Editora da USP apresenta o pensamento de Henri Maldiney

Organizado pelo historiador Nelson Aguilar, livro reúne as reflexões do filósofo francês sobre o universo da arte

 10/04/2018 - Publicado há 6 anos
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Aleijadinho, Santuário de Bom Jesus de Matosinhos – Foto: Igor Tostes Fiorezzi/Wikimedia Commons

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Pouco conhecido no Brasil, o pensamento do filósofo francês Henri Maldiney (1912-2013) sobre o universo da arte é divulgado agora pela Editora da USP (Edusp). O livro Fenomenologia e Arte – Maldiney no Brasil, que acaba de ser lançado, é escrito por Nelson Aguilar, crítico, curador e professor de História da Arte do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Aluno atento de Maldiney quando cursava a Universidade Jean Moulin, na França, o autor faz um estudo sobre o percurso do filósofo, focando suas passagens pelo Brasil na década de 1980. Reúne conferências, entrevistas e ciclo de palestras que Maldiney apresentou em 1989 na Unicamp.
Aguilar lembra a primeira visita do filósofo ao País, em 1982, observando a Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto (MG), e o conjunto artístico em volta do santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas (MG). “Testemunhei a emoção que o paralisou por alguns instantes diante do templo franciscano, como se questionasse acerca da veracidade do que via. A partir daí, teve início o amor por Aleijadinho”, escreve Aguilar na orelha do livro.
A apresentação, diante do ineditismo da publicação no Brasil, é de Jean-Louis Chrétien, responsável pela apresentação da reedição das obras completas do filósofo publicadas pelas Éditions du Cerf, na França. Explica que Maldiney não foi filósofo apenas no ensino. “Seu pensamento irradiou igualmente em encontros amigáveis e em diálogos diversos e fecundos.”

O que a arte é, temos que aprender com as obras. Mas o que faz uma obra de arte?

Em uma das palestras na Unicamp, reproduzidas no livro, Henri Maldiney questionou: “A arte quer dizer o quê? A questão da arte reenvia-nos tanto da arte às obras como das obras à arte. Em círculo”. Continuou: “O que a arte é, temos que aprender com as obras. Mas o que faz uma obra de arte? Por onde uma obra é, contra mil outras que o almejam ser, uma obra de arte?”.
Maldiney questiona as teorias sobre arte, que aponta como frágeis, relativizando a noção de arte. “A arte, segundo elas, é o que uma época ou uma cultura considera como tal: é um conjunto ou um sistema de valores, nos quais reconhece o mundo e se reconhece no mundo. Eis uma visão superficial que a própria história da arte desmente.”
Em suas palestras, Maldiney percorre a arte em todos os tempos, em todos os sentidos. Segue observando obras em diversos países. Mas alerta sobre as formas de ver e sentir. “Se começo por interpretar ou por explicar, começo por não ver a obra de arte, mas por apreendê-la ou por mergulhá-la num espaço de significação que eu próprio decreto, edificando a priori uma teoria da arte. O principal defeito, capital, é que pretendo dirigir o olhar sobre as obras a partir de uma teoria prévia que sobrevoa a experiência sem vê-la: sobretudo quando faço da percepção das obras um ato intencional, no sentido de Husserl. Insisto em visar à obra, em me orientar sobre ela a partir de mim – a obra exige o contrário.”
Segundo o filósofo, só se começa a ver uma obra de arte a partir dela mesma. “O que isso significa? Que as estruturas da obra são as estruturas da nossa visão. São estruturas espaço-temporais, não estruturas conceituais, o que não quer dizer que não tenham sentido.”

A obra de Aleijadinho tem algo de excepcional em relação à época.

Uma entrevista do autor com Henri Maldiney, que foi publicada no jornal Folha de S. Paulo em 26 de novembro de 1989, também está registrada no livro. O filósofo comenta sobre o trabalho de Aleijadinho, que tanto o impressionou. “A obra de Aleijadinho tem algo de excepcional em relação à época, o que se deve em particular à sua visão espontânea, ao mesmo tempo interior e capaz de realização imediatamente sensível”, relata. “Para falar do escultor é preciso partir da visão direta de sua obra e não da história da arte ou de uma teoria estética.”
Maldiney fala da primeira vez em que esteve na cidade mineira de Congonhas e ficou impressionado com a paisagem da igreja aparecendo no céu, no vazio. “Ao mesmo tempo, produz-se o extraordinário: a igreja, através dos brancos, se comunica com o azul pelas nuvens. Está sempre, ela própria, no céu. Os profetas dos cantos extremos se erguem diretamente no céu. É pelo céu que a igreja e os profetas entram em comunicação.”

Fenomenologia e Arte – Maldiney no Brasil, de Nelson Aguilar (organização), Edusp, 304 páginas, R$ 64,00.
Tintoretto, O translado do corpo de São Marcos, 1562-1566 – Imagem: Reprodução
Wassily Kandinsky, Improvisação 33, óleo sobre tela, 1913 – Imagem: Reprodução
Maldiney em Congonhas, Minas Gerais – Foto: Reprodução/Acervo do organizador
O livro lançado pela Editora da USP – Foto: Reprodução

 


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