Com título de Professor Emérito, Hélio Lourenço é celebrado como símbolo da liberdade acadêmica

O homenageado foi um dos fundadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e vice-reitor da USP em exercício entre os anos de 1967 e 1969

 11/11/2024 - Publicado há 3 meses
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A cerimônia de outorga do título de Professor Emérito a Hélio Lourenço de Oliveira reuniu dirigentes da Universidade e familiares do homenageado – Foto: Documentação Científica da FMRP

 

Na última sexta-feira, dia 8 de novembro, a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) celebrou a outorga do título de Professor Emérito a Hélio Lourenço de Oliveira (in memoriam), em cerimônia realizada no Centro de Convenções de Ribeirão Preto. O evento reuniu autoridades acadêmicas, colegas e familiares, que prestaram homenagens ao professor, que foi um dos fundadores da FMRP e vice-reitor da USP em exercício entre os anos de 1967 e 1969.

A cerimônia teve início com a fala do chefe do Departamento de Clínica Médica e proponente da concessão, Antônio Pazin Filho, que saudou a Congregação da Faculdade pela aprovação unânime do título a Oliveira, um marco histórico e emocional para o Departamento. Pazin lembrou que, ao celebrar o aniversário de 70 anos do departamento, a homenagem ao fundador resgata o passado, reafirma os valores e a missão que Oliveira imprimiu à faculdade. Ele mencionou que a imagem do homenageado, exposta na sala da chefia, permanece como um lembrete de retidão e liderança, inspirando todos os que assumem essa responsabilidade.

Pazin destacou, ainda, que, ao longo das décadas, o Departamento de Clínica Médica se consolidou como um dos pilares da FMRP, espelhando os ideais e valores que Oliveira defendia. Hoje, o Departamento é composto por 39 docentes efetivos, além de professores seniores, colaboradores e temporários. Em suas atividades, tem forte presença na graduação em Medicina, respondendo por cerca de 27% da carga horária do curso, com inserção desde o primeiro até o sexto ano. Também participa dos cursos de Fisioterapia, Nutrição, Terapia Ocupacional e Ciências Biológicas. Na pós-graduação, o Departamento mantém um programa de excelência, com nota máxima concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), formando mestres e doutores em números expressivos.

Em termos de pesquisa e extensão, o Departamento também honra a visão de Oliveira, com média de quase 420 artigos publicados anualmente nos últimos dez anos e atuação de destaque no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, onde contribui com mais de 20% das consultas, procedimentos e internações. Pazin mencionou que Oliveira, ao retornar à USP após o exílio, sempre dizia que “uma boa formação médica começa no compromisso com o paciente e com a ciência”​. 

Defensor da autonomia universitária

Durante a cerimônia, o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), ex-reitor da USP Marco Antonio Zago fez uma reflexão profunda sobre o impacto de Hélio Lourenço de Oliveira na história da USP. Zago ressaltou o momento decisivo da reforma universitária de 1968, que foi conduzida por Oliveira e consolidou a USP como uma Universidade unificada e autônoma, deixando de ser um conjunto de escolas isoladas. O dirigente contou que, naquele dia, durante sua viagem de São Paulo para Ribeirão Preto, leu um pequeno livro sobre o terremoto de Lisboa, ocorrido em 1775, e refletiu sobre a pergunta central do autor: “Existem dias que mudam a história?”.

Zago, então, fez um paralelo com a trajetória de Oliveira, afirmando que o dia 29 de abril de 1969 foi um desses momentos que mudaram a vida do homenageado, a história da USP e do ensino superior no Brasil. Para ele, aquele foi o dia em que a Universidade encontrou sua identidade e consolidou seu compromisso com a autonomia e a liberdade acadêmica, ideias que Oliveira sempre defendeu de forma intransigente. “O professor Hélio Lourenço conduziu a USP ao seu destino, ao fazer frente ao autoritarismo e defender com coragem a reforma universitária. Ele acreditava em uma universidade crítica e transformadora, comprometida com a liberdade e com o progresso da sociedade”, destacou. 

Na imagem uma mesa preta com cinco homens brancos, com vestes talares e ao fundo projetado uma imagem branco e preto, dividida em duas, de um lado perfil de um homem branco de óculos e do outro esse mesmo homem de corpo inteiro dado aula.
(Da esq. p/ dir.) Antônio Pazin Filho, Jorge Elias Junior, Carlos Gilberto Carlotti Junior, Marco Antonio Zago e Ricardo Brandt de Oliveira – Foto: Rose Talamone

Anos mais tarde, disse Zago, o Conselho Universitário da USP, reconhecendo a importância histórica de Oliveira, decidiu colocar o retrato dele na Galeria de Reitores, localizada no prédio da Reitoria, com uma placa que celebrava sua luta pela primeira reforma universitária e pela autonomia. Em suas palavras, “Hélio Lourenço está entre as grandes lideranças que marcaram a história da USP pelo exemplo de compromisso com a liberdade e a justiça acadêmica que deixou para as gerações futuras”. 

Filho de Hélio Lourenço e professor sênior do Departamento de Clínica Médica, Ricardo Brandt de Oliveira, emocionado, expressou sua gratidão pela homenagem ao pai e ao legado que ele construiu na FMRP e na USP. Brandt destacou que o pai, além de professor e gestor, era um defensor intransigente da autonomia universitária e da educação pública de qualidade. “Para meu pai, a Universidade era uma missão, uma causa a ser defendida. Ele acreditava no poder transformador do ensino e na responsabilidade social da Medicina”, afirmou Brandt, lembrando como Oliveira inspirou gerações e deixou uma marca que ultrapassa o tempo e as adversidades. 

Na sequência, o diretor da FMRP, Jorge Elias Junior, relembrou o centenário de Oliveira, comemorado em 2017, e como sua presença continua viva na faculdade, tanto física quanto simbolicamente. “O legado de Hélio está presente em cada decisão, em cada iniciativa, lembrando-nos da responsabilidade de preservar o ensino de qualidade, a pesquisa rigorosa e o cuidado humanizado com os pacientes”, disse Elias. 

O reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior, encerrou a cerimônia compartilhando experiências pessoais sobre o professor Hélio Lourenço, enfatizando a profundidade do impacto que ele teve tanto em sua formação quanto em toda a Universidade. Carlotti, que foi aluno de Hélio nos anos 1980, relembrou a postura firme e ética do professor, que, mesmo após retornar à USP do exílio, continuava a exercer um papel de liderança e inspiração entre estudantes e colegas.

Carlotti lembrou que o primeiro encontro com Oliveira foi marcante, especialmente pela postura imponente e, ao mesmo tempo, acessível do professor. “Era como se ele tivesse três metros de altura”, disse Carlotti, destacando a presença imponente de Oliveira, que unia elegância, firmeza e um carisma que inspirava respeito e admiração. Ele compartilhou uma lembrança de uma aula no Centro de Saúde Escola da Vila Lobato, onde o homenageado fazia questão de levar os alunos para ensinar práticas médicas básicas, integrando o ensino com a realidade dos pacientes. “Ter aula com o próprio diretor da faculdade, alguém com a trajetória de Hélio, era uma experiência transformadora”, recordou Carlotti, ressaltando que o professor fazia questão de ensinar com humanidade e responsabilidade, aproximando os alunos do compromisso social que a profissão exige​.

Hélio Lourenço de Oliveira profere a aula inaugural do curso de Medicina, em maio de 1954, observado por Zeferino Vaz, diretor da FMRP, e por Francisco Degni, diretor da Escola de Farmácia e Odontologia de Ribeirão Preto – Foto: Livro Hélio Lourenço: Vida e Legado

Trajetória de Hélio Lourenço de Oliveira

Nascido em 1917, em Porto Ferreira (SP), Hélio Lourenço de Oliveira foi um dos fundadores da FMRP, exercendo papel crucial na criação do Departamento de Clínica Médica em 1954. A competência e o respeito conquistados ao longo de sua carreira o levaram, em 1968, à Reitoria da USP, onde liderou uma reforma universitária essencial para consolidar a instituição. 

Em 1967, o então reitor da USP, Luís Antônio Gama e Silva, foi conduzido ao cargo de ministro da Justiça durante a presidência de Artur da Costa e Silva. Em 1968, Gama e Silva redigiu o AI-5, que atribuiu ao Executivo a concentração de poderes excepcionais, transformando o regime político numa ditadura. Com a saída do reitor, assumiu a gestão da Universidade o professor Hélio Lourenço, o vice-reitor em exercício. Dias depois do AI-5, as entradas para o campus Cidade Universitária da USP, em São Paulo, foram bloqueadas pelas forças policiais e militares. Elas invadiram o Conjunto Residencial da USP (Crusp), alojamento estudantil, de onde expulsaram 1.500 moradores.

Diante da situação, Oliveira reuniu conselheiros para elaborar documento em protesto contra a operação surpresa. Mas seu protesto não foi atendido, o que o levou a considerar o lugar sitiado. Em 1969, Lourenço foi cassado do cargo de reitor e aposentado compulsoriamente junto com outros 23 professores, por iniciativa do próprio professor Gama e Silva, em um decreto direcionado à USP, marcando uma triste ruptura com a Universidade que ajudou a construir.

Após o exílio, em que liderou o Escritório de Educação Médica da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o Oriente Médio e prestou consultorias a instituições globais, Oliveira recebeu anistia e retornou à USP em 1980. Até seu falecimento em 1985, foi chefe do Departamento de Clínica Médica e diretor da FMRP. Sua inteligência, integridade e liderança são lembradas até hoje, como narra o livro Hélio Lourenço: vida e legado, escrito por seu filho Ricardo Brandt de Oliveira e pela jornalista Regina Prado, e que conta sua trajetória e impacto na educação médica e na USP.


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