A primeira edição do Programa Ano Sabático no IEA teve entre seus resultados a realização do vídeo Dinâmicas, Flutuações e Pontos Cegos pela especialista em políticas culturais Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e pela cineasta Priscila Lima.
Disponível no YouTube, o vídeo é baseado na pesquisa “Dinâmicas Culturais Contemporâneas: Imbricações entre Singularidades, Coletivos, Tecnologias e Instituições Culturais na Perspectiva do Comum”, desenvolvida por Lúcia no IEA de março de 2016 a fevereiro de 2017.
Com 24 minutos de duração, o vídeo sintetiza seis horas de entrevistas gravadas com artistas, produtores culturais, gestores e pesquisadores. As entrevistas fizeram parte do trabalho realizado pela pesquisadora nos locais de atuação dos coletivos, onde participou de discussões com seus integrantes e acompanhou performances.
A realização do vídeo foi possível graças à bolsa do Programa Ano Sabático no IEA concedida aos pesquisadores pela Pró-Reitoria de Pesquisa. A produção também contou com o apoio da ECA.
Lúcia trabalha com política cultural há muitos anos, tendo atuado inclusive em produção cinematográfica antes de se tornar docente da USP. Produzir algo diferente da usual redação de artigos científicos sempre foi uma aspiração:
Minha vontade era produzir um vídeo para dar voz às pessoas dos coletivos culturais e fazer com que a potência da obra deles aparecesse, o que seria difícil num artigo, que é algo mais descritivo”.
No entanto, dada à compartimentação acadêmica na avaliação de projetos por agências de fomento, ela percebeu que essa ideia seria de difícil concretização. “Se eu solicitasse à Fapesp recursos para produzir um vídeo, dificilmente conseguiria, por não ser da área de audiovisual. Vi que o ano sabático no IEA era uma chance muito boa de conjugar a realização do vídeo com minha proposta de pesquisa, que é um recorte de um projeto maior que desenvolvo.”
Pontos cegos
O título do vídeo faz referência à dinâmica da emergência dos coletivos e também a dois aspectos: “O termo ‘flutuações’ deve-se ao fato de que a própria cultura é flutuante, fugidia, processual; e ‘pontos cegos’ está relacionado com a citação no início do vídeo de frase do pesquisador britânico Terry Eagleton, do livro ‘Uma Ideia de Cultura’: ‘Toda cultura tem um ponto cego interno em que ela falha em apreender ou estar em harmonia consigo mesma, e perceber isso é compreender essa cultura mais completamente’.”
Essa afirmação de Eagleton significa, segundo Lúcia, que a cultura tem aspectos que são incompreensíveis, intraduzíveis, não verbalizáveis, que temos de nos conformar com a não compreensão total desse universo. Para ela, são exemplos de pontos cegos certos aspectos da relação entre a dinâmica dos coletivos culturais e as políticas culturais formais, inclusive quanto ao uso dos equipamentos culturais que consubstanciam essas políticas.
“Minha intenção foi contrapor a fala de alguns gestores de equipamentos culturais da cidade de São Paulo com a fala de alguns coletivos. Quis entender como era essa dinâmica numa gestão municipal [a do ex-prefeito Fernando Haddad] que se abria para a participação mais ativa dos coletivos nos equipamentos e na qual persistia uma certa disjunção entre os discursos.”
Cogestão
Lúcia explica que os coletivos não pleiteiam uma autonomia completa na gestão e uso dos equipamentos culturais:
“Os coletivos criadores da Casa de Cultura de Ermelino Matarazzo ocuparam um imóvel da Subprefeitura que estava abandonado e propuseram um contrato de cogestão, que foi aceito pela Secretaria de Cultural Municipal. Os recursos eram repassados a um coletivo que tinha personalidade jurídica e se encarregava da gestão e da prestação de contas.”
Na época, a secretaria apontava esse convênio de cogestão como o embrião de um modelo para as casas de cultura do município, de acordo com a pesquisadora. “Isso não é algo estranho em outros países.”
Emergência dos coletivos
Os coletivos são fruto das próprias políticas culturais públicas, na opinião de Lucia. “Muitos desses jovens foram motivados pelos programas e editais que tentaram ampliar o escopo da Secretaria Municipal de Cultura de forma a abarcar as periferias.”
Os coletivos não têm nada de amador ou de improvisação, segundo Lúcia. “Eles têm muita clareza do que é seu trabalho, suas ações são bastante discutidas e elaboradas. Muitas dessas pessoas fizeram curso superior, beneficiadas por políticas educacionais recentes. Elas se valem do que é possível, como editais, financiamentos, inserção na mídia, habilidade para trabalhar com recursos digitais. Tudo isso sem abrir mão de seus referenciais, dos princípios que regem os coletivos.”
O projeto maior de Lúcia é pensar as políticas culturais para o século 21 a partir das demandas de uma sociedade civil que vem ampliando sua participação. “A cultura é um campo que permite certas flexibilidades na experimentação, a qual pode (esse é um pouco o discurso dos coletivos) ser ampliada para outras áreas, graças a esses processos de cogestão, via orçamento participativo”.
Mauro Bellesa / Divisão de Comunicação do IEA