Conhecimento da estrutura da enzima Ohr abre caminhos para desenvolvimento de fármacos

A enzima Ohr (Organic Hydroperoxide Resistance Protein) é capaz de proteger as bactérias de oxidações e lesões. A descoberta de seu funcionamento poderá proporcionar o desenvolvimento de novas formulações para medicamentos

 27/07/2020 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 26/05/2022 as 12:13
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Descobrir todos os mecanismos de funcionamento da enzima Ohr pode levar os cientistas a encontrarem o ‘calcanhar-de-aquiles’ das bactérias – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Cientistas do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina – Redoxoma e do Instituto de Biociências (IB) da USP estão “trilhando” um caminho que poderá levar ao desenvolvimento de novos medicamentos. Em um artigo recentemente publicado na revista ACS Catalysis, eles demonstraram como a enzima Ohr (Organic Hydroperoxide Resistance Protein) é capaz de proteger organismos unicelulares, como as bactérias, de oxidações e lesões. “Esta enzima faz com que uma bactéria desenvolva resistência contra hidroperóxidos orgânicos, que oxidam sua estrutura. A oxidação é o processo que leva à perda de elétrons por uma molécula (como DNA, por exemplo), alterando sua estrutura e muitas vezes levando à perda de função. Assim, antioxidante é o composto que protege as células contra a ação de oxidantes. Se descobrirmos todo o seu funcionamento, poderemos atingir um ‘calcanhar-de-aquiles’ das bactérias”, observa o professor Luis Netto, do IB.

Netto conta que nesta pesquisa os cientistas conseguiram descrever seis estruturas cristalográficas da proteína Ohr e analisaram as mudanças estruturais durante o seu ciclo catalítico. Esse trabalho foi realizado no doutorado de Renato Mateus Domingos, que foi orientado por Netto, e é o primeiro autor do artigo Substrate and product-assisted catalysis: molecular aspects behind structural switches along Organic Hydroperoxide Resistance Protein catalytic cycle. “A descrição das estruturas da Ohr é como termos a fechadura. O que nos falta agora é a chave para abrirmos essa porta”, descreve o professor. Quando ele se refere à chave, nada mais é do que localizar moléculas capazes de inibir a Ohr e com isso fragilizar a bactéria.

Netto destaca ainda que, como não existem enzimas semelhantes à Ohr em mamíferos ou plantas, ela se torna um alvo atraente para o desenvolvimento de medicamentos. “A identificação de inibidores desta enzima também seria importante para a agricultura, na medida em que a proteína Ohr já foi encontrada em patógenos – bactérias e fungos – que atacam plantas”, explica o pesquisador.

Papel central da Ohr

Luis Netto – Foto: Acervo pessoal

As relações entre patógenos e hospedeiros são complexas e foram moduladas durante o processo evolutivo. Quando são invadidos por microrganismos patogênicos (bactérias), plantas e animais disparam uma resposta do tipo inflamatória, com geração de oxidantes, dentre os quais os hidroperóxidos derivados de ácidos graxos. As bactérias, por sua vez, “contra-atacam” com um arsenal de enzimas, dentre elas a Ohr, para decompor esses oxidantes. Nessa resposta, como descreve Netto, a Ohr é uma das enzimas que desempenham um papel central. Por isso, a enzima tem sido associada à virulência de várias bactérias, como Pseudomonas aeruginosa (que provoca pneumonia), Chromobacterium violaceum (patógeno oportunista que pode causar abcessos no fígado, pulmão e pele, bem como septicemias graves em humanos) e Bacillus cereus (bactéria patogênica notória de origem alimentar que pode produzir diarreia).

Superbactérias, ou microrganismos resistentes a múltiplas drogas (MDR, multi-drug resistant microorganisms), são uma ameaça mundial à saúde pública. A Organização Mundial da Saúde (OMS) vem alertando que podemos estar caminhando para uma era pós-antibiótico, na qual infecções comuns e ferimentos leves podem voltar a matar. Por isso, a identificação de novos alvos para o desenvolvimento de tratamentos antimicrobianos é de urgência global.

Descrição do modelo

A descrição das estruturas da Ohr incluiu também a estrutura do complexo entre a enzima e seu substrato biológico, a dihidrolipoamida (DHL). “Usamos diversas abordagens, como cristalografia, dinâmica molecular computadorizada e cinética para descrever o nosso modelo, com foco na fase da redução no ciclo catalítico da Ohr, que era a menos conhecida. A estrutura do complexo da enzima com seu substrato redutor serviu de base para as modelagens de simulação teórica. Conhecendo o mecanismo enzimático é mais fácil – ou menos difícil – desenhar inibidores para a Ohr”, descreve Netto.

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Nos laboratórios do IB, os cientistas retiraram a enzima Ohr das bactérias Chromobacterium violaceum e Pseudomonas aeruginosa (que provoca pneumonia). Mais especificamente, “o trabalho consistiu na retirada do DNA das bactérias que codifica para essas enzimas”, descreve Netto.

As estruturas cristalográficas foram obtidas usando a estrutura de laboratórios que geram luz síncrotron: o Síncrotron da Universidade de Stanford – Stanford Synchrotron Radiation Light source (SSRL) – e o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) em Campinas.

A validação dessas estruturas foi feita em colaboração com os pesquisadores Raphael D. Teixeira e Shaker Chuck Farah, do Instituto de Química (IQ) da USP, e Plínio S. Vieira e Mario Murakami, do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).

O artigo também traz a assinatura dos seguintes pesquisadores: Raphael D. Teixeira (IQ), Ari Zeida e William A. Agudelo (Universidad de Buenos Aires, Argentina), Thiago G.P. Alegria (IB), José F. da Silva Neto (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP), Plínio S. Vieira e Mario T. Murakami (LNBR), Shaker Chuck Farah (IQ), Dario A. Estrin (Universidad de Buenos Aires, Argentina) e Luis E.S. Netto (IB).

Com informações de Maria Célia Wider/Assessoria de Comunicação do Redoxoma

Mais informações: e-mail nettoles@ib.usp.br, com o professor Luís E.S. Netto

 

 


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