Professor da USP e equipe foram para Brumadinho após receber mensagem de médico no resgate – Foto cedida pelos pesquisadores.
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Uma equipe da USP foi a Minas Gerais para ajudar nas buscas por vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Eles testaram uma metodologia de geofísica aplicada para otimizar as ações de resgate.
O trabalho é liderado por Jorge Porsani, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP. Ele e sua equipe foram para Brumadinho depois de receber uma mensagem de um médico que atuava nas buscas.
A barragem de rejeitos de mineração colapsou no dia 25 de janeiro, e até a tarde desta sexta-feira, 1º de março, ainda havia 122 desaparecidos.
Ouça a reportagem de Silvana Salles:
O rompimento de uma barragem de rejeitos da mina de ferro Córrego do Feijão causou 179 mortes confirmadas até este dia 1º de março. Um mês após a tragédia, as equipes de resgate seguem tentando localizar as pessoas que continuam desaparecidas. O trabalho de Porsani teve o objetivo de utilizar a geofísica aplicada para orientar essas buscas, visto que a área atingida foi superior a 270 hectares.
O método empregado foi o GPR, sigla em inglês para Radar de Penetração no Solo. Este método utiliza ondas de rádio em frequências muito altas para obter imagens de alta resolução retratando o perfil do subsolo, permitindo a localização de estruturas, feições geológicas rasas e objetos enterrados. O GPR é muito usado na exploração de recursos naturais, na localização de tubulações subterrâneas e em estudos arqueológicos, mas também pode ter aplicações humanitárias.
Apesar de não ter encontrado vítimas nem equipamentos, a equipe da USP conseguiu descartar áreas de busca e sugerir uma forma de tornar as buscas mais eficientes – Foto cedida pelos pesquisadores
A ideia de empregar o GPR em Brumadinho ocorreu logo após a tragédia, mas não havia dados sobre a eficácia da metodologia nas condições do local. “O GPR teria grande chance de não funcionar bem sob as condições de lama misturada ao minério de ferro”, explica o professor. Mesmo assim, Porsani viu que existia uma chance mínima, devido às incertezas, e se dispôs a realizar o trabalho. “Não podemos simplesmente dizer que a metodologia não irá funcionar com base em conceitos teóricos sem antes fazermos um teste prático em campo.”
O diretor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, professor Pedro Leite da Silva Dias, realizou então a articulação entre a Universidade e o Corpo de Bombeiros de São Paulo e de Minas Gerais, para viabilizar o envio da equipe. Bombeiros deram apoio aos trabalhos durante os cinco dias de atividades de campo.
Foto cedida pelos pesquisadores
Participaram do trabalho, além de Porsani, o técnico Marcelo Cesar Stangari e o aluno de pós-graduação em Geofísica Felipe Augusto Nascimento de Jesus. Para terem acesso aos locais de resgate, os geofísicos precisaram estar com a vacinação em dia (contra febre amarela, tétano, hepatites A e B) e também receberam profilaxia contra leptospirose. Em campo, estavam sempre de máscara. De volta a São Paulo, Porsani também contou que precisará fazer exames para detectar eventuais contaminações (como alumínio, ferro, cobre e chumbo, dentre outros).
Como funcionou o GPR em Brumadinho
O GPR é um método eletromagnético não destrutivo e não invasivo para a aquisição de dados da subsuperfície. Ele utiliza uma antena transmissora e uma antena receptora colocadas na superfície da Terra. A primeira antena emite para dentro da Terra ondas de rádio em frequências muito altas (normalmente entre 10 MHz – 2,6 GHz). A segunda antena captura as ondas refletidas e difratadas. Essas duas antenas são movidas ao longo de um trajeto linear – o perfil de reflexão.
O modo como as ondas se propagam no subsolo depende das propriedades elétricas dos materiais que elas encontram. A partir dos perfis obtidos pelo equipamento, os geofísicos podem fazer um mapeamento da região e indicar os locais de interesse para escavação.
O GPR funciona como uma espécie de tomografia eletromagnética do subsolo – Foto cedida pelos pesquisadores
Em Brumadinho, o primeiro trabalho da equipe do IAG foi conhecer as características do subsolo local. Para isso, foi escavada uma vala para a colocação de uma tubulação metálica e posterior medição com o GPR. O sucesso desse teste de calibração mostrou que o GPR funcionou no local para profundidades de até 4 metros.
“O GPR funcionou relativamente bem porque a lama com minério de ferro nesse processo de mistura, devido ao rompimento da barragem, ficou porosa”, explica o professor do Departamento de Geofísica do IAG. “Os poros ficaram preenchidos com ar, proporcionando a penetração e a reflexão das ondas eletromagnéticas do GPR.”
Como os geofísicos conheciam o material e a profundidade dessa tubulação de teste, foi possível calcular a velocidade de propagação da onda do GPR no solo estudado para calibrar o equipamento. A equipe do IAG iniciou então os trabalhos para aquisição de dados.
Resultados e lições
Orientada pelo Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, a equipe do IAG concentrou os estudos em duas áreas: a ITM (Instalação de Tratamento de Minério) e a posição dos vagões de trem e da locomotiva de escoamento do minério de ferro. Foram adquiridos 53 perfis GPR durante os cinco dias em que a equipe atuou no local.
“Nossa primeira preocupação era deixar claro que o trabalho tinha 1% de chance de dar certo, e também que a finalidade do GPR era encontrar grandes estruturas de metal ou concreto”, explicou Porsani. Esse tipo de trabalho já é empregado em arqueologia: o GPR localiza regiões de interesse, e então são feitas as escavações. Dessa forma, são reduzidos o tempo e as despesas da busca.
Foto cedida pelos pesquisadores
As anomalias identificadas por Porsani nos dados do GPR foram candidatas a escavação pelas equipes de resgate. Em uma delas, a escavação revelou um acúmulo de minério de ferro processado. Em outra, os bombeiros encontraram areia proveniente do filtro da barragem.
Embora não se tenha encontrado corpos nem equipamentos soterrados, a avaliação dos participantes foi bastante positiva. Os resultados serviram para eliminar as áreas estudadas das futuras escavações, redirecionando as equipes de resgates e otimizando o processo de buscas. Isso é crucial em situações como a de Brumadinho, onde a busca por corpos é feita visualmente entre o material colhido por escavadeiras, e também por cães farejadores.
Novas ideias para o resgate
Apenas algumas regiões da área atingida favoreciam o uso do GPR. “É uma zona de guerra”, avalia Porsani, observando as fotos e vídeos que trouxe da região. Por isso, os perfis GPR foram feitos nas trilhas criadas pela esteira das máquinas escavadeiras, onde o terreno ficava mais regularizado e possibilitava o reboque das antenas do GPR.
Para a área pantanosa próxima ao leito do Rio Paraopeba, Jorge Porsani (foto) sugeriu ao Corpo de Bombeiros fazer uma varredura com drones, usando um técnica chamada magnetometria – Foto cedida pelos pesquisadores
Para aprimorar o trabalho, Porsani sugere a combinação do GPR com outro método geofísico. Inicialmente, um sensor magnetométrico aéreo seria instalado em um drone para o mapeamento de áreas maiores. Em seguida, os pontos de interesse detectados pelo magnetômetro seriam mapeados em maior detalhe com o GPR. “Com estes procedimentos sugeridos, reduzem-se os custos com as escavações aleatórias e aumentam-se as chances de se encontrarem corpos nas proximidades desses objetos soterrados”, explica.
A proposta foi apresentada ao comando do Corpo de Bombeiros de MG e pode ser uma grande contribuição da geofísica para trabalhos de resgate nessa escala.
Esforços humanitários na Universidade
Esta não foi a primeira vez que Porsani utilizou o GPR com fins humanitários: o professor já colabora de forma voluntária em buscas de ossadas de desaparecidos políticos junto à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos.
Desta vez, o professor pretende transferir de forma rápida sua experiência para a forma de um artigo. A pressa não está no ineditismo técnico, mas na vontade de estimular a resposta solidária entre seus colegas.
“Nós, pesquisadores, temos que sair de nossa zona de conforto. Podemos contribuir com iniciativas para reduzir a dor do povo mineiro, compartilhando um pouco do nosso conhecimento”, resume. “Este é um dos objetivos da Universidade.”
Silvana Salles, com informações da Assessoria de Comunicação do IAG
Mais informações: (11) 3091-4650; eventosiag@usp.br
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Mapa da área de estudos em Brumadinho
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Mapa de localização da área de estudos no município de Brumadinho com os perfis GPR sobrepostos.…
A área 1 corresponde à Instalação de Tratamento de Minério (ITM) e a área 2 corresponde à posição dos vagões de trem e da locomotiva – Imagem cedida pelos pesquisadores…
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