
No Brasil, o aborto só é permitido em três casos: de gravidez decorrente de estupro; risco à vida da gestante; e anencefalia do feto. Fora isso, é considerado crime previsto nos artigos 124 a 128 do Código Penal, mesmo quando os fetos têm anomalias graves de saúde, como no caso de microcefalia relacionada ao zika vírus.

Assim, em 2016, quando a Organização Mundial da Saúde decretou emergência sanitária em decorrência do zika, a Associação Nacional dos Defensores Públicos, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade, a ADI 5581, com Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), questionou a constitucionalidade de dispositivos do Código Penal que proíbem o aborto em casos de infecção pelo vírus zika. Ao analisar essas ações, em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, arquivar a ADI 5581, com a justificativa de que ela perdeu seu objeto, uma vez que, naquele momento, não havia mais a emergência sanitária causada pelo zika vírus.
Neste episódio do Mulheres e Justiça, Melina Girardi Fachin, professora associada dos cursos de graduação e de pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é a convidada da professora Fabiana Severi para falar sobre a reescrita, sob o ponto de vista jurídico-feminista, desta decisão do STF. O trabalho de reescrita teve a participação das advogadas Marina Bonatto, Christine Oliveira Peter da Silva, Estefânia Maria de Queiroz Barboza e Catarina Mendes Valente Ramos.
Na reescrita, segundo as pesquisadoras, fica evidenciado que o STF perdeu uma oportunidade de avançar sobre o tema e não se manifestou sobre a constitucionalidade das normas que proíbem o aborto em casos de infecção pelo vírus zika; o que vulnera as mulheres que já são mais vulneráveis. “Ao reescrever a decisão a partir do uso de teorias e métodos feministas, pode trazer alguns resultados significativos, tais como: reconhecimento dos direitos das mulheres, incluindo o direito à autonomia reprodutiva, o direito à saúde e o direito à igualdade de gênero.”
As pesquisadoras afirmam, ainda, que “o empoderamento das mulheres, com o reconhecimento do papel ativo destas na tomada de decisões sobre sua saúde e sua vida reprodutiva, poderia contribuir para que sejam mais autônomas e tenham mais poder de decisão sobre suas próprias vidas”.

Além disso, combate a discriminação de gênero ao adotar uma perspectiva feminista. “A decisão poderia reconhecer a existência da discriminação de gênero e buscar formas de combatê-la, sobretudo com o olhar das interseccionalidades e reconhecimento da importância da diversidade e da pluralidade. Inclusão de diferentes perspectivas e vozes valoriza a diversidade e a pluralidade”, concluem.
A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, e das jornalistas Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira -
Apoio:acadêmicas Juliana Cristina Barbosa Silveira e Sarah Beatriz Mota dos Santos-FDRP
Apresentação, toda quinta-feira no Jornal da USP no ar 1ª edição, às 7h30, com reapresentação às 15h, na Rádio USP São Paulo 93,7Mhz e na Rádio USP Ribeirão Preto 107,9Mhz, a partir das 12h, ou pelo site www.jornal.usp.br