Cancelamento dos Jogos Olímpicos impacta saúde emocional de atletas

Atletas olímpicos e paralímpicos entrevistados em pesquisa precisaram lidar com ansiedade, perda de renda e diminuição de condicionamento físico

 24/04/2020 - Publicado há 4 anos
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Adiamento dos jogos de Tóquio trouxe inúmeros prejuízos aos atletas de alto rendimento da modalidade aquática: perda de condicionamento físico, quebra de contrato de trabalho e propriocepção – sensibilidade corporal dentro da água por falta de treino em piscinas – Imagem: Marco Bettine/Arquivo pessoal

O adiamento dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio (JOPT) de 2020 para 2021, devido à pandemia de coronavírus, trouxe inúmeros problemas econômicos e administrativos aos países envolvidos no evento. Nada se compara, no entanto, às perdas sofridas por atletas de alto rendimento, sobretudo no campo emocional. Os prejuízos foram de diversas ordens: além de terem a renda diminuída pela quebra de contratos de patrocínio, tiveram ansiedade, perderam condicionamento físico e  propriocepção – consciência corporal dos movimentos dentro da água por falta de treinos em piscinas.

O professor Marco Bettine, pesquisador associado do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e pós-doutor em Sociologia do Esporte pela Universidade do Porto (Portugal), entrevistou atletas olímpicos e paralímpicos da modalidade de esporte aquático a fim de conhecer suas expectativas e percepções nesse momento de pandemia. A pesquisa foi feita na cidade de São Paulo com 15 indivíduos e abrangeu também os treinadores. Ao todo, foram oito atletas de natação (cinco homens e três mulheres do olímpico e uma nadadora paralímpica); dois jogadores olímpicos de polo aquático; e quatro técnicos de natação.

Marco Bettine, pesquisador Associado do Instituto de Estudos Avançados (IEA) e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP – Imagem: Marco Bettine/Arquivo pessoal

Embora todos os entrevistados concordassem com o adiamento dos jogos de 2020 para 2021, a fim de resguardar a segurança dos atletas, dos técnicos e de todos que participariam direta ou indiretamente das competições, todos, de alguma forma, admitiram ter sofrido impacto da postergação da competição, relata Bettine ao Jornal da USP.

Das respostas dada à pesquisa, tanto os atletas olímpicos quanto os paralímpicos demonstraram bastante angústia quanto à demora dos organizadores na tomada de decisão do adiamento do evento. Ficaram frustrados por terem perdido o ciclo olímpico – treinaram duro por quatro anos para participar dos jogos e, no final desse período, não competiram; e se ressentiram por interromper os treinos de forma abrupta, principalmente para os que já estavam na fase do polimento (quando o atleta repete várias vezes uma parte de seu treino – a entrada da piscina, por exemplo – a fim de melhorar seu rendimento).

O impacto emocional apareceu de forma enfática nas respostas dos atletas e estava relacionado às incertezas trazidas pela própria pandemia: ao tempo que ficariam sem treinar; à perda de condicionamento físico; ausência do técnico nos treinos; a falta de treinos em piscinas e o cancelamento de contrato com empresas patrocinadoras e/ou pelo rebaixamento salarial dos clubes aos quais estavam vinculados.

Segundo Bettine, as informações coletadas pela pesquisa deverão contribuir para reflexão sobre como os protagonistas do esporte estão vivenciando esse momento histórico, uma vez que há um entendimento dicotômico que vem sendo difundido que coloca como grupos de risco os idosos e pessoas com algum tipo de doença crônica, de um lado, e os atletas de outro, afirma. O pesquisador lembra da fala do presidente da República, Jair Bolsonaro, em cadeia de rádio e televisão no dia 24 de março de 2020. No pronunciamento, Bolsonaro reforçou essa visão de que os atletas não estariam sujeitos a doenças. 

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“Ao contrário do pronunciamento de Jair Bolsonaro, as repostas da pesquisa mostraram que os atletas não desdenham da pandemia causada pelo coronavírus”, disse. Mesmo com todos os prejuízos que estão tendo, seguem à risca o isolamento social porque não querem se contaminar nem disseminar o vírus para outras pessoas. “Um dos maiores medos dos atletas quando estão às vésperas das competições é exatamente não ficar gripados porque perderiam o seu rendimento”, afirma o pesquisador ao Jornal da USP.

Bettine entende que sua pesquisa faça parte de um esforço coletivo da USP para entender todos os aspectos da pandemia provocada pelo coronavírus e que o estudo seja apenas uma contribuição para compreender os impactos em diferentes grupos sociais devido à pandemia e o consequente isolamento social.

A pesquisa Atletas de esportes aquáticos sobre adiamento dos Jogos Olímpicos e o período de quarentena faz parte do projeto da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) Um olhar sobre a utilização estratégica do Brics ao sediar a copa do mundo de futebol da Fifa: análise da África, Brasil e Rússia”, que discute os megaeventos esportivos em diferentes dimensões.

Mais informações: e-mail marcobettine@usp.br, com o professor Marco Antonio Bettine de Almeida, da EACH


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