceria e fortalecimento de relações são palavras-chave em muitos sentidos para a nova gestão do MAC. A própria indicação feita pelo corpo docente do museu para que Lira e Esther se candidatassem à diretoria já atesta isso. Aproximações institucionais com a ECA e a FAU, mas também com o campo do audiovisual, da arquitetura, do urbanismo e do design. Áreas cuja representação a nova direção promete ampliar, tanto na composição do acervo quanto nas práticas curatoriais e na programação geral do MAC.
“Nós não estamos aqui por acaso”, conta Lira. “Hoje o corpo docente do MAC é muito reduzido diante do tamanho dessa instituição. Os professores do museu, diante dessa situação, têm atraído colaborações de outras unidades da USP, como é o nosso caso agora e já foi em outras vezes.” Na página oficial do museu na internet, são listados seis docentes atuando no museu, um deles sênior e outro vinculado à FAU.
A presença de uma pesquisadora do audiovisual na vice-direção do MAC faz o diretor recordar que a relação entre arte, cinema, vídeo e televisão é antiga no museu. “Como a própria Esther me lembrou, Walter Zanini, primeiro diretor do MAC, foi pioneiro na tradição da videoarte no Brasil. Não só na coleção do MAC, mas em sua pesquisa sobre arte conceitual, desde os anos 1960. Zanini conseguiu espaço dentro do museu para a videoarte e nós temos na coleção materiais dessa natureza, assim como outras obras audiovisuais e também, mais recentemente, de arte digital. Isso pode, sem dúvida, ser ampliado com a presença da Esther.”
Por outro lado, Lira considera reduzida a presença da arquitetura, do urbanismo e do design na coleção do museu. Com sua chegada, abre-se a possibilidade de um olhar mais direcionado para o campo. “Muitos países da América Latina, da América do Norte e da Europa possuem hoje instituições muito sólidas de preservação da arquitetura. Museus e galerias de arte extremamente importantes e atuantes para as discussões e produções desse campo. Aqui no Brasil, infelizmente, não temos nada similar.”
Se há carência nas instituições, contudo, o professor salienta que os temas estão presentes na produção artística, o que justifica um olhar mais cuidadoso. Discussões sobre arquitetura, metrópoles, vida nas periferias e questões de moradia têm sido frequentes em exposições. “Os artistas e a produção crítica estão atentos a essas intervenções”, pontua. “Minha presença e a da Esther aqui é a possibilidade de fazermos uma ação mais coordenada para aperfeiçoar essas frentes de preservação e difusão das artes no MAC.”
Espaço de formação e encontro
Tais reflexões e propostas a respeito do papel e da potencialidade do museu vêm amparadas pela bagagem que Lira traz de outras duas instituições da USP também ocupadas com a cultura em que atuou: o Centro de Preservação Cultural (CPC), do qual foi diretor entre 2010 e 2014, e o Centro MariAntonia – órgão ligado à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária -, que dirigiu entre 2022 e 2024. O professor considera que essas experiências foram fundamentais para o convite feito pelos docentes do MAC para que se candidatasse à direção do museu.
Da vivência no CPC, Lira destaca o contato que teve com as coleções, os acervos e o patrimônio cultural da Universidade, responsáveis por aproximá-lo de pesquisadores que já vinham se dedicando às coleções universitárias há mais tempo. A passagem pelo Centro MariAntonia, por sua vez, é entendida pelo professor como uma ocasião de aprendizado.
“Principalmente a partir dos anos 2000, o trabalho no campo do ensino, da formação e da especialização em arte, cultura e design foi se desenvolvendo também a partir do Centro MariAntonia, fazendo dele um lugar de referência, inclusive para a arte contemporânea”, destaca Lira. “A presença de galerias bem equipadas, de porte significativo, fez do espaço um lugar de referência no circuito artístico paulistano. Sem dúvida, essa experiência foi muito importante para mim, assim como a oportunidade de aprender sobre gestão, trabalho colaborativo e liderança institucional. Essas três experiências – CPC, Centro MariAntonia e MAC – se articulam e me fazem sentir seguro.”
Para Lira, a instituição que ele assume agora se distingue por congregar, desde sua fundação, esforços de pesquisa, inovação e qualificação dos trabalhos desenvolvidos em um museu. “O MAC não é simplesmente uma coleção a ser exibida, mas uma coleção de conhecimentos a ser pesquisada, renovada, ampliada e interpretada de maneiras novas”, afirma.
O novo diretor sublinha também a vocação formativa que distingue o MAC da maioria dos outros museus de arte. Trata-se de um espaço de formação artística em cursos de graduação e pós-graduação, com disciplinas oferecidas por docentes do museu ou a partir do museu. Além disso, lembra que o MAC é sede de cursos de especialização e contribui atualmente em dois programas de pós-graduação interunidades da USP: Estética e História da Arte e Museologia.
Atividades de pesquisa e ensino no museu surgiram, lembra Lira, já com seu primeiro diretor, Walter Zanini, e aliadas à preocupação em olhar a produção contemporânea para além dos cânones e obras consagradas. “O MAC foi um importante pólo de encontro das novas gerações de artistas e isso é algo que pretendemos manter”, comenta. “O MAC é a coleção pública de arte moderna e contemporânea mais importante do Brasil e, mais do que ser um lugar de fruição dessa coleção, acreditamos que é importante trazer para cá as novas gerações de artistas, críticos, historiadores da arte e pessoas capazes de colaborar com a arte contemporânea”, afirma o diretor.
Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Lira é doutor pela FAU. Estuda principalmente história, historiografia e crítica da arquitetura e urbanismo. É autor dos livros O Visível e o Invisível na Arquitetura Brasileira (2017) e Warchavchik: Fraturas da Vanguarda (2011). Foi também o organizador, ao lado de Rosa Artigas, da quarta edição de Caminhos da Arquitetura, de Vilanova Artigas (2004). Lira atuou ainda como professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP entre 1998 e 2003 e foi professor visitante da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, entre 2022 e 2023.
Esther Hamburger, por sua vez, é graduada em Ciências Sociais e Mestre em Sociologia pela FFLCH, com doutorado em Antropologia pela Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. Suas pesquisas envolvem a crítica e os estudos de cinema, televisão e antropologia, em assuntos como desigualdades sociais, relações de gênero e raça. É autora do livro O Brasil Antenado: a Sociedade da Novela (2005). Foi diretora do Cinema da USP Paulo Emílio (Cinusp) e chefe do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da ECA.