Doutor em Antropologia pela USP, o cantor e compositor Rafa Noleto lança seu primeiro álbum solo, intitulado Cantositor. A obra conta com 13 canções, mais uma faixa bônus. Oito delas já estão disponíveis nas principais plataformas digitais. Influenciado pelo tropicalismo, o álbum conta com ritmos de sambas, choros, bossas, valsas, baiões e outros gêneros musicais brasileiros. “Cantositor contém canções com personagens fictícios que vivem relações fluidas, poliamorosas, monogâmicas, homossexuais e heterossexuais”, explica Noleto, que concluiu o doutorado em 2016 e hoje é professor da Universidade Federal de Pelotas (RS).
“Esse álbum representa o meu renascimento musical”, diz Noleto. Ele conta que durante a carreira acadêmica se consolidou como pesquisador cantor e compositor ao estudar temas relacionados com música. Quando se tornou professor de músicos, a insegurança como artista apareceu. “Fui me dando conta de que meus próprios alunos não conheciam a minha arte como cantor e compositor.” O sentimento motivou o lançamento de Cantositor.
“Outro fator que me influenciou a gravar foi a pandemia de covid-19. Quando observei todo aquele cenário devastador causado pelo vírus, imediatamente pensei: ‘Se eu morrer, ninguém vai conhecer as minhas composições’. A tragédia me fez compreender mais profundamente o sentido de urgência que precisamos ter na vida”, emociona-se Rafa Noleto.
O álbum tem uma faixa de mesmo nome, Cantositor. Ela foge das melodias tradicionais, tende para a declamação poética. “Eu quis brincar com o fato de eu ser professor e escrevi o texto como se ele fosse uma espécie de aula, na qual um professor lê em voz alta um verbete que está redigindo na máquina de escrever”, conta Rafa.
Nela, o eu lírico se diz “cantositor”, neologismo que combina o ato de ser cantor e compositor. “É uma reflexão sobre como as coisas são formuladas e definidas conceitualmente a partir da experiência concreta das pessoas”, diz Noleto. Para ele, a palavra já existia muito antes dele, de forma natural nas pessoas. Ele apenas a definiu. “Costumo dizer que ‘cantositor’ é uma palavra que sempre existiu, mas nunca tinha sido inventada.”
A prática de conceituar o neologismo “cantositor” é parecida com sua carreira como pesquisador na área de antropologia. “Tanto os antropólogos como os compositores são especialistas em inventar coisas que já existem”, reforça. Como antropólogo, ele analisa experiências concretas da sociedade e publica textos sobre elas.
Noleto destaca que a sua música se relaciona com a própria vida, em que o ato de cantar se sobrepõe ao ato de compor. ”Sou um cantor que compõe e não um compositor que canta”, recita na música.
Como cantor, ele explora diferentes timbres nas canções, criando uma espécie de diálogo entre duas vozes ou dois personagens. “Eu busco quebrar um pouco as expectativas do que é cantar com uma voz considerada mais ‘masculina’ ou ‘feminina’, porque acredito que é salutar romper muitos binarismos de gênero que nos aprisionam”, expõe Noleto. Exemplos disso são Entardecendo e Delicadamente, que tratam do amor com passagens de tempo marcadas pelos movimentos do sol, crepúsculo e amanhecer. É sobre o amor recente, em que se quer aproveitar cada segundo ao lado da pessoa amada.
Ouça no link abaixo a música Entardecendo, de Rafa Noleto, na interpretação do compositor.
“O amor deve ser experimentado pelas pessoas da forma como elas se sentem mais confortáveis. Amar é fazer acordos que envolvem escuta, diálogo, consenso e consentimento. Então, as únicas pessoas que devem opinar sobre o formato de suas relações são aquelas diretamente envolvidas no relacionamento afetivo”, acredita Noleto.
As músicas exploram o amor fluido com relações poligâmicas e monogâmicas e relacionamentos LGBTQIA+. Parte da motivação de Noleto para escrever sobre o assunto é por ser um cantor gay. Porém, muito além de experiências pessoais, ele faz pesquisas na área de Antropologia da Música e Estudos de Gênero e Sexualidade. “Penso que cantar com sutileza as múltiplas formas de amor é algo muito importante também. Amar é uma forma de fazer revolução.”
Outra canção presente no álbum, Musa, foi escrita em 2008, como homenagem à cantora Gal Costa, que morreu no ano passado. “A canção é uma declaração de amor que fiz para a Gal. E, ao fazer essa homenagem, estou falando da forma como a Gal mudou a minha vida”, diz Noleto, emocionado. Ele também realizou pesquisas sobre a artista ao longo de sua carreira acadêmica. “Devo muito da minha voz a ela.”
O lançamento oficial do álbum está previsto para o início de abril. Rafa Noleto pretende estrear Cantositor nos palcos no final do mesmo mês em Pelotas. Depois, quer levar o espetáculo para Porto Alegre (RS) e, em seguida, para outros Estados.