Desde que a covid-19 chegou ao País, mulheres que tinham histórico de sofrer agressões passaram a correr mais risco de vida por serem obrigadas a permanecerem mais tempo em casa, muitas vezes com seus próprios agressores. A professora da FEA e coordenadora da pesquisa no Brasil Maria Dolores Montoya Diaz explica que os dados serão coletados inicialmente em São Paulo e Rio de Janeiro, mas devem avançar por outras unidades da federação. As respostas servirão para direcionar políticas públicas de enfrentamento a crimes, agressões e abusos praticados contra a mulher nesse contexto.
Embora os resultados analíticos mais robustos devam aparecer só nos próximos meses, quando se finalizará a pesquisa, a hipótese é que o confinamento de pessoas em situação de estresse, decorrente tanto das dificuldades econômicas oriundas da perda de renda pela pandemia como do maior tempo de convivência de vítima e agressor no mesmo domicílio, tenha aprofundado a violência doméstica.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) traz dados que confirmam a hipótese levantada pelos pesquisadores. Houve redução em uma série de crimes contra as mulheres em diversos Estados brasileiros e diminuição na distribuição e na concessão de medidas protetivas de urgência, o que contrasta com um aumento nos feminicídios – indicativo de que as mulheres estejam mesmo encontrando dificuldades em denunciar violências sofridas nesse período.
Uma questão adicional a ser investigada é a existência ou não de algum efeito atenuador do pagamento do Auxílio Emergencial sobre o número de feminicídios.
Outro objetivo da pesquisa será avaliar as consequências sociais indiretas do aumento da violência doméstica sobre os custos com a saúde, produtividade e oferta de trabalho. Segundo Dolores Diaz, publicações da área já trazem muitas evidências de que mulheres que sofrem violência doméstica têm mais problemas de saúde, têm maior absenteísmo (faltas) ao trabalho e isto pode ter consequências em outras dimensões, como no próprio mercado de trabalho.
Participam também da pesquisa as professoras Fabiana Rocha e Paula Pereda, ambas da FEA, e o economista Rodrigo Moreno Serra, pela University of York, egresso da FEA e coordenador do projeto Covid-19, distanciamento social e violência contra a mulher no Brasil (Brave).
Aumento de casos de violência doméstica x dificuldades no acesso às redes de proteção
Em nota técnica emitida pelo FBSP, em julho, eles atualizaram informações sobre violência doméstica durante a pandemia de covid-19, entre março e maio de 2020, em 12 Estados brasileiros (Acre, Amapá, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo). A queda nos registros de lesão corporal dolosa foi de 27,2%. As maiores reduções aconteceram nos Estados do Maranhão (84,6%), Rio de Janeiro (40,2%) e Ceará (26%). No entanto, nesse mesmo período, houve aumento de 2,2% nos casos de feminicídios. O Estado do Acre liderou com o maior número de registros (400%), passou de um, em 2019, para cinco casos em 2020; Mato Grosso (157%), de sete, passou para 18; Maranhão (81%), de 11 casos, para 20; e o Pará, (75%), de oito para 14.
Com relação à violência sexual, entre março e maio, houve redução de 50,5% nos registros de estupro e estupro de vulnerável com vítimas mulheres. O Estado do Espírito Santo ficou com a maior taxa, 79,8%, seguido pelo Ceará, 64,1%, e Rio de Janeiro, 61,2%. Paralelamente, o projeto Brave já estava trabalhando com dados apurados pelo FBSP que indicaram que, durante os meses de março e abril de 2020, quando foram implementadas as regras de distanciamento social, houve aumento em 22% no número de casos de feminicídios em 12 Estados brasileiros, em comparação ao ano anterior. Nesse mesmo período, São Paulo teve aumento de 54% e 44% nas chamadas à polícia relatando agressões domésticas contra mulheres.
Para prospectar os meses seguintes, os pesquisares buscarão os dados em redes sociais e internet (palavras e postagens que suscitem violência doméstica) e nos órgãos e serviços oficiais de atendimento do Estado (Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIHSUS), Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), Boletins de Ocorrências de Delegacias, e Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (180). As formas de violências (física, psicológica, patrimonial, moral e sexual) também serão identificadas, bem como os dias da semana em que mais ocorreram as agressões e as regiões em que houve maior incidência.
Economia e diferenças de gênero
Questionada sobre o porquê de economistas estarem envolvidas em pesquisas sobre violência doméstica, Dolores explica que as investigações científicas da FEA vão além de técnicas voltadas para gestão de empresas. Na FEA, existe um grupo chamado EconomistAs que estuda as várias dimensões das diferenças de gênero existentes na carreira de economista e no mercado de trabalho em geral, bem como o impacto diferencial de políticas públicas sobre homens e mulheres. Foi nesse contexto que as pesquisadoras mudaram o foco para o problema da violência doméstica.
A pesquisadora diz que algumas áreas da economia dialogam com várias temáticas como educação, saúde, meio ambiente, tecnologia entre outras que contribuem para a formulação de políticas públicas mais adequadas e eficientes. Para tanto, as análises feitas por esse grupo de pesquisadoras precisam diferenciar simples correlações ou relações que não se confirmam de verdadeiras relações de causa e efeito. É importante garantir que políticas públicas sejam baseadas em evidências corretas e não apenas aparentes, sob risco de desperdício de recursos e outras consequências indesejáveis.
Mais informações: e-mail madmdiaz@usp.br, com Maria Dolores Montoya Diaz